Compositor. Maestro. Violoncelista.
Filho de Raul Villa-Lobos, músico amador e autor de livros didáticos, e Noêmia Umbelina Santos Monteiro. Nasceu numa casa na rua Ipiranga, em Laranjeiras, no Rio de Janeiro e teve sete irmãos. Seu avô materno foi boêmio e gostava de frequentar festas na companhia de músicos populares. Segundo C. Paula Barros, o avô (Santos Monteiro) chegou a compor uma quadrilha, intitulada “Quadrilha das Moças”. Na infância, Villa-Lobos era tratado pelo apelido de Tuhu. No ano da morte de seu pai, em 1899, escreve, aos 12 anos, a cançoneta “Os sedutores”. Aos 16 anos, morando então com uma tia, começa a travar contato com os chorões, como se chamavam os músicos que tocavam choro (ou chorinho). Tornou-se companheiro de Eduardo das Neves, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros e Catulo da Paixão Cearense. O interesse pelo choro faria com que desenvolvesse uma significativa parte de sua obra valorizando o violão. Em 1905, faz sua primeira viagem ao Nordeste e recolhe canções folclóricas. Torna-se aluno, no Rio de Janeiro, de Francisco Braga, Frederico Nascimento e Agnello França. Em 1910 é contratado como violoncelista de uma companhia de operetas e começa a compor mais intensamente. Três anos depois casa-se com a pianista Lucilia Guimarães. Em 1915, acontece a primeira audição pública de suas obras, em Friburgo, no Estado do Rio de Janeiro. Em 1922, participa, no Teatro Municipal de São Paulo, da Semana de Arte Moderna, ao lado dos modernistas Mário e Oswald de Andrade. Em 1936, separa-se de Lucília para casar-se com Arminda Neves de Almeida, a Mindinha, com quem viveria até a morte, após uma carreira de sucesso no Brasil e no exterior. Dois anos antes de seu falecimento em decorrência de um tumor maligno, seus 70 anos de idade foram saudados num editorial no The New York Times. É geralmente considerado o maior compositor do Brasil, do ponto de vista internacional.
Em sua mocidade pertenceu a um grupo de chorões, seresteiros de escol. Segundo o crítico Vasco Mariz, seu quartel general era “O cavaquinho de ouro”, loja de música na atual Rua da Carioca, onde os chorões recebiam convites de toda a espécie para tocarem nos lugares mais diversos. Faziam parte do grupo, cujo chefe era Quincas Laranjeira, os seguintes chorões: Luís de Souza e Luís Gonzaga da Hora (pistão-baixo), Anacleto de Medeiros (saxofone), Macário e Irineu de Almeida (oficleide), Zé do Cavaquinho (cavaquinho), Juca Kalú, Spíndola e Felisberto Marques (flauta). O repertório abrangia peças de Calado, Nazareth, Luís de Souza e Viriato. Tirou os chorões do ambiente para criar uma atmosfera nova na música clássica. Naquele meio, formou uma faceta de sua personalidade, aproveitando o que havia de original. Entre os chorões, ele era o violão clássico e chegou mesmo a influenciá-los, tanto que, por sua sugestão, Ernesto Nazareth escreveu batuques, fantasias e estudos.
Reminiscências dessa época são encontradas em várias peças da série dos “Choros” e na fuga da “Bachiana Brasileira nº 1”, composta à maneira da música de Sátiro Bilhar. No livro “O Choro”, publicado em 1936, Alexandre Gonçalves Pinto diz: “Conheci Villa-Lobos quando ele era um exímio chorão. Tocando em seu violão o que é muito nosso com perfeição e gosto de um exímio artista, em companhia do grande cantor e poeta Catulo, de quem ele é dedicado amigo”. O seu permanente interesse pela música popular está claramente evidenciado no livro de Jota Efegê “Figuras e coisas do carnaval carioca” (MEC Funarte, Rio de Janeiro, 1982) onde o autor descreve, de modo muito pitoresco, o desfile do cordão “Sodade do cordão”, organizado pelo próprio maestro. Considerando o canto orfeônico um caminho adequado para a educação musical, é nomeado, na década de 1930, superintendente de Educação Musical e Artística pelo presidente da República, Getúlio Vargas. Em 1940, durante o Estado Novo, regeu no estádio do Vasco da Gama a concentração orfeônica que reuniu 40 mil escolares. No ano seguinte, no mesmo local, regeu a apresentação do cantor Sílvio Caldas, acompanhado por um coro de 30 mil vozes na interpretação de “O Gondoleiro do amor”, de Castro Alves. Dentre sua numerosa obra de mais de 1000 peças de todos os gêneros, aproveitou com freqüência temas, ritmos e células de motivos populares urbanos, sobretudo da região do Rio de Janeiro, onde nasceu e passou a juventude. O crítico e seu biógrafo Vasco Mariz afirma que a série dos “Choros”, 14 peças escritas ao longo dos anos 1920, representa sua contribuição mais importante para a música moderna, destacando o caráter suburbano do Rio de Janeiro, com seu lirismo irônico extravasado em surdinas e lissandos. O “Choro nº 2” reflete diretamente os ambientes do Rio do início do século XX, enquanto o “Choro nº 4” é talvez o mais característico sob o ponto de vista da forma. No “Choro nº 5”, sub-titulado “Alma Brasileira”, introduziram-se combinações rítmicas curiosas que identificam o estilo dos seresteiros. Já o “Choro nº 6”, para orquestra, tem muito maior envergadura e, no entender de José Maria Neves, representa “uma viagem através da alma de seu povo”. A Orquestra Sinfônica Mundial, com Lorin Mazel, gravou esta obra e o disco vendeu mais de 1 milhão de exemplares no exterior. O “Choro nº 8”, o choro da dança, é o choro do Carnaval nos seus múltiplos aspectos e heranças. O “Choro nº 10” tem como tema central o schottisch “Yara”, de Anacleto de Medeiros, que com letra de Catulo da Paixão Cearense passou a ser conhecido com o nome de “Rasga Coração”. O jornalista e crítico Luiz Paulo Horta lembra que esse é considerado o choro mais famoso da série e que a variedade de pássaros existente no Brasil serviu para alguns motivos do “Choro nº 10” (“Villa-Lobos, uma introdução”, Jorge Zahar Editor, 1987).Também algumas de suas “Bachianas Brasileiras” representam a justaposição de certos ambientes harmônicos e contrapontísticos do estilo de Bach ao lado de algumas regiões do Brasil, sobretudo da música dos chorões cariocas. Vasco Mariz ressalta a notável série das 16 Cirandas e algumas peças do Guia Prático como “A maré encheu” e “Na corda da viola”. Na música de câmara destacam-se o “Cinco – Quarteto de Cordas”, de um lirismo seresteiro, o belo “Quatuor”, para conjunto de câmara e coro feminino, que o próprio autor classificava como “impressões da vida mundana carioca”, e a “Suíte Popular Brasileira”, para violão solo, de 1912. Merece ainda destaque a famosa série de canções, as “14 Serestas”, de 1926, e o “Samba clássico”, de 1950, para canto e orquestra. Entre suas obras mais conhecidas pelo grande público está “O trenzinho do caipira”, último movimento da “Bachianas brasileiras nº 2”, composta em 1930, e que recebeu letra do poeta Ferreira Gullar, em 1975, como parte de seu famoso “Poema Sujo”. Essa canção foi primeiramente gravada com letra por Edu Lobo, no final da década de 1970. A cantilena da “Bachianas nº 5” é talvez a sua música mais conhecida e executada, principalmente depois do sucesso do filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, escrito e dirigido por Glauber Rocha em 1964. A seqüência em que os personagens vividos pelos atores Othon Bastos e Yoná Magalhães beijam-se em pleno sertão, ao som da cantilena regida pelo próprio maestro, na gravação da Orchestre National de la Radiodiffusion Française, com solo vocal do soprano Victoria de Los Angeles e acompanhamento de oito violoncelos, tornou-se um dos marcos do Cinema Novo. A “Bachianas brasileiras nº 5”, cujo segundo movimento recebeu letra do poeta Manuel Bandeira, mereceu as mais diversas interpretações de músicos eruditos e populares e foi incluída pelo intrumentista e compositor Egberto Gismonti no seu disco inteiramente dedicado a uma releitura da obra de Villa-Lobos, “Trem Caipira”, lançado em meados da década de 1980. Extraída da obra “Floresta Amazônica”, a canção “Melodia sentimental” foi gravada também na década de 1980 por Ney Matogrosso e Olívia Byington. A canção “Modinha”, com letra de Manuel Bandeira, foi incluída por Antônio Carlos Jobim em disco gravado na década de 1980, com interpretação vocal de Danilo Caymmi. Foi um dos compositores mais admirados e citados por Tom Jobim, e um exemplo dessa influência é a música “Saudade do Brasil”, composta e gravada por Tom Jobim em 1976, no disco “Urubu”. Em 1980, Milton Nascimento gravou no LP “Sentinela” a faixa “Caicó”, uma adaptação da compositora Teca Calazans para o terceiro movimento (Cantiga) da “Bachiana brasileira nº 4”. Os músicos Turíbio Santos, João Carlos Assis Brasil e Wagner Tiso estão entre os que mais recentemente têm revisitado sua obra.
Em 1985, foi homenageado pelo músico Egberto Gismonti que gravou o LP “Trem caipira”, apenas com obras composas pelo maestro: “O Trenzinho do Caipira”, ” Dansa”, ” Bachianas Brasileiras Nº 5″, ” Desejo”, ” Cantiga”, ” Canção do Carreiro”, com Ribeiro Couto, ” Prelúdio”, e a adaptação do tema tradicoional ” Pobre Cega (Toada da Rede)”.
No ano 2000, o cineasta Zelito Vianna levou às telas o filme “Villa-Lobos”, interpretado na juventude pelo ator Marcos Palmeira e na maturidade pelo ator Antônio Fagundes. As atrizes Ana Beatriz Nogueira e Letícia Spiller interpretam respectivamente as duas mulheres com quem o compositor casou-se: Lucilia e Mindinha. Desde 1960, seu acervo é resguardado pelo Museu Villa-Lobos, criado por determinação do presidente Juscelino Kubisthceky e que teve a viúva do compositor (Mindinha) como idealizadora e diretora até 1985. O museu se encontra atualmente num casarão do século XIX tombado pelo Patrimônio Histórico, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. O endereço do Museu Villa-Lobos na internet é: http://www.museuvilla-lobos.org.br. O livro biográfico de Vasco Mariz, intitulado “Villa-Lobos, compositor brasileiro”, já teve onze edições das quais duas em inglês, uma em francês, uma em russo, uma em espanhol e e uma em italiano. Já mereceu em torno de 70 livros dedicados a sua obra, tanto no Brasil, quanto no exterior. Em 2007, foi gravado no Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro, o DVD “Quadros de uma alma brasileira”, no qual são interpretados seus choros de câmara, além do “Sexteto místico” e do “Noneto”, pela Companhia Bachiana Brasileira com direção de Ricardo Rocha. Nesse ano, o dia 5 de março, data de seu nascimento, foi escolhido pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro como o “Dia Estadual da Música Clássica”. Em 2009, por ocasião do cinqüentenário de sua morte suas partituras originais começaram a ser digitalizadas, assim como todo seu acervo reunido em 220 caixas guardadas no Museu Villa-Lobos, para em seguida serem disponibilizadas ao público. Também como parte das homenagens ao cinqüentenário de sua morte foi aberta em outubro uma grande exposição no Arquivo Nacional com fotos raras, documentos e vídeos históricos do compositor bem como a gravação de todas as suas sinfonias pela Orquestra Petrobras Sinfônica com o posterior lançamento de CD. Também foi planejado para a Sala Cecília Meireles o ciclo “Paris de Villa-Lobos” com concertos sinfônicos e de câmara com obras que ele ouviu e fez ouvir quando morou em Paris na década de 1920. A exposição “Viva Villa”, no Arquivo Nacional foi dividida em três partes. A primeira perfaz um passeio do século XIX até a primeira metade do século XX e tem como destaque uma reprodução em escala real da sala de sua casa. A segunda parte é a reprodução de um trem, que seria o “Trenzinho do caipira” e que dividido em cinco vagões, “sertão”, “Paris”, “Os anos 1930/1940”, a “Amazônia” e “As Américas” levou o visitante a percorrer os caminhos que levaram o compositor a ser reconhecido como “O compositor das Américas”. Finalmente, a terceira parte é dedicada às crianças mostrando suas adaptações para melodias infantis e seu projeto de canto orfeônico nas escolas. Foram ainda projetados filmes como “O descobrimento do Brasil”, de Humberto Mauro, para o qual compôs quatro suítes, e “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade, além de concertos de solistas e de orquestras no pátio central do Arquivo Nacional. No dia 17 de novembro, data do cinqüentenário de sua morte foi tema de diversas reportagens em diferentes canais de televisão. Ao final do ano de 2009, o Ministério das Relaçoes Exteriores distribuiu em todas as embaixadas do Brasil no exterior um CD produzido especialmente por Ricardo Cravo Albin, misturando grandes intérpretes populares e eruditos. Ainda nesse ano, foi homenageada pela Academia Brasileira de Letras no projeto “MPB na ABL” apresentado no Teatro R. Magalhães Jr., daquela entidade, com o show “Villa-Lobos e seus contemporâneos” apresentado por Turíbio Santos. Em 2010, foi lançado pela Academia Brasileira de Música o livro “Heitor Villa-Lobos e o violão”, de Humberto Amorim, abordando toda a obra violonística do compositor. Em 2012, completaram-se 50 anos re realizção do Festival Villa-Lobos com intensa programação musical em sua homenagem. Foram realizados eventos gratuitos no Museu Villa-Lobos, no Teatro Municipal, no Espaço Tom Jobim, na Escola de Música da Rocinha, na Escola de Música da UFRJ e no Centro Cultural Carioca. Em 2015, foi lançado pelo escritor o regente e compositor Guilherme Bernstein, de volta ao Brasil, após 4 anos na Europa, o livro “Sobre Poética e Forma em Villa-Lobos: Primitivismo e Estrutura nos Choros Orquestrais”, pela Editora Prisma. Segundo o autor, “este livro propõe uma viagem dupla. De início, nos dirigimos à Europa e à efervescência cultural de princípios do século XX. Daí vem o Primitivismo nas Artes e na Música e aí encontraremos a centelha estética e os processos composicionais que fizeram Villa-Lobos se descobrir como criador de uma arte nacional. Depois, nos voltamos às obras em si, aos Choros orquestrais, em toda sua fascinante complexidade. Deste mergulho duplo sairemos com mais ferramentas para racionalizar a irracionalidade villa-lobiana, interpretar o gesto intuitivo e fazer sentido de seu universo criativo – um universo de sentido tão particular e original quanto sua inspiração, o Brasil visto pelos olhos do artista”. Ainda em 2015, estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, sua ópera infantil “A menina das nuvens”, que estreara no mesmo local em 1960 e que nunca mais havia sido reencenada. A montagem foi concebida em Belo Horizonte em 2009 e reprisada dois anos depois em São Paulo. Em 2019, por ocasião dos 60 anos de seu falecimento, foi anunciado pelo Museu Villa-Lobos a fase final de digitalização de seu acervo e a disponibilização da coleção de 1800 fotografias digitalizadas. Ainda por conta das comemorações foi exibido no canal Film & Arts o documentário “Villa-Lobos: de Bach ao Brasil”, de Carlos Andrade. Foi ainda anunciada que o escritor Rodrigo Alzuguir está escrevendo uma nova biografia sobre o compositor para preencher as lacunas existentes sobre a vida do maestro.
“Villa-Lobos, sua obra”, MEC/DAC/Museu Villa-Lobos, Rio de Janeiro, 1971.
“Villa-Lobos, uma introdução”, Luiz Paulo Horta, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1987.
ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular Brasileira – Criação e Supervisão Geral Ricardo Cravo Albin. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural Cravo Albin e Editora Paracatu, 2006.
AMARAL, Euclides. Alguns Aspectos da MPB. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2008. 2ª ed. Esteio Editora, 2010. 3ª ed. EAS Editora, 2014.
AMARAL, Euclides. O Guitarrista Victor Biglione & a MPB. Rio de Janeiro: Edições Baleia Azul, 2009. 2ª ed. Esteio Editora, 2011. 3ª ed. EAS Editora, 2014.
COSTA, Cecília. Ricardo Cravo Albin: Uma vida em imagem e som. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2018.
Heitor Villa-Lobos, compositor brasileiro. Vasco Mariz. Ed. Itatiaia, Belo Horizonte, 1989.