
O hip hop surgiu nas grandes cidades como cultura oriunda de classes menos favorecidas localizadas nos bairros do Centro, das zonas Sul, Norte e Oeste. De origem negra, ainda que em alguns aspectos assimilado por outras culturas de origens diversas, como a europeia e americanas (Central, Norte e Sul).
O Hip hop é basicamente, de origem afro-jamaicana. No caso específico do Brasil, o Hip hop absorveu características regionais diferentes em vários estados. Com o passar do tempo o gênero assumiu características de movimento, detendo assim uma gama de desdobramentos, sendo reconhecido também como uma ‘cultura de rua’, assim como o movimento punk, o rock e o heavy-metal.
Entre suas principais expressões estão o “grafite”, reconhecido como arte plástica urbana; o rap (ritmo e poesia) que é considerado a linguagem musical do Hip hop e tem como base, na maioria das vezes, o rhythm and blues, intermediada por uma fala concomitamente à parte musical. Com um discurso quase sempre calcado na crônica urbana da diferença de classes, o texto em si é usado como uma forma de protesto, no qual expõe o problema e discursa sobre ele. Para tanto, usa o discurso que provoca tensão entre as classes, colocando em choque as diferenças (culturais, sociais, política etc) ou somente demonstra a ineficiência do poder Estatal perante aos problemas da comunidade. O DJ (Disque jóquei) e o RAPPER ou MC (Mestre de cerimônia) são responsável pela instrumentação, isto é, quem coordena e toca o mixador e a pick-up (aparelhos que são considerados instrumentos) e dos quais retiram sons eletrônicos, que dão o ritmo à fala do rapper ou do MC, que geralmente é o compositor da obra e quem leva o discurso para o público. Os termos são sinônimos, não existindo diferenças, sejam elas na qualidade ou no tipo de expressão corporal. Ainda assim há quem defenda que são coisas diferentes. O rap (rhythm and poetry) ou ritmo e fala, ou ainda fala ritmada, não é novo e nem foi criado nos Estados Unidos. Há pesquisadores que afirmam que o “Rap” surgiu em local, dia, mês e ano marcados. Chegam até dar a data precisa: 12/11/1974 no Broklin, em Nova York, fruto de experiência de dois DJs nova-iorquinos. Há quem discorde e defenda que o “Rap” faz parte de um híbrido da cultura negra jamaicana mesclada com aspectos da cultura afro norte-americana. No Caribe, especificamente na Jamaica, surgiu uma cultura musical de nome “Raga”, uma mescla de ritmos jamaicanos com ritmos africanos. Esse gênero básico serviu como ponto de partida para a criação de novos gêneros como o reggae, o rap, etc. Alguns pesquisadores afirmam que o (a) “Raga” surgiu pela necessidade dos jamaicanos em vender os discos de 45 rpm nas ruas. A afirmação parte do princípio de que os vendedores punham para tocar o disco em carros de som e ficavam discursando sobre a vida e a obra do artista que estava tocando, falando sobre aquela base rítmica. Daí criou-se a “Raga”, na qual também havia uma pausa musical para uma fala. Quando esta forma de música chegou aos Estados Unidos, no início da década de 1970, foi assimilado pelos negros americanos, que logo deram uma conotação diferente à fala . Em vez do ritmo jamaicano, improvisavam em cima do rhythm & blues, principalmente do soul e do blues, desencadeando o “Rap” como conhecemos. Sendo assim, o que os jamaicanos faziam seria assim como uma espécie de rap primitivo. Outros países, também envolvidos na diáspora africana, desenvolveram uma forma específica de improviso. Há relatos de tribos africanas que tinham essa forma de expressão de fala no meio de uma música, sendo conhecidos como “griot” (contadores de história). Isso explica a fala com pausas melódicas, o que caracteriza muito bem o rap. No Brasil, a base passou do rhythm & blues (a vertente paulista) para o samba, com Marcelo D2 e B Negão. Porém, outros rappers, como Gabriel O Pensador, MC Mr. Castra e MV BILL, preferiam a cultura americanizada, fazendo uso de ritmos americanos como base de suas falas. O Hip Hop na expressão musical do “Rap” assume características próprias em cada região. No Rio de Janeiro alguns rappers usam como base o samba e em São Paulo a preferência para a base sonora ainda são os loops americanizados. Curiosamente, a primeira mescla de hip hop e samba de que se tem notícia se deu no Rio Grande do Sul, feita pelo grupo de rock De Falla. O “rap” tem como característica fundamental os Mcs (Mestres de cerimônias), o qual detém a fala central ou a voz centro na melodia. A primeira tentativa de reunir os artistas cariocas desta nova tendência musical foi a coletânea “Tiro inicial”, surgida no início da década de 1980. Produzida pelo CEAP (Centro de Articulações das Populações Marginalizadas) tendo como mentor o político e ativista negro Ivanir dos Santos e como produtor musical Mairton Bahia, a coletânea aglutinou Gabriel O Pensador, MV Bill e Artigo 288, entre outros. Outra característica básica do Hip-hop em sua expressão musical é a afirmação de cultura produzida na periferia e por ela consumida. Grupos como Racionais MCs e Detentos do Rap, ambos de São Paulo, não fizeram uso da mídia convencional para chegarem ao reconhecimento local e, depois, ao nacional. Seu trabalho incluía vendas de discos e camisetas sem nunca contar com o apoio de gravadoras e distribuidoras convencionais e/ou ainda de grifes para as roupas produzidas.
Foram criadas várias formas de distribuição dos discos lançados pelos grupos, entre elas, distribuição em bancas de jornal, pontos de venda em camelôs da comunidade e venda direta em show, além de colocação dos produtos nos pequenos comércios locais. Com isso, os grupos partiram do universo micro atingindo o macro e posteriormente, fazendo ou não contratos com gravadora majors, aceitariam ou não a apresentação em programas de grande veiculação, alguns considerados pela maioria dos grupos do movimento Hip hop como de qualidade duvidosa. Um dos pontos culminantes do reconhecimento da mídia convencional para com o Hip hop foi o “Prêmio Hutus” que reverenciava toda a cultura Hip hop em uma grande festa com entrega de prêmios em várias categorias da criação.
Em 2002 o rapper paulista Sabotage recebeu dois “Prêmios Hutus”, sendo um na categoria “Personalidade do Hip hop” e ou outro na categoria “Revelação”. Em 2004 a empresa Rapsoulfunk, de MC Mr. Castra e ex-VJ da MTV, o paulista Primo Preto, foi responsável pela contratação de artistas do universo Hip-hop e funk para o “Festival Hip Hop Manifesta”, um dos principais da América do Sul. O evento aconteceu no Riocentro e dentre os nomes internacionais contratados destacaram-se os rappers norte-americanos Snoop Dogg e Ja Rule. Entre os artistas nacionais estava presente o grupo paulista RZO, tendo como integrantes Negra Li e Helião. Na área musical surgiram diversos selos e pequenas gravadoras não só no eixo Rio-São Paulo, como também em cidades como Belo Horizonte e Brasília. A Discovery surgiu em 1991 em Brasília e lançou o primeiro disco nas cidades satélites neste mesmo ano. Com o título de “Peso pesado”, o LP reuniu os rappers DJ Raffa, Marcão, Leandronik e DF Movimento. No ano seguinte, a gravadora lançou os discos do grupo Circuito Fechado, da cidade satélite de Ceilândia, além do disco “DJ do gueto”, de Leandronik. Posteriormente expandiu sua atuação contratando outros artistas, não apenas de Brasília, mas também de outras cidades como Bauru (SP) com a contratação do grupo Desacato Verbal, chegando a marca de 37 títulos lançados em poucos anos. Em São Paulo o número de gravadoras é enorme, sendo uma das mais importantes a Zimbabwe Record, destacando-se também a BMR Publishing Music Records, da qual faz parte o grupo Detentos do Rap. Outro selo importante é o Cosa Nostra, do grupo Racionais MCs, que lançou os discos do grupo, assim como de vários rappers, inclusive o CD do rapper Sabotage. O ensaísta e compositor paulista José Miguel Wisnik destacou a importância do Hip hop principalmente do grupo Racionais MCs, como sendo o mais marcante fato novo da música popular brasileira e ainda como expressão social de classe e diferente de tudo que existiu antes. Chico Buarque também destacou a importância do Rap e sua força como expressão não só musical, como também de uma classe social se manifestando e cobrando mudanças. Associada à música, a dança sempre está presente nos shows dos rappers. Neste caso específico da dança, há a pura imitação dos valores e passos norte-americanos. O break brasileiro ainda não evoluiu como o rap nacional.
No ano de 2002, o rapper paulista Sabotage trabalhou como roteirista no filme “Estação Carandiru”, de Hector Babenco, e ainda participou como ator (interpretando a si mesmo) e fez a trilha sonora do filme “O invasor,” de Beto Brant, e pela qual ganhou o “Prêmio Candango”, de “Melhor Trilha Sonora”, no “Festival de Brasília”. Ainda para este filme, trabalhou como roteirista nas falas do personagem Anísio, interpretado pelo músico Paulo Miklos, do grupo Titãs, que também ganhou o prêmio de “Ator Revelação” no mesmo festival. Entre as divergências mais famosas no universo Hip Hop destacamos o evento “Hip Hop Manifesta”, no Riocentro em janeiro de 2004. Organizado pela empresa Rapsoulfunk, de MC Mr. Castra e Primo Preto, o evento foi o ponto de partida na briga entre os organizadores e Celso Athayde, dono da Produtora Hutus e empresário de MV Bill e Racionais MC’s. Outra organização que também fala em nome do Movimento Hip hop é a Central Única das Favelas (Cufa), que criticou os rappers que participariam do “Hip-hop Manifesta”. As acusações recaíam até sobre a ‘qualidade’ do público presente ‘de mauricinhos e patricinhas’. O rapper Mano Brown (do grupo Racionais MC’s), considerado por muitos como da ala sectária do Movimento Hip-hop, também criticou o rapper paulista Xis no ano de 2002, quando este participou da “Casa dos Artistas”, programa da Rede SBT. Depois que apareceu no programa “Casa dos Artistas” e “Programa do Gugu”, ambos do SBT, foi acusado de ter se vendido ao “sistema”. No Rio de Janeiro foi criada a “Liga dos MCs” no ano de 2002, numa sinuca no bairro da Lapa, local onde aconteceu a primeira batalha de rappers, a “Batalha do Real”. O evento “Liga dos MC’S – Primeiro Campeonato Oficial de Fresstyle do Rio. L.A.P.A (Lugar Aberto Para Amigos)”, reuniu alguns rappers como o paulista Xis, Don Negrone, Marechal, Castro e Aori, entre outros. O segundo encontro, produzido pela Brutal Crew Produções, aconteceu em outubro de 2004 no Teatro Rival Br, no Rio de Janeiro, tendo como um dos organizadores o rapper Aori. Com cinco eliminatórias, uma por noite, e reunindo 16 MCs, o evento foi documentado em vídeo por Matias Maxx e Remier. Esse tipo de ‘encontro’ ou ‘briga’ ficou popular depois do filme “Rua das Ilusões”, com o rapper Eminem, o polêmico rapper americano que teve o clipe proibido a pedido de Michael Jackson. No encontro são sorteados pares de rappers que se humilham mutuamente, se atacam e por fim acabam passando o recado com palavras e rimas. Ao final do terceiro round e da última dupla, o vencedor é escolhido pelo público através de palma (e vaias) bem democráticas.
No ano de 2005, um dos maiores expoentes do Hip hop nacional, o rapeer MV Bill, juntou-se ao sociólogo e antropólogo Luiz Eduardo Soares e ainda ao produtor Celso Athayde, e publicou pela Editora Objetiva o livro “Cabeça de porco”, trabalho polêmico com entrevistas feitas em várias favelas do país e ainda artigos assinados pelos três autores nos quais fazem uma radiografia de problemas como tráfico de drogas, dinheiro e rinhas de seres humanos (crianças), entre outros temas polêmicos.
No ano de 2007 foi lançado, pela gravadora Som Livre, o CD “Caldeirão do Huck Hip hop nacional”, que trouxe em suas 18 faixas o Motirô e Tio Fresh na faixa “Ela é sexy”; Jacksom e Bira Mattos em “Motel”; Cabal, Helião e Negra Li na faixa “Representa”; Rappin Hood, com participação especial de Caetano Veloso, na faixa “Rap du bom parte II”; DJ Thaide em “Pra cima”; Mr. Catra e Suppa Flá em “Quero hoje”; Rappin Hood, com participação especial de Jair Rodrigues e Orquestra Sinfônica de Heliópolis em “Disparada rap”; DJ Hum, La Postura, De La Souza e Mara Nascimento em “Baila” e o grupo SP Funk na faixa “Tá pra noiz”, entre outros.
Em 2023 foi comemorado os 50 anos do nascimento do hip hop, relembrando quando o jamaicano DJ Kool Herc apresentou em Nova York a batida considerada precursora do “breakbeat”. A data foi comemorada pelo rapper Grandmaster Flash, também pioneiro do gênero, com um show ar livre no South Bronx, berço do hip hop e do rap. Segundo o rapper, nascido em Barbados em 1958:
“Não é um show, é uma festa”
BIBLIOGRAFIA CRÍTICA:
ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular Brasileira – Criação e Supervisão Geral Ricardo Cravo Albin. Edição: Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural Cravo Albin e Editora Paracatu, 2006, RJ.
AMARAL, Euclides. Alguns Aspectos da MPB. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2008. 2ª ed. Esteio Editora, 2010; 3ª ed. EAS Editora, 2014.