Cantor. Compositor.
Órfão de pai e mãe, foi levado para São Paulo aos seis anos de idade. Lá trabalhou como engraxate e entregador de jornais. Em 1933, apresentou-se no programa de calouros “A peneira de ouro”, da Rádio Tupi. Chegou a ser uma figura muito popular no carnaval, entre os anos 1960 e 1980, incorporando a figura “General da Banda”, fantasia que ele impunhava e com a qual percorria desfiles e bailes de carnaval.
Iniciou sua carreira artística em 1941, atuando na Rádio Difusora. Nessa época, por sugestão do Capitão Furtado, adotou o nome de Black-out, composto inglês que significa “preto por fora”, abrasileirado pela imprensa para Blecaute. Transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1942, tendo sido contratado pela Rádio Tamoio, atuando ainda nas Rádios Mauá e Nacional. Em 1944, gravou seu primeiro disco, na Continental, registrando os sambas “Minha Tereza” de Roberto Roberti, Raul Marques e Mário Rodrigues, e “Eu agora sou casado”, de Cristóvão de Alencar e Alcebíades Nogueira, com acompanhamento de Benedito Lacerda e seu conjunto regional. Nesse mesmo ano, participou do filme “Tristezas não pagam dívidas”, dirigido por José Carlos Burle e J. Rui.
Em 1947, gravou as marchas “Ôpa…Ôpa…, de Cristóvão de Alencar e Paulo Barbosa, e “Dona Maria”, de João Paulo e Pedro Afonso, com acompanhamento de Severino Araújo e sua orquestra Tabajara. Em 1948, gravou a primeira composição de sua autoria, o samba “Carioca bonita”, parceria com Zé Maria. Nesse ano, gravou os sambas “Chegou a bonitona”, de Geraldo Pereira e José Batista, “Zing-zing-bum”, de sua autoria e Zé Maria, “Que samba bom”, de Arnaldo Passos e Geraldo Pereira, e “Desce favela”, de Alcebíades Barcelos e Sebastião Gomes, e a marcha “Vote! Que mulher bonita !”, de João de Barro e Antônio Almeida. No carnaval de 1949, obteve grande sucesso com a marcha “O pedreiro Valdemar”, de Wilson Batista e Roberto Martins, gravada em outubro do ano anterior com acompanhamento de Severino Araújo e Orquestra Tabajara, considerada desde logo uma música de forte conotação social. Nesse ano, gravou a toada “Moreninha, moreninha”, de Antônio Almeida e Pedro Caetano, e o samba “Meu guarda-chuva”, de Ubenor Santos e Amâncio Moraes, com acompanhamento de Severino Araújo e seu conjunto.
No final de 1949, gravou aquele que seria o grande êxito de sua carreira, sucesso no ano seguinte, o samba “General da banda”, de Tancredo Silva, Sátiro de Melo e José Alcides, inspirado num ponto de macumba, gravado também por Linda Batista. Identificou-se com a composição a ponto de, a partir de então, utilizar em suas apresentações uma colorida fantasia de “General da banda”, cheia de alamares e dragonas. Em 1950, gravou os sambas “Ave-Maria”, de Sinval Silva, e “Joãozinho boa pinta”, de Haroldo Barbosa e Geraldo Jacques, a marcha “Rosinha, vem cá”, de Hervê Cordovil, e o maxixe “Meu doce de coco”, de Humberto Teixeira e Carlos Barroso, este último, gravado com o grupo vocal Os Boêmios.
Já consagrado como cantor de sucessos carnavalescos, destacou-se em 1951, com a marcha “Papai Adão”, de Klécius Caldas e Armando Cavalcanti, e o samba “Ai cachaça”, de Manezinho Araújo e Fernando Lobo. No mesmo ano, gravou com acompanhamento de Abel Ferreira e seu conjunto os baiões “Dia dos namorados” e “O delegado quer prender o Antônio”, da dupla Haroldo Lobo e Milton de Oliveira. Em 1952, conheceu mais um grande sucesso com a gravação da marcha “Maria Candelária”, de Klécius Caldas e Armando Cavalcânti, sátira bem-humorada às funcionárias “empistoladas” que impunemente abusavam de regalias no serviço público. Nesse ano, gravou o baião “Santo Antônio não gosta”, de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, e os sambas “Pedido à São João”, de sua autoria e Gildásio Ferreira, e “Calvário do amor”, de Jorge de Castro e Gastão Viana. No mesmo período, Isaura Garcia gravou os sambas “O morro silenciou” e “Quem é você”, parcerias com Newton Teixeira.
Em 1953, gravou as marchas “Dona cegonha”, de Klécius Caldas e Armando Cavalcânti, e “Não aguento essa mulher”, de David Raw e Manezinho Araújo, a batucada “Rico vai na chuva”, de sua autoria, e o samba “A banca do guarda”, parceria com Milton Vilela. Nesse ano, teve as marchas “Índia morena”, com Osvaldo França, gravada por Rubens Peniche e “Eh! Eh! Paisano”, com Grande Otelo e Osvaldo França, gravada por Isaura Garcia e o samba “Eu sou mais eu”, com Raul Sampaio, gravada por Alcides Gerardi. Também nesse ano, transferiu-se para a RCA Victor e lançou os baiões “Santo Antonio sabe”, de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, e “Tim tim o lá lá”, de Henrique de Almeida e Rômulo Paes.
Em 1954, mais um grande sucesso carnavalesco com a marcha “Piada de salão”, de Klécius Caldas e Armando Cavalcanti. Nesse ano, gravou o baião “Marina sapeca”, de Sebastião Gomes, Rubens Ferreira e Jair Gonçalves, e a valsa “Primeira valsa”, parceria com Nicola Bruni. Também nesse ano, transferiu-se para a gravadora Copacabana e gravou os sambas “Caridade”, de Nelson Cavaquinho e Ermínio Vale, e “Cabrocha”, de João Bené e Amado Régis. Ainda no mesmo ano, teve gravadas na RCA Victor o samba “Última homenagem”, com Herivelto Martins, pelo Trio de Ouro e a toada “Quem bom seria”, com Newton Teixeira, por Isaura Garcia. Em 1955, fez com Herivelto Martins a marcha “Linda romana” gravada por Nelson Gonçalves e o samba “Maria do Socorro”, pelo Trio de Ouro, as duas na RCA Victor. Nesse ano, obteve novo êxito no carvaval com a marcha “Maria escandalosa” , da dupla Klécius Caldas e Armando Cavalcanti, e que dava sequência natural ao sucesso anterior “Maria Candelária”, e que foi escolhida por um júri reunido no Teatro João Caetano como uma das dez mais marchas mais populares do carnaval de 1955. O mesmo juri considerou seu samba “Lágrimas” como um dos mais populares daquele carnaval. Também no mesmo ano, gravou o samba-choro “Torcedor do “Mengo”, de sua autoria e Luiz Dantas, em disco que trazia no lado A o cantor Jorge Veiga interpretando o “Hino da torcida do Flamengo”, numa homenagem ao time do Flamengo campeão carioca daquele ano. Ainda nesse ano, lançou a valsa “Natal das crianças”, de sua autoria, que se tornou um clássico dos festejos natalinos gravada entre outros por Carlos Galhardo e Luis Bordon, além da sua própria e bem sucedida gravação.
Em 1956, gravou o samba “Ressurreição”, de sua autoria, as marchas “Maria champanhota”, de Klécius Caldas e Armando Cavalcanti, e “Marcha das fãs”, de Wilson Batista e Jorge de Castro; a batucada “Mulher é aquela”, de Paquito, Romeu Gentil e Jorge Gonçalves, e o samba-maxixe “A mulher do palhaço”, parceria com Jadir Ambrósio e Jair Silva. Nesse ano, o Trio de Ouro gravou outra de suas composições com Herivelto Martins, a toada “Rancho da serra”. Em 1957, gravou os sambas “Aquele amor”, parceria com Elias Cortes e Arnô Canegal, e “Meu coração soluçou”, com Raguinho, e as marchas “Lavadeira”, com Henrique de Almeida e Rômulo Paes, e “Inventor da mulata”, com Manoel Rosa e Nilton Ribeiro. Nesse ano, Ruth Amaral gravou seu samba “Já fui feliz”, com Boexi, e Heleninha Costa o samba “Cinzas do amor”, com Mary Monteiro. Em 1958, gravou a marcha “Tô de prontidão”, com Nilo Silva e Osvaldo França, e a batucada “Serenou, serenou”, com Laurindo Correia e Alfredo Godinho. Em 1959, destacou-se com o samba “Chora doutor”, de J. Piedade, Orlando Guzzano e J. Campos, gravado em fins do ano anterior, um dos mais cantados do ano, também com forte apelo social. Nesse ano, transferiu-se para a Odeon e gravou as marcha “Um romance em Brasília”, “Natal de Jesus” e o lamento “Feliz ano novo”, de sua autoria, e o “Samba do play-boy”, de José Roberto Kelly. Em 1959, foi o terceiro colocado no concurso de músicas carnavalescas do Distrito Federal com o samba “Chora, doutor”, de sua autoria e por ele mesmo defendido na final realizada com grande público no Teatro João Caetano.
Em 1960, gravou as marchas “Banho diferente”, de Antônio Bruno e Marli de Oliveira, e “A sogra vem aí”, parceria com Haroldo Lobo e Milton de Oliveira. Nesse ano, fez sucesso com o samba “Quero morrer no Rio”, de sua autoria. Em 1961, gravou os sambas “Acabou a sopa”, de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, e “Direitos iguais”, de sua parceria com Valdemar Silva.
Em 1969, lançou “Bloco de banana”, composição de sua autoria. Gravou dois LPs. A partir de 1968, colheu grande sucesso com o show “Carnavália”, de P. A. Grisolli e S. Miller, encenado durante meses a fio na Boate Casa Grande, atual teatro do mesmo nome, na zona sul do Rio e do qual participaram Marlene e Nuno Roland, liderados pela cronista Eneida, que narrava a história do carnaval carioca. O espetáculo foi gravado ao vivo pelo M.I.S., de que resultaram dois LPs, com capas especiais do pintor Luiz Jasmin, produzidos ambos por Ricardo Cravo Albin. Em 1982, teve a toada “Rancho da serra”, com Herivelto Martins, gravado por Rolando Boldrin, no LP “Violeiro”, da Som Livre.
ALBIN, Ricardo Cravo. MPB – A História de um século. Rio de Janeiro: Funarte, 1998.
AZEVEDO, M. A . de (NIREZ) et al. Discografia brasileira em 78 rpm. Rio de Janeiro: Funarte, 1982.
CARDOSO, Sylvio Tullio. Dicionário biográfico da música popular. Rio de Janeiro: Editora: do autor, 1965.
MARCONDES, Marcos Antônio. (ED). Enciclopédia da Música popular brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed. São Paulo: Art Editora/Publifolha, 1999.
SEVERIANO, Jairo e MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo. Volume1. São Paulo: Editora: 34, 1999.
Mesmo em inglês, a expressão “black-out” sintetiza hoje um dos mais abomináveis preconceitos raciais, travestido de piedosa concessão. “Black-out” significa preto por fora, mas branco – em alma, é claro – por dentro.
Quando, contudo, o cantor paulista Otávio Henrique adotou o nome artístico de Blecaute
(já abrasileirando o termo), o nome não parecia ter essa carga tão virulenta de achincalhe. Fosse assim, o preto retinto Otávio Henrique teria recusado o pseudônimo, sugerido pelo célebre Capitão Furtado, em seu ouvidíssimo programa radiofônico na Difusora paulistana.
Pelo sim, pelo não, Blecaute acautelou-se contra achincalhes futuros e logo se promoveria a General (da Banda e do Carnaval), a partir do sucesso triunfal que foi o samba “General da Banda” (de Sátiro de Mello e Tancredo Silva) no carnaval de 1949.
O título acabaria-se incorporando a ele de tal modo, que Blecaute não só envergaria a vistosa fantasia de General da Banda nos carnavais sub seqüentes como chegaria até a desfilar, antes do começo dos saudosos desfiles das escolas de samba na Presidente Vargas, como uma “persona” do carnaval carioca. Ele integrava, a cada ano, a patusca corte da folia, lado a lado do Rei Momo, Rainha Moma, suas Princesas e do Cidadão Samba.
Fiz-me amigo do Blecaute através da cronista Eneida, quando gravei para o MIS a íntegra do show “Carnavália” (dois elepês, que este ano sairão em CD). O espetáculo ficou quase um ano em cartaz (1968) no Café Teatro Casa Grande e ali, apresentados pela insuperável dignidade de Eneida, os cantores Marlene (que voltava à cena artística), Nuno Roland e Blecaute fizeram o melhor show de carnaval a que o Rio jamais assistiu. Eneida não escondia seu carinho por Blecaute e, entre suas falas, muitas vezes me confidenciava: “Olha que elegância de porte e que charme de sorriso.” E para o público vociferava: “Observem como Blecaute representa a autêntica alma do povo, quando canta esse hino de protesto que é o ‘Pedreiro Waldemar’”. A cronista referia-se ao samba antológico de Roberto Martins e Wilson Batista, que disparava: “Você conhece o Pedreiro Waldemar/ Não conhece, pois eu vou lhe apresentar/ De manhã cedo pega o bonde Circular/ Faz tanta casa e não tem casa pra morar.”
Blecaute criou o “Pedreiro” no mesmo ano de 1949, quando triunfou com o General. Ou seja, uma no cravo e outra na ferradura. Daí, até a sua morte (1983), o Monsieur Blecaute — assim também era chamado nos anos 50 pelo César de Alencar, na Rádio Nacional — colecionou sucessos e mergulhou fundo no espírito popular. Quem não lembra da vigarice sempre atual da “Maria Candelária” (“É alta funcionária/Saltou de pára-quedas/ Caiu na letra O”) ou da “Maria escandalosa” (“Desde criança sempre deu alteração/ Na escola não dava bola/ Só aprendia o que não era da lição”). Dos mesmos autores, Klecius Caldas e A. Cavalcanti, Blecaute fez o Brasil cantar e rir com “Piada de salão” (“É ou não é piada de salão/ Se acham que não é / Então não conto não”) ou “Papai Adão” (“É que é o tal/ Hoje é Eva quem manobra / E a culpada foi a cobra”).
Ricardo Cravo Albin