
Compositor. Cantor. Violonista. Teatrólogo.
Nasceu na Freguesia de Além do Carmo, Salvador, Bahia. Filho do major do Exército Francisco de Paula Bahia e de D. Tereza de Jesus Maria do Sacramento Bahia. O pai, depois de desligar-se do Exército, recebeu como recompensa aos serviços prestados àquela instituição nas campanhas da Cisplatina e da Independência o cargo de administrador da Fortaleza de Santo Antônio de Além do Carmo.
Era o caçula dos irmãos Soter, Francisco Bento, Horácio e Eulália. Recebeu somente instrução primária. Depois da morte do pai, em 1858, que deixou a família em delicada situação financeira, tentou a carreira de comerciante. Acabou desistindo diante das dificuldades e da falta de talento para o comércio. Passou, então, a dedicar-se à vida artística, sua clara vocação. Luís Edmundo em “O Rio de Janeiro do meu tempo” o descreve: “…o homem que dedilha o instrumento suavíssimo é um mulato de gaforinha densa e bipartida, um fraque de sarja velho, fechado na altura do pescoço preso por um alfinete de fralda…”. Casou-se com a atriz portuguesa Maria Vitorina de Lacerda Bahia, conhecida como Maria Bahia (falecida a 28 de março de 1941, aos 77 anos). Com ela teve quatro filhos: Augusto, Maria, Teresa e Manuela. Em fins de 1893, bastante enfermo, foi, a conselho médico, para a estância hidromineral de Caxambu, sul de Minas Gerais. Lá, o médico baiano Paulo Fonseca deu-lhe toda a assistência. Apesar disso, veio a falecer nesta cidade.
É considerado figura importante para a consolidação da música popular brasileira, já que teve atuação de destaque como ator, compositor e cantor de modinhas e lundus na importante fase do teatro de costumes (grande mercado e vitrine para os músicos, compositores e intérpretes do Brasil, no século XIX). Foi, principalmente, através desse cenário, que a cultura brasileira viu surgir inúmeros sucessos musicais, novos gêneros e grandes intérpretes. É o autor da 1ª música gravada no Brasil: o lundu “Isto é bom”, décadas depois plagiado em vários carnavais, especialmentenos anos 1960 em “O bigorrilho”.
O lundu “Isto é bom” foi gravada pelo cantor Baiano na Odeon de Fred Figner.
Começou desde cedo a demonstrar espontânea (nunca estudou música formalmente) inclinação para a música. Logo revelou-se como amador, cantando e tocando violão, no teatrinho da Rua São José, ainda na Freguesia do Carmo. Aos 17 anos, já compunha suas próprias modinhas e lundus. Depois da morte do pai, em 1858, resolveu profissionalizar-se. Em 1859, entrou para a Companhia Lírica Clemente Mugnai, como corista (possuía bela voz de barítono), apresentando-se no Teatro São João, em Salvador. Transferiu-se para a companhia de teatro de seu cunhado Antônio Araújo (pai dos futuros professores Torquato e Antônio Bahia). Com ele excursionou pelas principais cidades da província baiana. Em 1861, então com 20 anos, fazia enorme sucesso cantando chulas e lundus de sua autoria, acompanhando-se ao violão, em festas organizadas pela Companhia do Comendador Constantino de Amaral Tavares (então diretor do Teatro São João), para quem trabalhou nessa época.
Em 1864, excursionou pelo norte do país, contratado pelo empresário Couto Rocha. Esse contrato durou 10 anos. Durante esse período recebeu ataques da crítica. O sucesso parece ter-lhe subido à cabeça e, por conta disso, às vezes, entrava em cena sem ter sequer lido o papel. Em 1866, no Ceará, recebeu o troco por seu descuido profissional: foi vaiado em cena, comprometendo-se com seu público. Em conseqüência, passou por uma profunda depressão, só recuperando-se com a ajuda do crítico Joaquim Serra, que o aconselhou a estudar sob a direção de Joaquim Augusto. O resultado começou a aparecer no Maranhão, de onde partiu depois de grande sucesso. Voltou ao Ceará, onde também deixou ótima impressão depois de apresentar-se. Retornou consagrado à Bahia, em 1873. Ingressou na Companhia de Mágicas de Lopes Cardoso. Participou da montagem da comédia “Duas páginas de um livro”, que fazia clara propaganda republicana e abolicionista.
Em 1875, chegou ao Rio de Janeiro. Apresentou-se no Teatro Ginásio, na Companhia de Vicente Pinto de Oliveira, ao lado de Clélia Araújo. Passou a ser requisitado em várias comédias, alcançando grande sucesso na Corte. Data dessa época o início da rivalidade entre ele e Laurindo Rabelo, o “Lagartixa” (outro grande autor de lundus maliciosos e satíricos como os seus). Segundo Afonso Rui, em “Boêmios e seresteiros baianos do passado”, “desse embate surgiu, verdadeiramente corrosivo para o teatro, o uso e abuso dos gestos e frases dúbias de novos lundus e cançonetas que descambou para a licenciosidade”. Interpretava, com muito sucesso esses lundus jocosos para o público dos teatros. Nos salões aristocráticos de Botafogo, no entanto, interpretava composições elegantes, escritas especialmente pelo Visconde de Porto Alegre. Ainda em 1875, trabalhou na peça “Uma véspera de Reis”, de Artur Azevedo. O teatrólogo conseguira o consentimento de Rui Barbosa, na época diretor do Conservatório Dramático de Salvador, para montá-la. Azevedo ficou tão entusiasmado com a sua interpretação autoral, dada ao tabaréu Bermudes, que quis oferecer-lhe a co-autoria da peça, coisa que ele recusou. O fato pode ser comprovado em artigo do próprio Artur Azevedo, publicado no “O País”, de 7 de novembro de 1894.
Em 1878, excursionou novamente ao norte do país, inaugurando o Teatro da Paz, em Belém do Pará, com a peça “As duas órfãs”. Um ano depois, voltou à Bahia, trabalhando pela última vez com Pontes de Oliveira. Logo depois, seguiu para o Rio de Janeiro. Chegando à Corte, ingressou no grupo de Furtado Coelho. Em seguida, encabeçou o elenco do empresário Jacinto Heller. Em 1880, o Imperador D. Pedro II foi assistir ao especáculo “Os perigos do coronel”, uma comemoração à Batalha do Riachuelo. Em carta à Condessa de Barral o Imperador conta: “Gostei de um cômico chamado Xisto Bahia, – creio que é baiano- numa espécie de imitação “Les Jurons de Cadrac”…”declamou com muito talento a descrição da Batalha de Riachuelo”.
Atuou em teatros do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, sempre com muito sucesso. Apesar da fama, continuou pobre. Foi aos poucos se desiludindo com o teatro e a vida artística. Dirigiu, em 1887, o Teatro Lucinda, no Rio de Janeiro. Neste teatro montou cerca de cinco revistas e mágicas. Em 1891, afastou-se do teatro desiludido, como podemos observar na resposta ao amigo Antônio Espiuca, que lhe escrevera pedindo conselhos sobre seu regresso ao teatro, depois de tê-lo trocado pelo curso de doutor: …”Tu nunca depravaste a arte, tu, nunca deste cambalhotas, tu nunca concorreste para a desmoralização dos teus colegas; ao contrário, foste vítima, como eu, dos “gaviões”, das rapinas daqui. Queres voltar? Queres comer novo pão, ainda mais amargo e duro do que o que já comeste? Sentes-te com ânimo? Ah! Não venhas, eu to peço…”.
Ainda em 1891, obteve do então Presidente do Estado do Rio de Janeiro, Francisco Portela, um lugar de amanuense na Penitenciária de Niterói. Em 1892, Portela é demitido, e com isso, perdeu o posto e foi obrigado a voltar à cena. Sua última apresentação foi a mágica “O filho do averno”, com a Companhia Garrido, no Teatro Apolo. O sucesso alcançado pela peça fez Artur Azevedo escrever um perfil do artista, publicado no semanário “Álbum”. Recebeu convite do empresário português Sousa Bastos para temporada no Teatro das Novidades, em Lisboa. A Revolta da Armada impediu que viajasse para Portugal. A crise político-econômica provocou o fechamento de muitos teatros no país.
Em 1893, já doente, abandonou definitivamente o teatro e partiu para Caxambu, onde viveu seus últimos dias. Legou à música popular brasileira verdadeiros clássicos. Sua produção, embora pequena (muitas devem ter sido perdidas), é de excelente qualidade. É dele a autoria da primeira música gravada no Brasil pela Casa Edison de Fred Figner, em 1902: o lundu “Isto é bom”, com interpretação de Baiano (Zon-o-phone 10001). A modinha “Quis debalde varrer-te da memória”, que interpretava magistralmente segundo seus contemporâneos, é citada por todos os estudiosos de nossa música popular, como um dos maiores sucessos da época da implantação e consolidação da MPB nas décadas finais do século XIX.
Em 1977, a Companhia Internacional de Seguros lançou o álbum duplo “A modinha”, na série Cantares brasileiros no qual aparecem de sua autoria, as modinhas “Isto é bom” e “A mulata”, este em parceria com Melo Morais Filho, interpretadas por Nara Leão.
ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular Brasileira – Criação e Supervisão Geral Ricardo Cravo Albin. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural Cravo Albin e Editora Paracatu, 2006.
AMARAL, Euclides. Alguns Aspectos da MPB. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2008. 2ª ed. Esteio Editora, 2010. 3ª ed. EAS Editora, 2014.
COSTA, Cecília. Ricardo Cravo Albin: Uma vida em imagem e som. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2018.
MARCONDES, Marcos Antônio. (ED). Enciclopédia da Música popular brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed. São Paulo: Art Editora/Publifolha, 1999.