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© Gabriel Quintão
Nome Artístico
Hermeto Pascoal
Nome verdadeiro
Hermeto Pascoal
Data de nascimento
22/6/1936
Local de nascimento
Lagoa da Canoa, AL
Dados biográficos

Compositor. Instrumentista. Toca acordeão, flauta, garrafa, piano, bacia, saxofone e sintetizador, entre outros instrumentos musicais.

Nascido na cidadezinha de Lagoa da Canoa, município de Arapiraca, em Alagoas, não foi trabalhar na roça porque não podia pegar sol. Ia para a roça em um carro de boi com seu pai e ficava deitado em uma árvore, ouvindo passarinhos.

Autodidata, aprendeu a tocar praticamente sozinho.

Começou a tocar acordeon aos 10 anos de idade. Aprendeu junto com o irmão José Neto, tocando na harmônica de oito baixos do pai, que a deixava em casa para ir trabalhar. Os dois passaram a revezar-se tocando acordeão em festas de casamentos, batizados e bailes ao ar livre, debaixo de árvores, os chamados bailes de pé-de-pau, comuns no Nordeste e no Norte. O pai chegou a vender duas vacas para poder pagar um acordeão de 32 baixos para os filhos. Em 1950, sua família mudou-se para o Recife.

Dados artísticos

Em 1950, aos 14 anos, estreou com o irmão José Neto na Rádio Tamandaré do Recife, em Pernambuco. Pouco depois de uma frustrada tentativa de se criar o trio “O mundo pegando fogo”, que contaria com a participação de Hermeto, seu irmão e Sivuca, os  irmãos transferiram-se para a Rádio Jornal do Commércio. Na nova rádio, entretanto, Hermeto acabou ficando “encostado” por não querer tocar pandeiro. Em 1951, Hermeto já era considerado o melhor acordeonista do agreste. Continuou seus estudos e pesquisas musicais. Em 1956, retornou à Rádio Jornal do Commércio, onde chegou a ser diretor de regional. Em 1958, foi para a Paraíba, onde ingressou na Rádio Tabajara de João Pessoa, passando a fazer parte da orquestra do Maestro Gomes. Destacou-se tanto como instrumentista que, sem saber ler música, o maestro Gomes o punha na orquestra. Quando apresentavam-se em algum local ou ocasião onde era necessária a presença de partitura, era colocada uma em sua frente, mas ele tocava de ouvido.
Ainda no mesmo ano, foi levado pelo irmão para a Rádio Mauá, no Rio de Janeiro, indo atuar como acordeonista do Regional de Pernambuco do Pandeiro. Atuou, também, nos conjuntos de Fafá Lemos e Copinha. Nesse período, passou a dedicar-se ao estudo do piano e a se apresentar em boates, tendo trabalhado na boate de Fafá Lemos.
Em 1961, mudou-se para São Paulo, indo trabalhar como pianista da Boate Chicote. Multi instrumentista, de ótimo ouvido, foi confundido, certo dia, na rua da Vila Buarque, em São Paulo, tradicional centro de boates, com Sivuca, por um homem que procurava um contrabaixista, e, mesmo sem nunca ter tocado um contrabaixo, Hermeto apresentou-se como contrabaixista e conseguiu tocar o instrumento.
Em 1962, deixou o trabalho como pianista da Boate La Vie en Rose e ingressou no “Som Quatro”, do qual faziam parte Paulinho no pistão, Dílson na bateria e Azeitona no contrabaixo.
Em 1964, formou com o contrabaixista Claiber e com o bateirista Airto Moreira o Sambrasa Trio. No mesmo período, passou a trabalhar como pianista na Boate Stardust, onde tomou contato com a flauta. Fi foi convidado por Walter Santos, em 1965,  para atuar como flautista na gravação de seu disco “Caminho”. Em 1966, passou a integrar o Quarteto Novo, juntamente com Teo de Barros, Airto Moreira e Heraldo, que formavam, até então, o Trio Novo. Nesse período, ficou fora de uma excursão pelo Nordeste patrocinada pela Rhodia, com Geraldo Vandré, Trio Marayá e Trio Novo, por restrições do patrocinador à sua aparência física.
Ainda em 1966, passou a companhar Geraldo Vandré em seus shows. Em 1967, teve sua primeira composição gravada, “O ovo”, no LP “Quarteto Novo”, lançado pela Odeon, primeiro e único disco do grupo, que foi uma experiência de estilização da música nordestina. No mesmo ano, o Quarteto Novo acompanhou Marília Medalha e Edu Lobo na interpretação de “Ponteio”, composição de Edu Lobo e Capinam, vencedora do III Festival de MPB da TV Record, em São Paulo.
Em 1968 apresentaram-se na França. Em 1969, o Quarteto Novo se desfez e Hermeto passou a acompanhar Edu Lobo em suas apresentações. Pouco depois, foi convidado por Airto Moreira, que estava nos Estados Unidos integrando a banda de Miles Davis, para fazer os arranjos de um LP que seria lançado por Airto. Em pouco tempo o talento de Hermeto era reconhecido pelos norte-americanos e, logo depois, ele gravou com Miles Davis, no LP “Miles Davis live”, onde estão presentes duas composições de Hermeto, “Igrejinha” e “Nenhum talvez”, embora as mesmas tenham aparecido como de autoria do músico americano.
Em 1971, a composição “Gaio da roseira”, de autoria dos pais  de Hermeto, seria lançada em novo LP de Airto Moreira, com arranjo de Hermeto. A composição, de 1941, era cantada pelos pais de Hermeto durante os trabalhos da roça e recebeu da crítica inglesa o título de uma das melhores do ano. No mesmo ano, gravou seu primeiro disco, nos Estados Unidos, pela Budda Records. O destaque do disco foi a composição “Velório”, um suíte erudita sobre tema erudito, na qual Hermeto recria sonoramente um enterro como aqueles que assistira em sua terra natal, incluindo para isso 36 garrafas, que, com afinações diferentes, foram tocadas por alguns dos melhores flautistas americanos, entre os quais Hubert Laws e Joe Farrell. Em 1972, recebeu da Apca o prêmio de melhor solista. Em 1973, conseguiu finalmente gravar seu primeiro disco no Brasil, “A música livre de Hermeto Pascoal”, onde novamente surpreendeu com suas inovações. Na faixa “Serei rei”, a equipe precisou deslocar-se até uma fazenda e Hermeto tocou entre porcos, galinhas, gansos e perus. Suas ousadas propostas começaram a ser aceitas por outros músicos, e, nos Estados Unidos, Herbie Hanckock, inclui garrafas  em suas gravações. Ainda em 1973, recebeu da Apca o prêmio de melhor arranjador.
Em 1975, participou do Festival Abertura da TV Globo, onde interpretou a composição “Porco na festa”, que recebeu o prêmio de melhor arranjo. “Missa dos escravos”, seu terceiro disco, foi gravado nos Estados Unidos, em 1977. Seu lançamento no Brasil recebeu efusivos elogios da crítica especializada.
Participou, em 1978, do Festival de Jazz de São Paulo, onde encantou e surpreendeu o público ao tocar uma bacia. No mesmo ano, seu primeiro disco, gravado nos Estados Unidos, foi lançado no Brasil. Em 1979, gravou pela WEA seu segundo disco brasileiro, onde destacaram-se as composições “Gente paulistana”, “Susto” e “Mestre Maia”, todas de sua autoria. Incluiu também uma música de autoria de sua mãe, Divina Eulália de Oliveira, “Santo Antônio”.
Apesar de visto por muitos como pouco comercial, Hermeto vem recebendo diversos prêmios como um dos melhores instrumentistas e arranjadores contemporâneos. Ainda em 1979, participou do Festival de Jazz de Montreaux, na Suíça, lançando em seguida o LP duplo “Hermeto Pascoal ao vivo”, gravado durante sua apresentação no festival. Nos anos de 1980, teve cinco LPs instrumentais lançados com sucesso pela gravadora “Som da gente”.
Em 1996, concluiu o projeto de compor uma música para cada  dia do ano, trabalho a ser lançado em forma de Songbook. No mesmo ano, recebeu o Prêmio Sharp de melhor arranjo instrumental pelos arranjos feitos para o CD “Kids of Brazil”, do Duofel. Ainda em 1996, recebeu o Prêmio Ary Barroso.
Em 2000, lançou o livro de partituras “Calendário do som”, com uma música para cada dia do ano, lançado em São Paulo, com a “Hermeto e a Orquestra Popular de Câmara” tocando o primeiro e o último dos 366 temas. No mesmo ano, realizou turnê pela Europa tocando em diversas cidades, entre as quais Paris, onde apresentou show no clube New Morning. Apresentou-se também na Alemanha, na Noruega, Dinamarca e Líbano.
Em 2001 realizou no Sesc Rio Arte em Copacabana, no Rio de Janeiro, show de lançamento da segunda edição de seu “Calendário do som”. No mesmo ano, realizou no CCBB – Centro Cultural Banco do Brasil, também no Rio de Janeiro, show com Sivuca, dentro da série “Sanfona brasileira”. Ainda em 2001 lançou com show na praia do Arpoador no Rio de Janeiro o CD “Eu e Eles”, apresentando entre outras o frevo “Poré poré” e a inédita “Boiada”.
Também em 2002, apresentou show solo no palco de arena do Sesc Copacabana no Rio de Janeiro,chamado de “Ópera Multiinstrumental”.
Lançou em 2003, o CD “Mundo verde esperança”, que marcou seu retorno ao lado de seu grupo musical, depois de um intervalo de 12 anos,  contando com as participações especiais das instrumentitas Beth Dau, na viola, Joana Flor, no clarinete e de Mariana Bernardes, da Itiberê Orquestra Família, comandada por Itiberê Zwarg (baixo). Todas as músicas do disco são inéditas  e de sua própria autoria.Destacam-se no disco as músicas compostas em homenagem aos netos Ailin, Taynara e Renan e para o instrumentista Victor Assis Brasil. Nesse ano, assustado com a violência no Rio de Janeiro, colocou à venda sua casa na Zona Oeste e mudou-se para Curitiba, no Paraná. Em 2004, recebeu o prêmio “Rival-BR”, na categoria Música Instrumental, por seu disco “Mundo Verde Esperança, pelo selo Rádio Mec. Em 2005, entre outros, participou do projeto “Rio Sesc Internacional”, apresentado no Teatro Sesc Ginástico. O projeto, com programação de um show por mês a preços populares, surgiu da intenção de levar ao grande público músicos como  o sírio Abdullah Chhadeh, a cantora e pianista holandesa Laura Fygi, o quarteto do músico canadense, Jean Pierre Zanella e o músico português Pedro Jóia, entre outros.

Em 2010, se apresentou no Festival de música instrumental Copa Fest, realizado no Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. O festival contou também com a participação de Marcos Valle, Chico Pinheiro, Osmar Milito, Cesar Camargo & Mariano e Zé Luís & Banda Magnética. No mesmo ano, apresentou- se no Festival Internacional da Sanfona, realizado em Petrolina-PE e em Juazeiro-BA, ao lado de atrações internacionais como Antonio Spaccarotella, Hector del Curto e Frank Marocco; além de nomes nacionais, como Targino Gondim, Bruno Moritz, Renato Borghetti e Dominguinhos.

Em 2011 se apresentou no Leblon Jazz Festival, realizado no Rio de Janeiro .

Em 2012 se apresentou no Circo Voador (RJ). Na ocasião, em comemoração do aniversário de 30 anos do Circo Voador, apresentou um show de cerca de uma hora, com participação especial do saxofonista Carlos Malta, e ao lado de sua banda, que conta com Aline Morena, sua esposa (voz e percussão), André Marques (piano) e Vinicius Dorin (saxofone e flauta).

Em 2015 se apresentou no festival “Panaceia instrumental”, e no “Festival Villa Lobos”, ambos no Rio de Janeiro (RJ), atuando, segundo a crítica especializada, como uma inspiração para os jovens músicos do país.

Completou 80 anos em 2016 com uma série de shows no Rio de Janeiro, antes de seguir para turnê na Europa, com shows na Espanha, Holanda, Inglaterra e Alemanha. No mesmo ano, o Teatro Municipal de Niterói recebeu na sala anexa, Carlos Couto, a exposição “Hermeto Pascoal 80 Anos”, com curadoria de Teca Nicolau.

Em 2017, ao lado de seu quinteto, lançou disco “No Mundo dos Sons”. O álbum duplo foi editado em CD e lançado nas plataformas digitais. Foram 18 temas jazzísticos ecoando ritmos brasileiros, compostos e arranjados por ele mesmo, que também assinou a direção musical. Cada faixa do álbum, “No Mundo dos Sons”, homenageou um músico de destaque a sua escolha, como Thad Jones, Miles Davis, Tom Jobim, Ron Carter, Piazzolla!, Edu Lobo!, Sivuca, Chick Corea. Ainda no ano de 2017 lançou o CD “Natureza universal”. Com repertório criado por ele mesmo para a formação de big band, também orquestrado sob a direção musical do próprio.  O CD apresentou 11 temas com participação de orquestra formada por 20 músicos regidos por André Marques. A grande banda foi formada por cinco trompetistas, cinco trombonistas e cinco saxofonistas, além de seção rítmica com baixo elétrico (Fábio Gouvea), bateria (Cleber Almeida), guitarra (Fábio Leal), piano (Tiago Gomes) e percussão (Fábio Pascoal), além de Fábio Pascoal como assistente de direção musical, Tiago Gomes como idealizador e diretor geral, Jovino Santos Neto na edição e preparação das partituras, André Marques na regência e direção musical da Big Band. A produção executiva da Nuvem Produções, Lucas Silveira e Jonas Zilberleib na coordenação de produção e Tiago Gomes na co-produção executiva.

Em 2018, completou 82 anos, e foi um dos homenageados da quarta edição do FMCB (Festival de Música Contemporânea Brasileira).

Em 2019 se apresentou no Rio Montreux Jazz Festival, ao lado de Steve Vai, Yamandu Costa, Andreas Kisser e o Quarteto Tom Jobim com Maria Rita. Ainda este mesmo ano, em entrevista ao programa “Conversa com Bial” da rede de TV Rede Globo, emocionou-se ao relembrar da cantora Elis Regina, comovendo a platéia.

Também em 2019 lançou trabalho inédito. No entanto o CD foi gravado no ano de 1999 sob o título “Hermeto Pascoal e sua Visão Original do Forró”, e se tratou de uma homenagem ao gênero do forró, com 17 faixas e convidados especiais como Alceu Valença, João Claudio Moreno, Marina Elali, dentre outros. Participaram do CD o contrabaixista Itiberê Zwarg, o guitarrista Heraldo do Monte, além do saxofonista Vinicius Dorin. Na ocasião foi autor das letras de três das quatro músicas cantadas que foram gravadas no disco. Uma delas, “Uriama”, foi interpretada por Alceu Valença. A produção executiva foi de Raimundo Campos, direção artística e musical do próprio, assistente de direção artística por Fabio Pascoal, gravação e masterização realizadas no Somax Estúdios (Recife/PE), com os convidados especiais João Cláudio (voz e texto), Marina Elali (voz), Rosa Maria (voz e texto), Rogério Meneses e Raimundo Caetano (repentistas), Vinícius Dorin (sopros) e Fabio Pascoal (percussão). O CD “Hermeto Pascoal e sua Visão Original do Forró” foi indicado ao Grammy Latino no mesmo ano de 2019 na categoria “Melhor Álbum de Música de Raízes em Língua Portuguesa”, tendo sido vencedor do prêmio.

Em maio de 2023, no dia 19, recebeu título de Doutor Honoris Causa da Juilliard School, de Nova York (EUA). A cerimônia aconteceu no Alice Tully Hall do Lincoln Center, em Nova York, às 12h (Brasília) e foi transmitida pelo site da  Escola. O título foi entregue pelo trompetista norte americano Wynton Marsalis, que fez discurso mencionando o fato de Hermeto usar bossa nova, baião, choro, maracatu, frevo e jazz no improviso, além de usar objetos comuns do dia a dia como instrumentos musicais.

 

Discografias
2019 Selo Scubidu Music CD Hermeto Pascoal e sua Visão Original do Forró
2017 Scubidu Records CD Natureza Universal
2017 Selo Sesc CD No Mundo dos Sons
2003 CD Mundo verde esperança
2001 CD Eu e Eles
1980 WEA LP Cérebro magnético
1979 WEA LP Hermeto Pascoal
1979 WEA LP Hermeto Pascoal ao vivo
1977 WEA LP Slaves mass (Missa dos escravos)
1973 Sinter LP A música livre de Hermeto Pascoal
1971 Budda Records LP Hermeto
Obras
A Ova
Academia de Forró do Frei Raimundo
Adelzon Alves no Forró
Agora eu quero instrumental
Andei
Apresentação
Avestruz do Fabrício na Madrugada
Bebê
Boiada
Brasil Universo
Chorinho pra ele
Choro Árabe
De Cuba Lanchando
De Natal para Mossoró
Forrozinho Brejeiro
Forró na Toca
Forró para Vovó Rosa Maria
Forró pela Manhã
Frevo
Gente paulistana
Igrejinha
Isto é Brasil
Jegue e Meu Jumento Mimoso
Menina Ilza
Mestre Maia
Missa dos escravos
Nas quebradas
Nenhum talvez
Nosso encontro (c/ Sivuca)
O Ovo
O Som do Sol
O ovo
Obrigado Mestre
Pantanal Brasileiro
Pernambuco falando para o Mundo
Pirâmide
Plin
Porco na festa
Poré, poré
Pulando a Cerca
Quadrilha na Roça
Sivucando no Frevo
Susto
Terror
The tunnel
Uriama
Velório
Viva o Gil Evans
Bibliografia Crítica

ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular Brasileira – Criação e Supervisão Geral Ricardo Cravo Albin. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural Cravo Albin e Editora Paracatu, 2006.

AMARAL, Euclides. Alguns Aspectos da MPB. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2008. 2ª ed. Esteio Editora, 2010. 3ª ed. EAS Editora, 2014.

AMARAL, Euclides. O Guitarrista Victor Biglione & a MPB. Rio de Janeiro: Edições Baleia Azul, 2009. 2ª ed. Esteio Editora, 2011. 3ª ed. EAS Editora, 2014. 4ª ed. EAS Editora, 2020.

FUSCALDO, Chris. Discobiografia Mutante: Álbuns que revolucionaram a música brasileira. Rio de Janeiro: Editora Garota FM Books, 2018. 2ª ed. Idem, 2020.

Crítica

Hermeto Pascoal é albino, baixinho, gordinho e quase cego. Em compensação é gênio. E gênio com G maiúsculo por duas razões. Primeiro porque ele – só ele – é capaz de inventar os sons mais originais do mundo para recriar a música. E depois porque ele administra esses sons com extrema sutileza, elegância e precisão.

Ou seja, Hermeto é o maestro de si mesmo, um homem-orquestra. O bruxo das Alagoas faz tudo. Ou seja, compõe músicas e toca todos os instrumentos. E quando eu me refiro a instrumentos, em se tratando de Hermeto, vamos logo dividi-los em duas partes. Os instrumentos tradicionais – como piano, cavaquinho, flauta, bombardino, violão, órgão e mais 15 outros, tais como sax soprano, sanfona etc. – e os instrumentos inventados pelo gênio do grande músico, que tira seus sons estranhos (e lindos, podem crer!) de garrafas plásticas, copos com água, máquina de costura. É muito? Não, porque tudo que Hermeto tem à sua frente pode virar som no minuto seguinte, como bomba de encher bola de gás e até mãos passando nas roupas do corpo.

Aliás, o cheiro do Brasil e o de suas grandes veias musicais está presente nos discos de Hermeto.

Tempos atrás, durante um especial gravado na Rádio MEC, Hermeto me comoveu quando falou das crianças.

E por uma razão muito simples: ele se orgulha de preservar a simplicidade das crianças, segundo ele o caminho mais direto para o encontro da divindade ou de Deus.

E Hermeto – compreendi isso agora – conseguiu o impossível, que é ser um arauto da modernidade, da invenção, do passo à frente e ser de uma simplicidade cativante, de um despojamento de que só mesmo ou os gênios ou os santos são capazes.

Se você, ó leitor incrédulo, pensar que Hermeto é apenas um produto exótico e circense, pode ficar certo de que a consagração internacional do nosso homem-orquestra está a indicar exatamente o oposto.

Ele me falava outro dia que sua carreira internacional (começada a partir de 1970) só lhe trouxe alegrias, como as de ser gravado por Miles Davis, seu fã número um e que lhe abriu as portas do jazz mundial.

“Pois é, o Miles gostou tanto que queria gravar todo um elepê só comigo e com músicas minhas. Mas eu tive que voltar para fazer um sonzinho lá no Jabour (distante subúrbio carioca) e me mandei. Por isso não fiz.”

Esse tipo de procedimento, descontraído e franciscano, só pode ser mesmo o de um gênio. Ou você duvida?

Ricardo Cravo Albin