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Dados Históricos e Descrição

A palavra designa dois conjuntos organológicos distintos: um americano e outro brasileiro. Bateria americana é a sessão rítmica da orquestra clássica do jazz. A bateria brasileira é a percussão do acompanhamento do samba das escolas de samba. Cada uma delas reflete fielmente o mundo sociomusical do grupo de origem da sua respectiva nacionalidade. A bateria americana é um agrupamento de instrumentos de percussão, formados adequadamente para ser tocados por um só músico. A idéia de juntar tambores, pratos de metal e outros meios de percussão, para colocá-los ao alcance de um único instrumentista, enquanto nas fanfarras essas peças eram percutidas por vários executantes, pertence, sem dúvida, às bandas de circos do século XIX. Em Nova Orleans era comum as fanfarras tocarem nos salões de baile, passando assim naturalmente da marcha à dança. O passo decisivo para isso foi a criação do pedal do bombo (ou bumbo), um simples artefato acionado com o pé, que a tradição atribui ao baterista DeeDee Chandler, em 1895. Como os descendentes dos puritanos do MayFlower proibiram sempre os escravos negros de importar seus atabaques e tambores, a bateria americana tentou, não com muito êxito, traduzir a complexa rítmica africana com os tambores militares europeus. Marshall Stearns afirma que “os ritmos do nosso jazz são positivamente simples. Adiantamo-nos bastante; mas, por certo, ainda não aprendemos bem, nem jamais aprenderemos”. Stravinski, o compositor erudito ocidental de maior sensibilidade rítmica, falando do jazz em geral e particularmente de seu ritmo, é ainda mais severo: “O ponto de interesse é o virtuosismo instrumental, a personalidade instrumental, não a melodia, não a harmonia e, com toda a segurança, não o ritmo. Este não existe realmente, porque não existem proporção ou relaxamento rítmicos. Em vez de ritmo há batida (beat). Os músicos marcam o tempo sem parar, simplesmente para se manter e para saber de que lado da batida eles se encontram.” A bateria de jazz estabelecida como clássica, era integrada pelos seguintes elementos (todos europeus): a) bombo (bass drum), percutido por meio de um pedal mecânico acionado pelo pé; b) tambores médio e baixo, próximos dos atabaques africanos; c) caixa clara, tambor pouco profundo; d) pratos de vários modelos, alguns acionados com o pé. Com o tempo, foram sendo introduzidos (na década de 1940) idiofones e membranofones, de procedência africana, sobretudo oriundos de Cuba e do Brasil. Chano Pozo (Luciano Pozo y Gonzalez, 1915-1948), nascido em Havana, ingressou em 1947 na Orquestra de Dizzy Gillespie e tornou-se o pioneiro da integração da percussão afro-latina no chamado estilo be-bop. Gillespie contratou Pozo para um concerto em Town Hall. O percussionista cubano, integrante, em Havana, de tamborileiros do culto abakuva, segundo relata Marshall Stearns: “Agachou-se no centro do palco e começou a malhar, com as mãos ressecadas, um sonoro tambor de conga. Manteve a assistência num silêncio estarrecido durante 30 minutos, enquanto cantava num dialeto da África Ocidental, alternando sussurros com clamores. ‘É o maior tocador de tambor que já ouvi na vida!’, exclamou Gillespie.” Com isso, logo introduziu a conga no jazz, o primeiro instrumento genuinamente africano.
No decorrer dos anos de 1960, sob influência da bossa nova e do samba, popularizado nos Estados Unidos por Herbie Mann, Gillespie e Stan Getz, baterias de jazz passaram a usar outros instrumentos afro-brasileiros: cuícas, berimbaus, agogôs, atabaques. Esses instrumentos, entretanto, permaneceram apanágio de percussionistas brasileiros que trabalhavam com os jazzmen, como Airto Moreira, Nana Vasconcelos, Portinho e Dom Um Romão. A bateria brasileira das escolas de samba percorre caminho diametralmente oposto. Teve origem nos instrumentos de percussão da macumba carioca, de clara procedência africana, uma vez que, no início, samba e macumba eram a mesma coisa, como declararam todos os pioneiros do gênero. Esses instrumentos – agogôs, cuícas, atabaques, macumbas (reco-recos) – ainda hoje são fundamentais nas baterias. Muito cedo, porém, foram sendo introduzidos membranofones e idiofones europeus. Os atabaques, tocados com as mãos, foram logo substituídos por tambores europeus, uma vez que eram inadequados para a utilização nas marchas dos cortejos do grupo carnavalesco. Esta substituição, no entanto, em nada afetou o desempenho da rítmica africana original. Bem cedo, também, foi criado o surdo centralizador, por iniciativa de Alcebíades Barcelos, o Bide. João da Baiana, cujo nome verdadeiro era João Machado Guedes, introduziu o pandeiro e até prato de cozinha no samba, hoje indispensável, apesar de sua exígua caixa de ressonância o tornar quase inaudível no conjunto. João Paulino, do Império Serrano, introduziu a frigideira de cozinha na sua bateria, logo adotada por outras escolas, e Edgar criou o reco-reco de mola. Calixto, também do Império, apresentava-se com pratos metálicos das bandas militares e Marçal inseriu nas baterias de escola de samba os timbales. O famoso Mestre André, mestre de bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel, inventou o chocalho de batinela, idiofone de grandes proporções, formado por uma moldura de madeira, onde se introduziam numerosas batinelas de pandeiros. Os sambistas de rádio, como Cyro Monteiro e Dilermano Pinheiro, botavam caixas de fósforos e chapéus de palha no acompanhamento do samba, instrumentos que não se compatibilizavam com a potência da bateria de escola de samba. Por sua vez, os percussionistas das baterias de escolas de sambas usavam recursos que os primeiros não tinham possibilidade de alcançar. Marçal, falando das escolas de samba dos primeiros tempos, recorda: “A bateria vinha atrás, com as baianas logo na frente, dizendo na boca, dando harmonia para a bateria. Elas marcavam com a sandália o tempo do samba, e isso ajudava muito o ritmo. Era uma das características da Mangueira, com uma ala de baianas que se ouvia de longe, marcando com o salto da sandália.” Havia ainda passistas que enchiam os bolsos de níqueis, de sorte que, ao dançar, as moedas e os tamancos transformavam-se num idiofone maravilhoso. A bateria, durante o desfile, distribui os instrumentos de forma variada, mas de modo geral a arrumação, de trás para a frente é a seguinte: nas extremidades colocam-se os surdos de marcação – um bate, o outro responde, formando o que se pode chamar balança. Entre eles, na mesma fileira, fazendo o preenchimento do ritmo, há os surdos de repique. Na fileira adiante, no centro, vai o surdo centralizador. Aos lados do surdo centralizador, na mesma fileira e para adiante, vem o grupo das caixas de guerra e taróis, cuja função é segurar o ritmo. Mais para a frente, vêm as chamadas miudezas: tamborins, chocalhos, pandeiros, reco-recos, agogôs, cuícas etc. Quando nasceram, as escolas de samba raramente tinham mais de 100 componentes e a bateria mais de 15 percussionistas. Hoje, as grandes escolas reúnem mais de 4.000 componentes e as baterias chegam a 300, 350 ou até 400 ritmistas. Nos desfiles carnavalescos apresentam-se hoje aproximadamente 70 escolas, que reúnem, no mínimo, 7.000 homens nas suas baterias. Nos anos de 1930 e 1940, praticamente todos os percussionistas de baterias de escolas de samba eram também percussionistas dos terreiros de cultos afro-brasileiros. Hoje, todos os ogãs batem nas escolas de samba, mas já há uma maioria de instrumentistas laicos. O aprendizado de percussão é incentivado em muitas escolas, que organizam baterias mirins (só de crianças) e, até mesmo muitas delas, cursos sistemáticos. É comum o diretor de bateria de uma grande escola ter sido aluno desses cursos, ter sido componente da bateria e ter ascendido à posição mediante concurso interno. A bateria americana, a partir dos anos 1920, difundiu-se por todo o mundo, em conseqüência da hegemonia militar, política e econômica dos Estados Unidos e em virtude também, talvez em maior proporção, da sua funcionalidade: é relativamente barata, ocupa um só executante e presta-se ao acompanhamento de qualquer gênero. A bateria de escola de samba é especializada no acompanhamento do gênero que lhe deu origem e não se presta a outras finalidades. Tem sido utilizada, de forma embrionária talvez, fora do Brasil, nas escolas de samba que nas últimas décadas começaram a surgir em Portugal, no Japão, nos Estados Unidos e em outros países. Uma forma reduzida de bateria de escola de samba tem sido também a base em que se estruturou a forma de acompanhamento do samba que adotou a denominação de pagode.