
Canto urbano de salão, de caráter lírico, sentimental. Em Portugal, a palavra moda designa canção em geral. É jeito luso-brasileiro de acarinhar tudo com diminutivos. A palavra modinha nasceu assim. A forma da modinha tem sempre muitas variações: em duas estrofes A-B; em duas estrofes e refrão A-B-C; em estrofe e refrão A-C; em duas estrofes e “stretto”, que faz às vezes refrão A-B-D, e mesmo algumas eruditíssimas, vestindo o espartilho da “ária da capo'”. Em princípio, era em compasso binário (C e 2/4). Depois, por influência da valsa, adotou o ternário, que é hoje o mais vulgarizado. Há também modinha que adota o binário do “schottisch”, chamada no vocabulário da música popular brasileira de canção, como, por exemplo, a famosa “A voz do violão” (1928), de Francisco Alves e Horácio Campos. Mário de Andrade, com a acuidade de sempre, observou que “à medida que esta (a modinha) desaparece ou vive mais desaparecida dos seresteiros, vai sendo, porém, substituída pelo samba-canção, que é realmente uma modinha nova, de caráter novo, mas canção lírica solista, apenas com uma rítmica fixa de samba, em que, porém, a agógica não é mais realmente coreográfica, mas de canção lírica. Ora, isso é uma evolução lógica, por assim dizer, fatal. A modinha de salão, passada pra boca do povo, adotou mesmo ritmos coreográficos, o da valsa e o do xote principalmente. Ora, estes eram sempre ritmos importados, não de criação imediata nacional. O samba-canção é a nacionalização definitiva da modinha”. Resta acrescentar que a modinha, hoje denominada popularmente seresta, nos botequins e nas churrascarias de subúrbio, onde se refugiou, reveste também o ritmo do fox-canção brasileiro, tão divulgado nas décadas de 1930 e 1940. Nessas serestas, quase nunca deixam de ser cantados, ao lado de “Chão de estrelas” (Orestes Barbosa e Sílvio Caldas, 1937), “Lábios que beijei” (J. Cascata e Leonel Azevedo, 1937) ou de sambas de Ary Barroso, Noel Rosa e Lupicínio Rodrigues, os fox-canção “Nada além” (Custódio Mesquita e Mário Lago, 1938), “Renúncia” (Roberto Martins e Mário Rossi, 1942) ou “Mulher” (Custódio Mesquita e Sadi Cabral, 1940). Os musicólogos discutem, sem chegar a resultados conclusivos, se a modinha nasceu em Portugal ou no Brasil e se é de origem popular ou erudita. O que está firmemente estabelecido é que as melhores modinhas eram as brasileiras. “Tanto portugueses despreocupados de fazer história como os viajantes estrangeiros que nos fins do século XVIII e primeiro semi-século seguinte visitaram Portugal, testemunham constantemente a superioridade da modinha brasileira e o domínio que ela manteve além-mar.” Quanto a ser ela criação erudita ou popular, o que é certo é que era cantada, com acompanhamento de viola de arame, pelo mulato brasileiro Domingos Caldas Barbosa, na corte de D. Maria I em Portugal. Por outro lado, Sílvio Romero, falando sobre a popularidade de Caldas Barbosa, o Lereno Selinuntino da Arcádia, afirma: “O poeta teve a consagração da popularidade. Não falo dessa que adquiriu em Lisboa, assistindo a festas e improvisando na viola. Refiro-me a uma popularidade mais vasta e mais justa. Quase todas as cantigas de Lereno correm de boca em boca nas classes plebéias truncadas ou ampliadas. Formam um material de que o povo se apoderou, revelando-o a seu sabor.” A modinha foi o primeiro gênero popular brasileiro a ser divulgado com sucesso fora do país, há 250 anos. Caldas Barbosa, para desespero dos eruditos poetas portugueses (Bocage, Nicolau, Tolentino, Filinto Elísio e outros), era uma verdadeira “coqueluche” nos saraus da corte, com suas modinhas e lundus. Depois dele, praticamente todos os poetas românticos do Brasil tiveram seus versos musicados: Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Castro Alves e outros. Até os modernos não escaparam da moda da modinha. Manuel Bandeira, Drummond e Mário de Andrade também forneceram poemas aproveitados pelos músicos. Chico Buarque, Vinícius de Morais, Juca Chaves, Baden Powell e muitos outros compositores de nossos dias fizeram modinhas. Ao finalizar o século XX, entre as canções escolhidas como as 10 melhores do período pela Academia Brasileira de Letras (então presidida por Nélida Piñon) e em comemoração aos 100 anos da instituição, incluía-se a modinha “Chão de estrelas”, de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa, consagrando assim um gênero mais de duas vezes centenário. Mozart de Araújo, numa obra clássica sobre o tema (“A modinha e o lundu no século XVIII”), termina o estudo com as seguintes palavras: “Dizem que a modinha morreu. Ela não morrerá porque já não é mais uma canção, mas um estado de alma. Ela está na própria essência emotiva da nacionalidade.”