Compositor. Pianista. Violonista. Cavaquinhista. Flautista. Nasceu na casa de nº 90 da Rua Riachuelo, Centro do Rio de Janeiro. Filho do pintor e decorador de paredes de botequins e de clubes dançantes, Ernesto Barbosa da Silva, conhecido pelo apelido de Tené, e de Graciliana Silva. Teve um irmão, Ernesto, apelidado de Caboclo. Além do irmão de sangue, seu pai adotou outro, Francisco. Deve ter vivido até o fim do século XIX na mesma casa. Morou, ainda, na Rua Senador Pompeu nº 114, onde brincava com outros futuros sambistas, como João da Baiana e Caninha. Apaixonou-se aos 17 anos, pela portuguesa Henriqueta Ferreira, que, apesar de já estar casada, resolveu ir viver com ele. Com ela teve três filhos, Durval, Odalis e Ida. Henriqueta faleceu em 1914, deixando-o viúvo com apenas 26 anos.
Teve muitos outros amores, entre eles, Cecília (grande incentivadora de sua carreira e pianista da Casa Beethoven) e Carmen (uma “mercadora do amor”, nas palavras de Edigar de Alencar). A última companheira chamava-se Nair Moreira (de apelido “Francesa”). Com ela viveu muito feliz por 10 anos. Chegou a ter um emprego como estafeta nos Correios e Telégrafos, mas por pouco tempo, já que de vez em quando, ao invés de entregar as correspondências, ia para as rodas de samba. Depois da morte do compositor, conta-se que, num momento de desespero (talvez por dificuldades financeiras), Nair rifou o violão de madrepérola do marido, estimado presente da Viúva Guerreiro, e queimou todo o seu arquivo com músicas velhas, composições inéditas, fotos e etc.
Tinha fama de ser um homem elegante (vestia-se com esmero), vaidoso, sentimental, conquistador, brigão e boêmio. Fazia questão de dizer que era caboclo, demonstrando uma preocupação em negar sua condição de mulato. Na época em que ficou tuberculoso, decidiu ir morar na Ilha do Governador, na Rua Pio Dutra 44. No dia 4 de agosto de 1930, pegou a Barca Sétima, na Ilha, com destino ao Rio. Antes de atracar no Cais Pharoux, na Praça XV, faleceu de uma hemoptise, aos 35 anos. Seu corpo foi removido e levado para o Hospital Hahnemanniano, no Estácio. Toda a imprensa carioca registrou, no dia seguinte e com comoção, a morte do “Rei do Samba”. Augusto Vasseur prontificou-se a abrir uma subscrição para que o amigo tivesse um enterro decente. Foram arrecadados quase três contos de réis, com os quais se pagou o enterro. O restante do dinheiro foi dado à viúva Nair. Segundo Manuel Bandeira, que escreveu crônica, o velório e o cortejo até o Cemitério São Francisco Xavier reuniu amigos e admiradores do compositor: malandros, macumbeiros, soldados, prostitutas, seresteiros e chorões do Catumbi e da Cidade Nova, baianas vendedoras de doces, artistas de teatro e músicos.
Manuel Bandeira, em “Crônicas da província do Brasil”, assim escreveu: “…o que há de mais povo e de mais carioca tinha em Sinhô a sua personificação mais típica, mais genuína e mais profunda”. Foi o compositor mais popular da segunda década do século XX. Seu nome está profundamente ligado ao nascimento do gênero samba, no Rio de Janeiro daqueles anos, do qual foi um dos pioneiros e importante fixador. Sua contribuição para a música carnavalesca é, segundo seu biógrafo Edigar Alencar, “magnífica”. Além disso, foi importante figura na história do teatro musicado do Rio de Janeiro, sendo pioneiro ao compor sambas para várias “revistas”, gênero de teatro muito popular no Brasil desde o século XVIII. Grande cronista da vida urbana e política da capital do país, teve o mérito de estabelecer a ponte entre a cultura popular e as classes média e alta da sociedade carioca. Começou a tocar flauta ainda muito pequeno, incentivado pelo pai, um admirador inveterado de Patápio Silva, Calado e Viriato. Foi no piano do avô, entretanto, que o menino revelou seu talento. Contrariando o desejo de seu pai, nunca chegou a dominar a flauta, mas sim o piano (que o projetou) e o violão. Tocava também o cavaquinho, cantava e, embora a voz não fosse muito grande, tinha muito ritmo. Era um autodidata. Nunca dominou a leitura e escrita musicais, o que não impediu que ele se tornasse um grande pianista, elogiado até mesmo por Augusto Vasseur (professor de renome no Rio de Janeiro daquele tempo e seu amigo), que o considerava um pianista “interessantíssimo”, pela maneira pessoal de criar levadas rítmicas incomuns. Era um “pianeiro”, nas palavras dos pianistas “eruditos” da época. Assim eles chamavam os que tocavam “de ouvido”. Um dos episódios mais anedóticos da vida do compositor foi divulgado por Almirante: Sinhô estava tocando numa festa na casa de uma distinta família em Botafogo, quando uma mocinha entusiasmada com sua performance mostrou-lhe uma partitura e pediu que ele a executasse, pois gostaria de cantá-la. Sinhô ficou pálido, pois não sabia ler a partitura. Viu o título da música (“Élégie”, de Massenet), pôs na estante como se fosse tocá-la e disse: “Sinto muito, senhorita, mas não posso executar essa música. Não me dou com esse autor”. Começou a carreira tocando em sociedades dançantes e clubes carnavalescos da Cidade Nova, no Rio de Janeiro. Participou da histórica serenata organizada por Eduardo das Neves no dia 7 de setembro de 1903, em homenagem a Santos Dumont, que regressara triunfalmente ao Brasil.
Em 1910, já era conhecido como pianista profissional. Tocou nos bailes de muitas agremiações musicais dançantes e carnavalescas da época: Dragão Clube Universal; Grupo Dançante Carnavalesco Tome a Bença Vovó; Rancho Ameno Resedá (que ajudou a fundar em 1907); Fidalgos da Cidade (onde tocava com um grupo de choro que tinha Pixinguinha na flauta); Sociedade Dançante Carnavalesca Kananga do Japão (que o pai ajudou a fundar e que tinha o estandarte pintado por ele). No Ameno Resedá foi diretor de harmonia. Além de participar dos cortejos carnavalescos, Colaborou nas noites e tardes dançantes realizadas na “Jarra”, como era conhecida a sede do Rancho (que era na Rua do Catete 206 e depois mudou-se para a Rua Correia Dutra 131, também no Catete). No “Kananga”, foi diretor geral do grupo “As Sabinas da Kananga”, importante ala da agremiação. Freqüentava as reuniões da casa da Tia Ciata (situada na Rua Visconde de Itaúna), onde os primeiros sambistas se encontravam periodicamente. Numa dessas rodas é que foi composto “Pelo telefone”, primeiro samba gravado em 1917, como sendo de autoria de Donga. Depois do lançamento, foi um dos vários sambistas que reclamou a co-autoria do samba, alegando que a música surgiu de um improviso coletivo feito numa das reuniões da casa de Tia Ciata. Aliás, em meio à polêmica, participou com João da Mata, Germano, Mauro, Hilário, Tia Ciata, da versão dos reclamantes endereçada a Donga: “Tomara que tu apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Escrever o que é dos outros/ Sem olhar o compromisso”. Logo depois se afastou do grupo de Tia Ciata e, segundo palavras de Edigar Alencar, “toma gosto pela composição e pelas brigas”.
Em 1918, teve sua primeira composição gravada e editada, o samba “Quem são eles?”, interpretado por Bahiano na Odeon. Segundo Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, “o samba era dedicado a um bloco homônimo, ligado ao Clube dos Fenianos. Como os ânimos no meio musical continuassem agitados com a polêmica de “Pelo telefone”, o título “Quem são eles” acabou sendo tomado como provocação por seus adversários, causando nova polêmica”. Os adversários eram, no caso, todos os compositores baianos ou filhos de baianos, ou seja: Donga, Pixinguinha, China, Hilário, entre outros freqüentadores da casa de Tia Ciata, também baiana. O samba tinha nos versos iniciais “A Bahia é boa terra/ Ela lá e eu aqui, Iaiá…”. Isso provocou a revolta dos “baianos” que passaram a rivalizar com o compositor por meio de “sambas resposta”.
Organizou um grupo que tinha flauta, trombone, violão, cavaquinho, ganzá, pandeiro e reco-reco e deu-lhe o nome de Quem São Eles?. Com o conjunto, passou a desafiar os sambistas rivais. Esse momento da história da nossa música popular foi marcado pela divergência entre os compositores que continuariam presos a suas raízes folclóricas e aqueles que se urbanizavam definitivamente, a caminho da profissionalização. Na verdade, a música brasileira lucrou muito com isso, pois muitos sambas surgiram dessa rivalidade entre Sinhô e os “baianos”: “Fica calmo que aparece” (Donga); “Não és tão falado assim” (Hilário Jovino Ferreira); “Já te digo” (Pixinguinha e China), em que os compositores traçavam um perfil nada agradável de Sinhô (“alto, magro e feio”). Replicou a crítica com “Três macacos no beco”, numa referência a Pixinguinha, Donga e China. Em 1919, seu samba “Quem são eles?”, foi apresentado na revista “A Bahia é terra boa”, de Cãndido de Castro e Luís Rocha, apresentada no Teatro República. No mesmo ano, o samba “Confessa, meu bem”, foi cantado na revista “É de Ban-Ban-Ban, de Rego Barros e Carlos Bitencourt, apresentada também no Teatro República.
No carnaval de 1920, obteve grande sucesso com as marchinhas “Fala, meu louro”, uma sátira a Rui Brarbosa, e “O pé de anjo”, inspirada na valsa francesa Genny e cuja letra criticava os avantajados pés de China. Ambas foram gravadas pelo estreante em discos Francisco Alves, em 1919 no selo Popular. “O pé de anjo” inspirou Cardoso de Menezes e Carlos Bittencourt, que, aproveitando o sucesso da marchinha, estrearam uma peça de mesmo nome, em 1920, no Teatro São José. Foi então que o compositor projetou seu nome no teatro musicado do Rio de Janeiro. Passou então a atingir uma nova faixa de público, a classe média, ultrapassando a fama alcançada junto às camadas populares dos clubes carnavalescos e das festas da Penha, maior acontecimento popular do Rio depois do carnaval. No mesmo ano, seu samba “Papagaio louro” deu nome a uma revista dos Irmãos Quintilhiano apresentada no Teatro São José. Também no mesmo ano, estreou oficialmente como músico de revistas em “Quem é bom já nasce feito”, de Cardoso de Menezes e Carlos Bittencourt, levada à cena no teatro São José.
Seu interesse pela sátira política chegou a lhe trazer aborrecimentos, como no caso da marcha “Fala baixo”, lançada em 1921 na Festa da Penha. A marcha era uma crítica à censura imposta pelo governo Artur Bernardes, apelidado de Rolinha por alguns jornais cariocas. Os versos “Quero te ouvir cantar/ Vem cá, rolinha, vem cá/ Vem para nos salvar” o obrigaram a esconder-se da perseguição policial, por um tempo, na casa de sua mãe, no subúrbio carioca de Engenho de Dentro. No Catumbi, o compositor tinha um coreto com piano, erguido especialmente para ele tocar no carnaval. No mesmo ano a Banda Grupo dos Africanos gravou, também no selo Popular, os sambas “Alivia estes olhos” e “Canção roceira”. Ainda em 1921, musicou a revista “Vou me benzê”, de J. Miranda. Também nesse período, seu samba “Não posso me amofinar”, grande sucesso no carnaval do ano seguinte, foi lançado na revista do mesmo nome, de Henrique Júnior, apresentada no teatro Recreio.
Em 1922, teve músicas incluídas nas revistas “Sai da raia”; “Custe o que custar”; “Pé de pilão” e “Meu bem não chora”. Em 1923, Bahiano gravou os sambas carnavalescos “Pegue na cartilha” e “Cabeça inchada”; o samba “Macumba Gegê”e a marcha “Vida apertada”, todas na Odeon. Em 1925, o cantor Fernando gravou os maxixe “Dor de cabeça” e “Caneca de couro”. No mesmo ano, a Jazz Band Sul-Americano, de Romeu Silva gravou a marcha-carnavalesca “Não sou bau”. Em 1926, o cantor Pedro Celestino, irmão de Vicente Celestino gravou a marcha “Ó Rosa” e o samba “Quem fala de mim tem paixão”, e Artur Castro o samba “Papagaio no poleiro”. No mesmo ano, a American Jazz Band Sílvio de Souza gravou o maxixe “Viva a Penha” e Albertino Rodrigues a canção “Saudade da choça”. Também no mesmo ano, fez sucesso nas revistas “Café com leite”, de Freire Júnior com músicas suas apresentada no Teatro São José e “Quem fala de nós…”, de Correia da Silva e M. M. Pinho, na qual fez parceria nas músicas com o maestro Freitinhas.
Em 1927, passou a tocar na Casa Carlos Wehrs. No mesmo ano compôs “Ora vejam só” e “A Favela vai abaixo” que, segundo Edigar de Alencar, foi composto para criticar o plano do Prefeito Prado Júnior de derrubar o Morro da Favela, no centro do Rio. “Estabeleceu-se o pânico entre os moradores do morro”. Luís Peixoto, que foi seu amigo dileto, lembra que segundo versão corrente, talvez espalhada pelo próprio sambista, este vendo cada vez mais forte a ameaça da derrubada do morro, resolveu ele mesmo se fazer intérprete dos moradores e valendo-se do seu prestígio popular foi à presença de um Ministro de Estado a quem pediu para interceder junto ao Prefeito, no sentido de não efetivar a demolição. O ministro, gracejando com o compositor, pediu-lhe para formular o pedido em samba. O compositor aproveitou imediatamente a deixa e cantou baixinho “A favela vai abaixo”. O ministro sorridente e algo emocionado prometeu interferir. E quem sabe se não o fêz? Porque o morro ficou lá”. Ainda em 1927, na Noite Luso-brasileira, realizada no Teatro da República, foi coroado “Rei do Samba”. Apesar do título, foi acusado várias vezes de plagiar sambas alheios. Heitor dos Prazeres ameaçou o compositor de processá-lo, reivindicando a autoria parcial de “Ora vejam só” e de “Gosto que me enrosco”. Como “troco”, Heitor compôs “Olha ele, cuidado” e de “Rei dos meus sambas”, que Sinhô tentou impedir que fossem gravados. Um tempo depois Heitor conseguiria obter a indenização de 38 mil réis, pagos em prestações, por “Gosto que me enrosco”. Tais disputas não abalaram seu prestígio e na época justificou seus “métodos de compor” com a famosa frase: “Samba é como passarinho, é de quem pegar…”. Também em 1927, Francisco Alves gravou com grande sucesso o maxixe “Cassino maxixe” e o samba “Ora vejam só”. Ainda no mesmo ano, o samba “Não quero saber mais dela” foi lançado na revista “Paulista de Macaé”, de Luís Peixoto e Marques Porto. Este samba foi gravado com grande sucesso na forma de canção dialogada por Francisco Alves e Rosa Negra, atriz do teatro de revistas. Nesse ano teve composições em mais cinco revistas.
Fez amizades influentes, a partir dos encontros com intelectuais na casa do escritor Álvaro Moreira. Isso não impediu que continuasse freqüentando o terreiro de macumba do negro Assumano (Henrique Assumano Mina do Brasil – Príncipe dos Alufás – pai espiritual a quem submetia suas produções antes de levá-las ao editor). Em 1928, conheceu Mário Reis, seu intérprete preferido, de quem tornou-se professor de violão. Foi ele que levou Mário Reis para a Odeon, onde este gravou seu primeiro disco, com composições suas: “De que vale a nota sem o carinho da mulher” e “Carinhos de vovó”. No mesmo ano, teve músicas incluídas em onze revistas musicais, com destaque para “Língua de sogra”, de Freire Júnior, na qual foram lançadas suas músicas para o carnaval daquele ano, e “Microlândia”, revista de Luís Peixoto, Marques Porto e Afonso de Carvalho na qual foi lançada por Aracy Cortes o seu maior sucesso, o samba “Jura”. Também no mesmo ano, Mário Reis gravou a canção “Sabiá”, e o samba “Deus nos livre do castigo das mulheres”; Francisco Alves o samba “Amar a uma só mulher”, e a canção “Sonho de gaúcho”, e Gastão Formenti a canção “Bem te vi”.
Em 1929, com a interpretação de Mário Reis, alcançou o auge de sua popularidade com os sambas “Jura” e “Gosto que me enrosco” gravados na Odeon. Quase simultaneamente, a cantora Aracy Cortes registrou também o “Jura”, seu derradeiro grande sucesso nacional. Em maio do mesmo ano, apresentou-se, com seu grupo, no Teatro Municipal de São Paulo, cantando sua última composição conhecida, “Cansei”. Na mesma ocasião, foi apresentada a canção “Seu Julinho vem…”, com Freire Júnior, referência à propaganda política de Júlio Prestes. Também no mesmo ano, teve músicas incluídas nas revistas “A Dorinha é da fuzarca”, de Gastão Tojeiro, e “Às armas”, de Freire Júnior e Luiz Iglézias. Ainda no mesmo ano, acompanhou ao piano a gravação de “Nossa senhora do Brasil”, gravada em dueto por Henrique Chaves e Januário de Oliveira, feita em homenagem à pintora Tarsila do Amaral, que o recebera em São Paulo. Ainda no mesmo período, Breno Ferreira gravou o samba “Virou bola”, e Francisco Alves, o samba de partido-alto “Segura o boi”, e o samba “Eu queria saber”. Em 1930, Januário de Oliveira gravou o samba “Viva a Penha”; Carmen Miranda, em seu segundo disco, o maxixe “Burucuntum”; Januário de Oliveira o choro-canção “Benzinho”; Francisco Alves o samba “Ave de rapina”, e o cantor e ator Idelfonso Norat o samba “Amostra a mão”. Nesse mesmo ano, teve após sua morte a valsa “Recordar é viver” gravada por Sílvio Caldas. Em 1931, Aracy Cortes gravou o samba canção “Mal de amor”. Em 1932, foi lançado o samba “Feitiço gorado”, gravado quase dois anos antes por Carmen Miranda mas que segundo o pesquisador José Ramos Tinhorão não chegou a ser lançada devido a falhas na matriz de número dois, sendo lançada depois a matriz um.
Em 1960, seus sambas “A favela vai abaixo” e “Amar a uma só mulher” foram regravados por Gilberto Alves no LP “Ontem e hoje” da gravadora Copacabana. Em 1962, o mesmo Gilberto Alves regravou o samba “Gosto que me enrosco” no LP “Gilberto Alves de sempre”, também da gravadora Copacabana. Sua obra foi mostrada em bloco pela primeira vez, em 1985, no espetáculo “Praça XI dos Bambas”, interpretado pela cantora Marlene, na Sala Sidney Miller da Funarte (série “Carnavalesca”), com roteiro e direção de Ricardo Cravo Albin, que chegou a adaptar a canção “A cocaína” (dedicada pelo autor em 1923, ao jovem jornalista Roberto Marinho), para ritmo de tango, mudando-lhe alguns versos. A mesma versão da canção faria parte do espetáculo Teatro Musical Brasileiro, com direção de Luiz Antônio Martinez Corrêa, em 1987. Em 2003, várias de suas composições, como as clássicas “Jura”; “Gosto que me enrosco” e “Que vale a nota sem o carinho da mulher” foram interpretadas pelo cantor Clodo Ferreira em show realizado no Clube do Choro, de Brasília. Foi o autor de mais de 150 canções publicadas, das quais mais de 100 foram gravadas. Sua obra inclui várias músicas de inspiração afro-baiana (“Dendê”, “Bofé damim djé”, “Ojaré”, “Macumba”) e algumas de cunho sertanejo (“Canção roceira”, “Bem-te-vi” e “Sonho de gaúcho”). Em 2005, foi homenageado pelo cantor Clodo Ferreira no CD “Clodo Ferreira interpreta Sinhô”, um disco independente com arranjos que reproduziram o estilo da época em que viveu o “Rei do samba”. Estão presentes no disco clássicos como “Jura”; “Gosto que me enrosco”; “Amar a uma só mulher”, e “Que vale a nota sem o carinho da mulher”, além de “Meus ciúmes”; “Sabiá”; “Reminiscências do passado”; “Confissões de amor”, e “Benzinho”, assim como obras menos conhecidas como “Cansei”, “Maldito costume”, “A medida do Senhor do Bonfim” e “Professor de violão”. O disco contou com arranjos e adaptações de Fernando Machado, João Ferreira e Alencar 7 Cordas, direção artística de Alencar 7 Cordas, e participações musicais de Fernando Machado, nos sopros, sax e clarineta; João Ferreira e Alencar 7 Cordas, nos violões; Denilson Nascimento, no flugelhorn; Luiz Henrique, na tuba; e Pedro Ferreira, na percussão, além das participações especiais de Alencar 7 Cordas e Dudu Maia. Em 2010, em homenagem aos 80 anos de sua morte foi lançado pelo cantor Luiz Henrique o CD duplo “Um Sinhô compositor – José Barbosa da Silva – oito décadas de saudade”. Com distribuição gratuita o primeiro CD apresentou gravações clássicas do compositor como “Deus nos livre do castigo das mulheres”, na voz de Mário Reis; “Gosto que me enrosco”, na voz de Carlos Galhardo; “Cansei” interpretada por Paulinho da Viola; “Quem são eles” por Bahiano e “Amor de poeta”, por Sílvio Caldas, entre outros. Já o CD número dois apresentou gravações de Luiz Henrique para sambas como “Maldito costume”, “Gosto que me enrosco”, “Ora vejam só”, “Volta à palhoça” e”Amar a uma só mulher”, entre outros.
Em 2011, foi lançado pelo selo Discobertas em convênio com o ICCA – Instituto Cultural Cravo Albin a caixa “100 anos de música popular brasileira” com a reedição em 4 CDs duplos dos oito LPs lançados com as gravações dos programas realizados pelo radialista e produtor Ricardo Cravo Albin na Rádio MEC em 1974 e 1975. No volume 1 estão incluídas as gravações de seus sambas “Gosto que me enrosco” e “Jura” na voz de Paulo Tapajós.
ALBIN, Ricardo Cravo. O livro de ouro da MPB. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
ALENCAR, Edigar de. Nosso Sinhô do samba. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
AMARAL, Euclides. Alguns Aspectos da MPB. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2008. 2ª ed. Esteio Editora, 2010. 3ª ed. EAS Editora, 2014.
CARDOSO, Sylvio Tullio. Dicionário Biográfico da música Popular. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1965.
MARCONDES, Marcos Antônio. (ED). Enciclopédia da Música popular brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed. São Paulo: Art Editora/Publifolha, 1999.
MARIZ, Vasco. A canção brasileira. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2000.
SANTOS, Alcino; BARBALHO, Gracio; SEVERIANO, Jairo e AZEVEDO, M. A . De Azevedo (NIREZ). Discografia Brasileira em 78 rpm. Rio de Janeiro: Funarte, 1982.
SEVERIANO, Jairo e MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo. Volume1. São Paulo: Editora: 34, 1999.
TINHORÃO, José Ramos. Música popular – teatro e cinema. Rio de Janeiro: Vozes, 1972.
VASCONCELLO, Ary. Panorama da Música Popular Brasileira – volume 2. Rio de Janeiro: Martins, 1965.
Poucos hoje se dão conta. Mas, mesmo antes de aparecer, nos anos 30, gente do porte de Noel Rosa, de Ataulfo Alves, de Wilson Batista ou Geraldo Pereira, o samba carioca teve uma grande estrela que conquistou o país. Ele se chamou José Barbosa da Silva, mas entrou para a história com o apelido de Sinhô, o Rei do Samba. Mas como Rei do Samba, se o samba foi criado pelo Donga, com assistência direta de bambas como João da Bahiana, Pixinguinha, Heitor dos Prazeres?
O fato é que o Sinhô apareceu como um raio. Mas um raio tão fugaz que só duraria de 1919 (quando estréia com “Pé de anjo” – lançando o grande Francisco Alves) até 1930 (quando morre inesperadamente a bordo da barca da Cantareira). Sinhô deixaria uma legião de fãs, entre eles o não menos grande Mário Reis, seu aluno de violão e seu lançamento como cantor em 1929, com o célebre “Jura”.
Aliás, o poeta Manuel Bandeira, gostando muito de Sinhô, chegou a ir a seu enterro no Rio. “Uma perfeita cena carioca, um bafafá, um evento surreal”, entusiasmava-se o poeta. “Porque apareceram mais de seis viúvas a disputar o morto, políticos e jornalistas se misturavam com rufiões e malandros temerários.”
Contou também o cronista Jotaefegê que Sinhô forçou a barra para ser reconhecido como o Rei do Samba, passando a dedicar muitas de suas composições a jornalistas e intelectuais, que, assim, mais facilmente o incensariam. José do Patrocínio Filho, ao vê-lo em qualquer esquina do Rio, não fazia por menos: ajoelhava-se e lhe pedia, com alvoroço, a bênção.
Já Pixinguinha, Donga e Heitor dos Prazeres torciam discretameante o nariz quando alguém lhes pedia para falar de Sinhô. Explico: com Pixinguinha (e sua turma, inclusive o irmão China) Sinhô manteve uma polêmica de que resultaram o “Pé de anjo” (provocação de Sinhô contra o China) e “Já te digo” (resposta de Pixinga ao desafeto, chamando-o de velho e desdentado).
E com Heitor, a coisa engrossou um pouco mais, quando ele reivindicou a autoria do “Gosto que me enrosco”, escrevendo para Sinhô um samba-acusação chamado
“Sinhô …dos meus sambas”.
Ao que o espertíssimo pianeiro (era um bom pianista de salão, segundo Donga) retrucou com uma frase célebre: “Samba é como passarinho que voa, é de quem pegar primeiro.”
Por tudo isso – e também porque a obra de Sinhô é, basicamente, um relevante resgate de crônicas dos anos 20 — ele se torna fundamental.
O nosso Sinhô do samba pode ter sido polêmico e foi. Mas que era um bamba, isso nem se discute.
Ricardo Cravo Albin