Cantor. Compositor.
Nasceu no Engenho de Dentro, bairro do subúrbio carioca. Teve infância de menino pobre, trabalhando como engraxate, vendedor de frutas e pirulitos. Quando adulto, trabalhou como pintor de paredes e, ao cantar durante o serviço, o proprietário da casa comercial que estava pintando percebeu que ele tinha qualidades de cantor. O patrão conseguiu que ele cantasse num programa da Rádio Educadora do Brasil (PRB-7), oportunidade que deu início à sua carreira artística.
Em 1934, iniciou a carreira artística em circos e pavilhões no Rio de Janeiro. No mesmo ano, começou a se apresentar imitando Sílvio Caldas no programa Metrópolis na Rádio Educadora. Pouco depois, excursionou ao norte do país com uma companhia mambeme. Em 1939, estreou em disco com a rancheira “Adeus João” acompanhado ao acordeom por Antenógenes Silva que era na verdade o titular do disco. Por sugestão do violonista Rogério Guimarães e do compositor Heitor Catumbi, mudou seu repertório e estilo de cantar, passando a interpretar primordialmente sambas malandros e anedóticos, além de sambas de breque. Em 1942, quando atuava na Rádio Guanabara, conheceu Paulo Gracindo, figura que teve grande importância na carreira do cantor, o que transparece neste depoimento: “Paulo Gracindo foi a luz que apareceu na minha vida. Me ensinou a cantar sempre sorrindo, para dar mais leveza à interpretação e divertir mais os ouvintes”.
Em 1944, voltou a aparecer, pela Odeon, com o samba “Iracema”, de Raul Marques e Otolindo Lopes, que foi sucesso nacional. No mesmo ano, foi contratado pela Continental e lançou os sambas “Morena linda”, de João Martins e Otolindo Lopes e “Minha patroa é boa”, de Valdemar Silva e Estanistau Silva. Em seguida, gravou com Dircinha Batista o maxixe “Baianinha”, de Castro Barbosa. No ano seguinte, gravou os sambas “Maria”, de Raul Marques e Carlos de Souza e “Rosalina”, de Haroldo Lobo e Wilson Batista e as marchas “O que é que eu tenho com isso”, de Amado Régis, Almanir Grego e Gadé e “Marinheiro Popeye”, de Buci Moreira, Raul Marques e Arnô Canegal. Ainda em 1945, fez sucesso com os sambas “O coração também esquece”, de Príncipe Pretinho e Raul Marques e “Cabo Laurindo”, de Haroldo Lobo e Wilson Batista.
Em 1946, gravou da dupla Alberto Ribeiro e Antônio Almeida com acompanhamento de Benedito Lacerda e seu conjunto a marcha “A sopa vai se acabar” e o samba “Isabel”. No mesmo ano, gravou com Ari Cordovil o samba “Fui um louco”, de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira e a marcha “O expresso não parou”, de Ari Cordovil e Isidoro de Freitas. No ano seguinte, gravou a marcha “Pode ser que não seja”, de João de Barro e Antônio Almeida, os sambas “Cinzas”, de Osvaldo Silva e Haroldo Lobo e “O que é que há”, de João de Barro e “O que é que eu dou?”, de Dorival Caymmi e Antônio Almeida e o samba jongo “Mana Diodé”, de Gastão Viana e João da Baiana. No Carnaval de 1947, fez sucesso com o samba “Eu quero é rosetar !”, de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, amplamente executado pelas rádios.
Em 1948, gravou os sambas “Testamento de sambista”, de Raul Marques e Alberto Maia, “O doutor quer falar com você”, de Wilson Batista e Alberto Maia e “Boa noite, como passou?”, de Gil Lima e José Batista. Em 1949, gravou com o acompanhamento de Geraldo Medeiros e seu conjunto, os sambas “Eu não sou marinheiro”, de Osvaldo dos Santos e Djalma Mafra, “Deixa eu viver minha vida”, de Ary Monteiro e “Carne de gato”, de Ari dos Santos e Gentil Leal e o choro “Confusionista”, de José Leocádio. Em 1950, lançou o samba “Cala a boca Etelvina”, de Antônio Almeida e Wilson Batista, também com acompanhamento de Geraldo Medeiros e seu conjunto. No mesmo ano, gravou os sambas “Me deu um breve”, de Raimundo Olavo e Oldemar Magalhães, “Copacabana”, de João de Barro e Alberto Ribeiro e “Medalha dourada”, de Otolindo Lopes e Arnô Provenzano. No mesmo período, gravou em dueto com Paulo Gracindo o samba “Fizeram moamba”, de Amado Alves e em dueto com Ademilde Fonseca, o samba “Carne seca com tutu”, de Ary Barroso e Vilma Azevedo, que fez bastante sucesso naquele ano.
Em 1951, gravou com acompanhamento da Orquestra Tabajara de Severino Araújo os sambas “Tem mulher no samba”, de Raimundo Olavo e Caboclo e “A vaca Vitória”, de Wilson Batista e Jorge Murad. No mesmo ano, fugiu ao seu perfil de sambista e gravou o maracatu “Pitiguari”, de José Leocádio e José Pacheco e o baião, gênero da moda na época, “Balança na rede”, de Fernando Lobo e Paulo Soledade. A partir de 1951, na Rádio Nacional, ficou famoso pelo bordão criado por Floriano Faissal, com o qual iniciava seus programas: ” Alô, alô, senhores aviadores que cruzam os céus do Brasil, aqui fala Jorge Veiga, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Estações do interior, queiram dar os seus prefixos para guia de nossas aeronaves”. No ano seguinte, gravou o samba “Emilinha”, de Fernando Lobo e Manezinho Araújo. Ainda em 1952, voltou ao baião e gravou “Bota água na canjica”, de Milton de Oliveira e Haroldo Lobo e “Umbigada do Sabino”, de Fernando Lobo e Manezinho Araújo e “Primo, você que é feliz”, de Rutinaldo e Norival Reis, com acompanhamento de Astor e seu conjunto. Em 1953, gravou da dupla Haroldo Lobo e Milton de Oliveira a marcha “Na China” e o samba “Reza por nosso amor”, também com acompanhamento de Astor e seu conjunto. No mesmo ano, fez sucesso com a autobiográfica “Marcha do pintor”, de Bruno Gomes, Ivo Santos e Airton Amorim. Gravou ainda, no mesmo ano, sua primeira composição, o samba “Boêmia”, parceria com Zé Violão com o qual estreou na Copacabana.
Em 1954, gravou os sambas “Para esquecer”, de Ivo Santos e Ai Cordovil, “Não posso mais”, de Haroldo Lobo, Milton de Oliveira e Claudionor Santos e “Eu sou o samba”, de Arnô Canegal e Orlando Soares, a marcha “Eu tenho uma nêga”, de Gomes Cardim, Manezinho Araújo e David Raw, o choro “Sou Flamengo”, de Carlos Renato e Pedro Caetano e o baião “Quero me casar”, de Gordurinha. Em 1955, lançou duas composições da dupla Haroldo Lobo e Milton de Oliveira: o samba “Não vou morrer” e a marcha “Tira essa mulher da minha frente”, sendo que essa última, além de sucesso no carnaval, foi escolhida por um júri reunido no Teatro João Caetano como um das dez mais populares marchas do carnaval daquele ano. No mesmo ano, gravou os sambas “Quando o divórcio chegar”, de Gordurinha e “Que culpa tenho eu”, de Arnô Canegal, Albertina da Rocha e Antônio Guedes e o “Hino da torcida do Flamengo”, de Getúlio Macedo e Lourival Faissal. Também no mesmo ano, gravou o samba “Café soçaite”, de Miguel Gustavo, uma bem-humorada sátira ao “café soçaite” e ao colunismo social carioca dos anos 1950. Em seus versos, Miguel Gustavo registrava personagens e expressões freqüentes nas colunas dos jornalistas Ibrahim Sued e Jacinto Thormes (também citados), sendo esta gravação considerada a melhor interpretação de “Café soçaite”. O grande sucesso desse samba gerou um LP apenas com músicas de Miguel Gustavo, todas de sátiras ao “Café soçaite” da época. Resolveu adotar com enorme sucesso, no rádio e na televisão, a imagem do malandro grã-fino, apresentando-se sempre de smoking. Por essa época, ficou consagrado como “O caricaturista do samba”, termo cunhado por Paulo Gracindo.
Em 1956, gravou os sambas “Solução”, de Raul Sampaio e Ivo santos e “Fora da jogada”, de sua parceria com Haroldo Lobo. No mesmo ano, gravou em dueto com Carmen Costa o samba “Obsessão”, de Mirabeau e Milton de Oliveira. No ano seguinte, gravou de sua parceria com Zé Violão o samba-jongo “Em boi morto até eu bato”, a “Marcha da feira”, de Paquito, Romeu Gentil e Rubens Machado e os sambas “Palhaço”, de Fernando Lobo e Ari Cordovil e “Samba de Itaguaí”, de sua parceria com Raul Marques. Ainda em 1957, fez sucesso com o samba “Estatuto da gafieira”, de Billy Blanco. Em 1958, lançou para o carnaval a marcha “Vamos pra Brasília”, de Átila Bezerra, Sebastião Gomes e Valdir Ribeiro e o samba “Falador passa mal”, de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira. No mesmo ano, gravou mais uma música alusiva ao futebol, o samba “Torcida organizada”, de Gordurinha e Francisco Soares. Lançou, também no mesmo ano, o LP “Caricaturista do samba”, com “Recado que a Maria mandou”, de Haroldo Lobo e Wilson Batista, “Rei do samba”, de Arino Nunes e Miguel Lima, “Faustina”, de Gadé e “Sambista no céu”, de sua autoria.
Em 1959, conheceu novo grande sucesso com a regravação do samba “Acertei no milhar”, de Wilson batista e Geraldo Pereira, que virou um marco na sua carreira. Também no mesmo ano, fez sucesso com o samba “Orora analfabeta”, de Gordurinha e Nascimento Gomes. Em 1960, lançou os sambas “Assunto do dia”, de Zé Violão e “Água no leite”, de Cyro Monteiro e Nascimento Gomes e a marcha “Brigitte Bardot”, de Miguel Gustavo, alusiva a famosa atriz francesa em pleno sucesso na época e que, no Brasil, passou uma temporada morando em Búzios, praia do norte fluminense. No ano seguinte, fez sucesso com o samba “Obrigado doutor”, de sua autoria e Gabilan. No mesmo ano, transferiu-se para a RCA Victor e lançou os sambas “O pugilista da fama”, de Claudionor Martins e Moreira da Silva e “Imaginação de pobre”, de Claudionor Martins e Nelson Maia. Em 1961, lançou o LP “A volta do sambista (Obrigado doutor), que apresentava entre outras, a “Aluga-se uma casa”, de Sebastião Gomes e René Bittencourt, “Dinorah”, de Heitor Catumbi e Benedito Lacerda, “Aguenta o velho galho”, de Heitor Catumbi e “A baleia”, de José Batista. Em 1962, fez sucesso com a marcha “Garota de Saint-tropez”, de João de Barro e Jota Jr. Gravou também os sambas “Carta à Brigitte Bardot”, de Miguel Gustavo, em outra alusão à atriz francesa, “Caixa alta em Paris” e “O marido da vedete”, os dois de Gordurinha e “Na cadência do samba”, de Ataulfo Alves e Paulo Gesta. Em 1964, fez grande sucesso no carnaval com o samba-coco “Bigorrilho”, de Paquito, Romeu Gentil e Sebastião Gomes, que se tornou depois obrigatório em seus shows.
Em 1971, gravou com Ciro Monteiro o LP “De leve”, pelo selo RCA ViK interpretando entre outros sucessos, os sambas “Pra seu governo”, de Haroldo Lobo e M. de Oliveira, “Falso amor”, de J. B. de Carvalho, “Não tenho lágrimas”, de M. Bulhões e M. de Oliveira e “Café soçaite”, de Miguel Gustavo. Em 1972, gravou o lundu “Isto é bom”, de Xisto Bahia, acompanhado por Canhoto, ao cavaquinho, José Menezes, ao bandolim, Dino e Meira, nos violões, Gilberto DÁvila, no ritmo, e Lino, na tumbadora, e o samba “Vou te abandonar”, de Heitor dos Prazeres, acompanhado por Altamiro Carrilho, na flauta; José Menezes, no bandolim; Canhoto, no cavaquinho; Dino e Meira, nos violões; Luna, na tumbadora; Jorge, no pandeiro; Gilberto, no surdo, e Gilson, no reco reco, especialmente para o Fascículo “Donga e os primitivos” da série Nova História da Música Popular Brasileira, da Abril Cultural. Em 1974, gravou com Roberto Paiva o LP “Noel Rosa x Wilson Batista”, dentro da série “Temas e figuras da MPB”, retrtndo a famosa polêmica entre os dois compositores. Nesse LP, interpretou as composições de Wilson Batista “Lenço no pescoço”, “Mocinho da Vila”, “Conversa fiada”, “Frankenstein”, “Terra de cego” e “Meu mundo é hoje”, enquanto Roberto Paiva cantou os sambas de Noel Rosa. Em 1975, saiu pela Copacabana o LP “O melhor de Jorge Veiga”. Em 1978, a convite do produtor R. C. Albin foi um dos astros, ao lado de Clementina de Jesus, Cauby Peixoto, Fafá de Belém e Marlene do LP “O dinheiro na música popular”, produzido pelo Banco do Brasil, como brinde de Natal, com larga distribuição em todo o país. Em 1979, ano de seu falecimento, a CBS lançou o LP “O eterno Jorge Veiga”, com um apanhado de seus sucessos, incluindo composições suas como “Boi com abóbora”, parceria com Marinho da Muda, “Festrival de bolachadas”, com Gordurinha e “Casa que tem cachorro”, com Blacaute e Newton Teixeira.
(Com Ari Cordovil)
(Com Dircinha Batista)
(Com Antenógenes Silva)
ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular Brasileira – Criação e Supervisão Geral Ricardo Cravo Albin. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural Cravo Albin e Editora Paracatu, 2006.
AMARAL, Euclides. Alguns Aspectos da MPB. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2008. 2ª ed. Esteio Editora, 2010. 3ª ed. EAS Editora, 2014.
AZEVEDO, M. A . de (NIREZ) et al. Discografia brasileira em 78 rpm. Rio de Janeiro: Funarte, 1982.
CARDOSO, Sylvio Tullio. Dicionário Biográfico da música Popular. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1965.
COSTA, Cecília. Ricardo Cravo Albin: Uma vida em imagem e som. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2018.
EPAMINONDAS, Antônio. Brasil brasileirinho. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1982.
MARCONDES, Marcos Antônio. (ED). Enciclopédia da Música popular brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed. São Paulo: Art Editora/Publifolha, 1999.
SEVERIANO, Jairo e MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo. Volume 1. São Paulo: Editora 34, 1997.
SEVERIANO, Jairo e MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo. Volume 2. São Paulo: Editora 34, 1997.
“Alô, alô, aviadores que cruzam os céus do Brasil. Aqui fala Jorge Veiga pela Rádio Nacional. Queiram dar os seus prefixos para a guia de nossas aeronaves.” Com essas frases aparentemente sem qualquer sentido nos dias de hoje, o cantor Jorge Veiga se apresentava nos programas mais ouvidos da Nacional em plena década de 50, começo dos 60. Jorge Veiga? Mas quem foi Jorge Veiga? Pra início de conversa, ele chegou a ter mais popularidade que seus contemporâneos Cyro Monteiro e Moreira da Silva. Não que fosse melhor que esses dois ícones do telecoteco, mas o que enternecia em Jorge Veiga era um misto de ingenuidade, bossa de malandro e ainda um certo ar de sujeito bronco, dentro dum corpanzil enorme. Jorge Veiga, sambista popular da linhagem que encontrava seus modelos mais bem-acabados na Lapa antiga, era conhecido como O Caricaturista do Samba. O que queria dizer que suas músicas faziam, no mais das vezes, caricaturas da época. Meia verdade, contudo, que começou pra valer quando o cantor, que se dava ao luxo de exibir uma voz fanhosa (deliciosa), gravou uma série de sambas de Miguel Gustavo, até então apenas considerado não propriamente um compositor mas o melhor autor de “jingles” do país. A série de Gustavo se abriu com o “Café society”, uma devastadora crônica de época sobre as “socialites” da época, seus bordões e seus dois colunistas, os emblemáticos Ibrahim Sued e Jacinto de Thormes.
O sucesso da música em 1955 projetou Jorge Veiga em todas as paradas de sucesso, gerando não só oito outras sobre o mesmo tema, como também fazendo o cantor envergar, a partir daí, um vistoso “smoking”, que parecia surreal e quase inacreditável naquele sestroso mulato cheio de ginga e salamaleques.
Ele foi e será sempre a voz ondulante da malandragem, da ginga e do melhor espírito carioca. É como eu sempre disse: Jorge Veiga é um dos poucos sambistas que rebolam não com o corpo. Mas com a voz.
Ricardo Cravo Albin