
Compositor. Cantor. Animador cultural. Seu nome verdadeiro era José Gomes da Costa, e nasceu no Rio de Janeiro, na última década do século XIX. Morreu na mesma cidade, no fim da Segunda Guerra (1945).
Segundo relatou Carlos Moreira de Castro, o Carlos Cachaça, Espinguela dizia-se descendente de italianos da Calábria, da família Espineli, o que explicaria o apelido, um aportuguesamento popular do sobrenome estrangeiro. Era mulato, com marcas de bexiga no rosto, jongueiro, pai-de-santo e “irmão de cabeça” de dona Lucíola, velha matriarca da Mangueira. Morava no Engenho de Dentro, mas não saía do morro, onde tinha uma amante preferida.
Em 1925 teve ideia de fundar um bloco, a que deu o sugestivo nome de Bloco dos Arengueiros, constituído, entre outros, por Cartola (Angenor de Oliveira), Maçu (Marcelino José Claudino), Saturnino Gonçalves e seu irmão Arthur (respectivamente pai e tio de D. Neuma da Mangueira), Carlos Cachaça (Carlos Moreira de Castro), Chico Porrão, Fiúca e Homem Branco. Cartola dizia que “um arengueiro de verdade saía do morro pra brigar, pra ser preso, pra apanhar, pra bater”. O Bloco dos Arengueiros veio a transformar-se no que seria, segundo o nome imposto em 1935, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira. A escola, na verdade, foi fundada em 28 de abril de 1928, no Buraco Quente (Travessa Saião Lobato nº 21), na casa de seu Euclides da Joana Velha, pai do João Cocada. Os fundadores foram sete: Seu Euclides (Euclides Alberto dos Santos, o dono da casa), Saturnino, Marcelino, Cartola, Pedro Caim, Abelardo da Bolinha e Zé Espinguela, que acrescentava ao título de criador do Bloco dos Arengueiros o de fundador da Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira. Não contente com essas credenciais, Zé Espinguela, em 20 de janeiro de 1929 (um domingo, dia de Oxóssi para alguns e de São Sebastião para outros), realizou o primeiro concurso entre escolas de samba dessa gloriosa cidade. O evento ocorreu em sua casa, na rua Engenho de Dentro, atual Adolfo Bergamini.
Em 1935, quando o jornal “A Nação” patrocinou o Concurso de Escolas de Samba que começou naquele ano a fazer parte do Programa Oficial do Carnaval da então Prefeitura do Distrito Federal, quis ouvir o Zé Espinguela, o criador da iniciativa inaugural. “A Nação” de 1 de março de 1935 transcreveu o que sobre isso disse Espinguela:
“Eu fui o primeiro organizador de concursos entre as nossas escolas. Foi em 1929. Realizei no Engenho de Dentro. Sagrou-se vencedora a Portela, sabiamente dirigida pelo Paulo. Mangueira também apresentou-se pujante, tendo os seus sambistas Cartola e Arthurzinho apresentado dois sambas monumentais: ‘Foram beijos’ e ‘Eu quero nota’”.
Foi grande amigo de Villa-Lobos, que conheceu provavelmente na Mangueira e de quem se tornou uma espécie de assessor para assuntos de folclore e de música popular. Em depoimento ao Museu da Imagem e do Som, João da Baiana (João Machado Guedes – 1887/1974) informou que Espinguela tencionou escrever uma biografia de Villa-Lobos que, caso tivesse sido realizada, seria a primeira sobre o maestro. Em 1940, Leopoldo Stokowski solicitou a Villa-Lobos que selecionasse e reunisse os mais representativos artistas de música popular brasileira, para gravação de músicas destinadas ao Congresso Pan-Americano de Folclore. Villa-Lobos incluiu no grupo escolhido a nata dos verdadeiros criadores nacionais de música como Pixinguinha, Cartola, Donga, João da Baiana e, como não poderia deixar de ser, Zé Espinguela. As gravações realizaram-se na noite de 7 para 8 de agosto de 1940, a bordo do navio Uruguai, atracado no Armazém 4. Foram registradas quarenta músicas, entre as quais, segundo relato do jornal “O Globo”, seis de Zé Espinguela: “Orimé”, “Hoje é dia”, “Afoché”, “Curimachô”, “Camandaué” e “Acorvagô”. Dessas quarenta músicas, apenas 16 chegaram ao disco, reproduzidas nos Estados Unidos em dois álbuns de quatro fonogramas cada um, sob o título Columbia presents – Native Brazilian Music – Leopold Stokowski. Três músicas de Zé Espinguela, escolhidas entre as seis gravadas no navio Uruguai, obtiveram reprodução nos discos de 78 rpm do álbum americano (conservada a ortografia original):
Volume One 36503: C831 (CO-30165) “Macumba de Ochóce” (Donga e Espinguela) – Macumba with Vocal Ensemble – Grupo do Rae Alufa; C852 (CO-30166) “Macumba de Inhançan” (Donga e Espinguela). Macumba with Vocal Ensemble – Grupo do Rae Alufa.
Volume Two 36507: C847 (CO 30190) “Cantiga de Festa” (José Espinguela) – Canção with vocal ensemble – Grupo do Rae Alufa. As músicas de Zé Espinguela obtiveram nos discos títulos diferentes dos da gravação no navio, não sendo mais possível identificar a correspondência entre eles. Provavelmente, a “Cantigo (sic) de Festa” do disco seja o “Hoje é dia” da gravação do navio. Grupo do Rae Alufa é, na verdade, a forma estropiada da expressão Grupo do Pai Alufá, conjunto do centro religioso afro-brasileiro de Espinguela. Pai Alufá significa pai-de-santo.
Ainda em 1940 Villa-Lobos, tentando reviver os carnavais do passado, fundou um grupo carnavalesco a que chamou Sodade do Cordão, com as mesmas características dos antigos cordões de velhos. O grande colaborador do maestro na seleção dos componentes, na concepção e confecção das fantasias e na variada coreografia a executar foi Espinguela. O Sodade do Cordão saiu no carnaval e fez apresentações em clubes como o Fluminense, com a colaboração de componentes da Mangueira de Espinguela, entre os quais sobressaiam Cartola, Carlos Cachaça e Aluisio Dias. Pouco depois, nos anos finais da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Zé Espinguela, que devia estar se aproximando dos 60 anos, sentiu aproximar-se o fim da existência. Segundo Arthur de Oliveira, ele “reuniu os adeptos do centro religioso e dirigiu-se ao morro da Mangueira para despedir-se do seu reduto preferido. Lá chegaram no princípio da noite. A favela, de luzes apagadas, descansava da trabalheira do dia. Eis que surge o grupo, em cortejo pelos becos e ruelas, cantando um samba que Espinguela compôs especialmente para o momento. Era como um samba-enredo. Desfilavam, dançavam e cantavam, com o ritmo alegre, a melodia triste, e as vozes alvissareiras das pastoras. Os barracos aos poucos se acenderam. Os moradores foram abrindo as janelas e o morro transformou-se num céu no chão, iluminado, silencioso e reverente. A voz de Espinguela dominava o coro: a favela compartilhava da cerimônia do passamento do seu sambista com aquela vivência afro-brasileira da morte, presente nos gurufins e tão diversa do sentimento judaico-cristão das classes dominantes”. O álbum da Columbia, mencionado no verbete, foi reproduzido em 1987 pelo Museu Villa-Lobos no LP: MINC/FNPM.
AMARAL, Euclides. Alguns Aspectos da MPB. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2008. 2ª ed. Esteio Editora, 2010. 3ª ed. EAS Editora, 2014.