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Nome Artístico
Helena Meirelles
Nome verdadeiro
Helena Meirelles
Data de nascimento
13/8/1924
Local de nascimento
Campo Grande, MS
Data de morte
28/9/2005
Local de morte
Campo Grande, MS
Dados biográficos

Cantora. Violeira. Compositora.

Aprendeu a tocar viola e violão sozinha, por volta dos oito anos de idade, na Fazenda Jararaca, onde vivia, ouvindo viola tocada pelos convidados nas reuniões musicais promovidas pelo avô, que era paraguaio. Seu tio Paterno Leôncio, reconhecido violeiro, foi seu grande inspirador.

Quando menina, fazia cordas de viola com a linha de carretel que pegava da mãe e reproduzia sons guardados na cabeça. Sua primeira música em família aconteceu aos oito anos, quando desafiou o tio e pediu para tocar uma música. O tio ameaçou uma surra se ela fizesse feio. Helena deixou o tio estarrecido com a sua apresentação.

Enfrentando a oposição dos pais que não a queriam tocando viola, na opinião deles, atividade que não era para mulher, teve que fugir de casa sem aprender a ler nem escrever.

Foi casada três vezes, a primeira, aos dezesete anos, separando-se com dois filhos. Aos 21, casou-se pela segunda vez, ficando 32 anos desaparecida da família.

Teve onze filhos paridos sem auxílio algum, com uso apenas dos ensinamentos que teve dos índios caiapós, com quem conviveu na infância, seus parentes por parte da mãe. Morou em zonas de prostíbulos. Foi lavadeira, parteira e benzedeira. Durante longo período tocou em bordéis.Tocou de graça em bares e festas de fazendas, sempre enfrentando forte preconceito por ser mulher.

Aos 80 anos, casada há 40 com seu terceiro marido, Constantino Machado, violonista que a acompanhava em suas gravações e apresentações, vivia no Pantanal com ele e um de seus filhos.

Faleceu aos 81 anos, de complicações decorrentes de uma pneumonia, em setembro de 2005, após duas semanas de internação na Santa Casa de Campo Grande, MS.

 

No ano do centenário da violeira, o blog do Alex Fraga  publicou a seguinte crônica de Raquel Naveira:

 

A hospitalidade é uma virtude que vem de berço, que nos leva a receber, alimentar, alojar pessoas. É algo que engrandece quem a pratica. Quando a ela se acrescentam a bondade, um rosto sorridente, um brilho nos olhos, um acolhimento de coração, o visitante se sente em casa, mesmo estando longe.

Há muitos anos possuímos uma pequena pousada, na Rua Dom Aquino, centro da capital do Mato Grosso do Sul. Dentre todos os que passaram por aqui, lembramos hoje com imenso carinho de nossa hóspede assídua e ilustre, Helena Meireles (1924-2005). Dona Helena, a violeira, compositora reconhecida mundialmente por seu talento como tocadora de viola caipira. Sua música era de raiz pantaneira e tinha o perfume da flor da guavira.

Dona Helena sentia-se à vontade para preparar na cozinha, a qualquer hora, o seu mate sorvido com bomba de prata. Ou para pedir sua sopa preferida. Ela dizia que o nosso café era o melhor do mundo porque na xícara havia gotas de poesia. Era nos pequenos detalhes oferecidos que o aconchego acontecia.

Quando víamos, lá estava ela mais uma vez no portão, de mala e cuia. Atrás, o filho Francisco com a viola a tiracolo, a secretária que a acompanhava, segurando o cabide com as roupas passadas, exclusivas para o show e os chapéus.

Nossa filha Letícia, uma menina de nove ou dez anos na época, com seus olhos de águia, ficava numa alegria imensa com sua chegada. Dona Helena colocava batom vermelho nos lábios e entregava a ela uns papeizinhos com beijos, à guisa de autógrafos. Tocava viola no jardim e todos iam se aproximando para sentar em volta, para vê-la e ouvi-la, fascinados. Um dia, Letícia trouxe os filhotes de nossa cachorrinha, a Lady, para visitá-la na pousada. Ela ficou feliz, batizou os bichinhos com nomes engraçados. Tenho certeza de que a convivência com Dona Helena marcou a vocação de Letícia para trabalhar depois com artistas, tratando a todos com espontaneidade.

Helena Meireles, a Dama da Viola, tão magrinha e frágil, quando abraçava contra o peito o seu instrumento, ganhava uma força descomunal, avolumava-se, desprendia-se do mundo e dos problemas. A sua presença tomava conta de tudo. Era a sertaneja, a velha cabocla, a tocadora de antigos alaúdes. O cheiro da madeira nobre parecia envolver todo o ambiente. As cordas soltas, de som forte, na afinação boiadeira. As notas saíam com o uso da palheta, das unhas compridas como garras arrancando lascas de timbre agudo. Ora imitava a harpa paraguaia, ora a guitarra portuguesa. Um pouco de bandolim e balalaica porque Helena improvisava sempre. A música ia tomando rumos inesperados. Como se ela caminhasse por uma floresta de pássaros loucos. Todos que punham os olhos naquela figura mágica, choravam, emocionados, seduzidos, enfeitiçados. O chocalho com som de cobra cascavel pendurado no braço da viola a protegia.

Helena nos contava sobre sua difícil jornada. Nascera em Bataguassu, no sul de Mato Grosso, no meio de peões, comitivas e violeiros. Casou-se aos dezessete anos. Abandonou o marido para juntar-se a um paraguaio que tocava violão. Separou-se novamente e passou a se apresentar em bares e bordéis. Os filhos nasceram no meio do mato, sem assistência nenhuma. Ela os deixou com pais adotivos, pois fazia questão de lhes ter dado o dom que considerava mais precioso: a vida. Ganhou a estrada até encontrar o terceiro marido, com quem viveu mais de trinta e cinco anos. Foi encontrada doente por uma irmã que a levou para São Paulo. Lá foi descoberta pela mídia a partir de uma matéria elogiosa que saiu na revista norte-americana, a Guitar Player. Pisou num palco pela primeira vez aos sessenta e sete anos.

Apesar da fama e da possibilidade de sobreviver dignamente com sua arte, Helena falava com carinho de suas idas a fazendas distantes para tocar sua viola: “Era festança grande, minha filha. Algo para ser guardado na lembrança de todos daquelas bandas. Os músicos se preparavam: Zito na sanfona, Gregório na harpa e eu na viola. Eu punha uma blusa vermelha, um colete apertadinho, uma calça de brim com barra de renda branca. Começava a dança, dança de par solto, muito chamamé, polca, guarânia. Rolava cachaça. Depois acontecia o leilão de uma leitoa pururucada. Eu riscava a viola a noite toda, batia no tampo, acariciava o pinho que gemia como corpo em minhas mãos. As estrelas já iam altas. Acendiam a tocha, um chumaço de algodão enrolado num cabo de vassoura. Eu tocava como doida, elétrica, soltando faíscas. Sou séria, sabe? Até amarga. Estou cheia de rugas. Fico tensa e concentrada como uma pedra que rola pelo despenhadeiro e, lá no fundo, explode. Sufoco na alma a angústia, o desespero, a tristeza. Transformo tudo numa canção rouca. Quando terminava a festa, todos iam embora pelos caminhos: os homens, as mulheres, as crianças, na poeira do sertão. Os vaqueiros iam dormir no galpão sobre os pelegos cor-de-laranja. Um pé de ariticum largava nuvens de pólens. É forte o odor do ariticum.

Um dia, Dona Helena não veio mais para a pousada. Saiu de cena. Leve como uma pena.

 

Dados artísticos

Sua música é reconhecida  pelas pessoas nativas do Mato Grosso do Sul, como expressão das raízes e da cultura da região. Desde a juventude, tocava de graça em festas, bailes e bares. Sua música é centrada em ritmos sul mato-grossenses com influências paraguaias, entre eles, chamamé, rasqueado e polca.
Já na década de 1980, foi apresentada por Inezita Barroso no programa “Mutirão”, que a cantora comandava pela rádio USP de São Paulo. Inezita Barroso, nessa oportunidade apresentou a violeira tocando ao vivo e mostrando seu trabalho. Em seguida, Inezita também apresentou a violeira em seu programa “Viola, minha viola”, na TV Cultura. Na passagem dos anos 1980/90, gravou uma fita que não recebeu grande atenção em diversas rádios. Em 1992, se apresentou ao lado de Inezita Barroso e da dupla Pena Branca e Xavantinho no Teatro  do Sesc, em São Paulo. Mas seu reconhecimento seria pontificado em  1993, quando a revista norte-americana Guitar Player a escolheu como Instrumentista Revelação do Ano, com o Prêmio Spotlight,  depois que um sobrinho enviou para lá a fita com gravações feitas em um pequeno estúdio. Nesse mesmo ano tocou num show em São Paulo com a dupla Tonico e Tinoco. A partir daí, tornar-se-ía  também notoriedade para os noticiários em geral, sendo localizada na cidade onde vivia há muitos anos no Mato Grosso. Em 1994, ano em que completou 70 anos, a gravadora Eldorado lançou seu primeiro CD, “Helena Meirelles”. Neste CD, interpretou composições de sua autoria, como “Fiquei sozinha” e “Quatro horas da madrugada”, o clássico “Chalana”, de Mário Zan e Arlindo Pinto, e “Araponga”, de domínio público. Também conta “causos” vistos e vividos na Fazenda Jararaca. No mesmo ano, a revista Guitar Player publicou um poster em que a incluiu entre as 100 melhores palhetes do mundo em todos os tempos, ao lado de nomes como B. B. King, Eric Clapton, Keith Richards e Jimi Hendrix.
Em 1995, foi convidada especial do Festival de Música do Mercosul, realizado no Palácio Popular da Cultura, em Campo Grande, partindo o convite da Secretaria de Cultura do Mato Grosso do Sul. Em 1996, foi lançado seu segundo CD, “Flor de guavira”, no qual interpretou, entre outras, “Saudades do meu velho pai” e “Chuíta”, de sua autoria. No ano seguinte, foi lançado “Raiz pantaneira”, no qual toca junto com Sérgio Reis a composição “Guiomar”, de Haroldo Lobo e Wilson Batista. Interpretou ainda “Epitaciana”, de sua autoria. Em seus shows, tocava violão e viola, acompanhada do filho Francisco e do primo Aílton. Em 1998, foi uma das atrações da Expo Mercosul, em Canelas, no Rio Grande do Sul. Em 1999, apresentou-se no show do Dia das Mulheres, em Campo Grande, no Mato Grosso. Com a fama e o prestígio obtidos a partir da reportagem na revista Guitar Player, ficou hospedada no Hotel Othon, em São Paulo, em temporada, por conta da gravadora Eldorado. Seus discos, todos os três em catálogo, já venderam mais de 80 mil cópias.
Em 2002, gravou CD ao vivo durante o show “Helena Meirelles volta à estrada pantaneira”, em Campo Grande, MS, lançado pela gravadora Sapucay, no qual interpretou canções inéditas e canções de seus discos anteriores. No mesmo ano apresentou-se no Sesc Tijuca no Rio de Janeiro durante o Festival de Música Latino Americana. Um curiosidade nas composições da Dama da Viola, como ficou conhecida, é que ela não se preocupava em dar nome às músicas que fazia, o que era feito pelo filho, o violonista Francisco da Costa Machado, que a acompanhava nos shows. Seu talento e fama de grande violeira, mereceu o reconhecimento de mestres como Roberto Correia e Almir Sater.
Em 2003, lançou no Rio de Janeiro, seu quarto CD, “Ao vivo – De volta ao Pantanal”, com oito música inéditas, com destaque para “Flor pantaneira” e “Samba do Zé”.
Em 2004, foi protagonista do filme “Helena Meirelles, a dama da viola”, um documentário em longa metragem do cineasta Francisco de Paula, que contou com narração do ator Rubens de Falco e traçou a trajetória da instrumentista, percorrendo vários episódios de sua vida. As filmagens começaram em 2001 e o filme ficou pronto em janeiro de 2004, estreando no dia do aniversário da violeira, 13 de agosto, em Campo Grande, cidade onde nasceu. A  trilha sonora  foi escolhida por ela própria, e não sofreu intervenção alguma da direção. O filme foi aplaudido de pé, após sua exibição na mostra Prèmiere Brasil, no Festival Rio de Cinema, ocorrida no Cine Odeon, no Rio de Janeiro e também participou do Festival de Trieste, na Itália. Em novembro do mesmo ano, o filme foi  exibido no Cineclube Directv 2, na 28a. Mostra BR de Cinema, sendo encaminhado, em seguida,  para participar do festival de Brasília e Cuba. O filme teve um orçamento perto de R$ 300 mil e levou quase seis anos para ficar pronto. Ainda em  2004, participou da coletânea “Os bambas da viola”, lançada pela Kuarup, que reuniu, num CD, 6 renomados violeiros, para representar a viola das regiões do Brasil. Nesse album, além dela, o CD traz as violas de Renato Andrade, Almir Sater, Haroldo do Monte, Roberto Corrêa e Chico Lobo. Nesse álbum, interpretou duas canções de domínio público, “Guaxo”, na qual tocou viola, e contou com participações de Milton Araújo, no violão e baixo, Francisco Machado e Montanhês nos violões; e “Tropeiro”, na qual tocou viola e contou com participações de Francisco Machado no violão e Pedrão no baixo.
Seu falecimento, em 2005, repercutiu como perda de um patrimônio cultural, levando a seu sepultamento inúmeras personalidades ligadas à viola e violeiros, que tocaram juntos, num concerto improvisado, em sua homenagem. Nessa ocasião, vários deles deram declarações, atestando a importância da violeira, entre eles, Almir Sater, Pereira da Viola, Rolando Boldrin e o violeiro pesquisador Roberto Corrêa que disse em entrevista ao Jornal do Brasil: “Helena representava aquela região fronteiriça do Paraguai, norte da Argentina e o Mato Grosso do Sul, que culturalmente é uma região só, repleta de estilos como a polca, os chamamés, as guarânias e os rasqueados. Ela trazia os sons da fronteira, do ermo, de um lugar desconhecido. Sua maneira de tocar era simples, mas sua música não”.
Em agosto de 2006, o longa- metragem “Helena Meirelles, a dama da viola” entrou em cartaz no Cinemark, em Campo Grande, marcando a aproximação do aniversário de falecimento da violeira. Tendo sido apresentado em mais de 20 festivais e ganhado cópia legendada em francês, quando participou do ano Brasil-França em 2004, o documentário, que mostra a cultura sul-mato-grossense para o mundo, foi indicado para participar, em 2006, de mais duas mostras internacionais: o Festival de cinema brasileiro em Londres e Festival da América Latina em Paris. O Cinemark colocou o filme em sua programação oficial, com uma sala exclusiva e seis sessões diárias, a ser apresentado por seis semanas em Campo Grande, seguindo, depois para Brasília e interior de São Paulo.

Em 2013, foi homenageada ao vencer o Prêmio Rozini de Excelência da Viola Caipira, promovido pelo Instituto Brasileiro de Viola Caipira, na categoria Referência.

Discografias
2004 Kuarup CD Os bambas da viola
2003 CD Ao vivo - De volta ao Pantanal
2002 Sapucay CD Helena Meirelles ao vivo
1997 Eldorado CD Raiz pantaneira
1996 Eldorado CD Flor de guavira
1994 Eldorado CD Helena Meirelles
Obras
Chuíta
Epitaciana
Fandango em Porto Quinze
Fiquei sozinha
Flor pantaneira
Quatro horas da madrugada
Rincão Guarani
Samba do Zé
Saudades do meu velho pai