
Compositor. Caricaturista. Desenhista.
Nasceu no bairro carioca de São Cristóvão, onde viveu até os 12 anos numa casa de fundos na esquina das Ruas Abílio e Esperança. Passou o restante de sua infância e adolescência em Vila Isabel, em meio ao clima musical e boêmio das serestas, do carnaval de rua com batalhas de confete, do Bloco Faz Vergonha do Ponto Cem Réis. Morava com sua família numa casa situada na Rua Teodoro da Silva, nº 107, perto do campo do América Futebol Clube. Filho do imigrante libanês Gabriel Jorge Nássara, que chegou ao Brasil em 1890, e de d. Uahyba, também libanesa, que veio para o Brasil ainda menina. O casal teve vários filhos, três homens e quatro mulheres. Apesar de ser um homem humilde, fez questão de que todos os filhos estudassem. O jovem Nássara cursou o primário na Escola Municipal Nilo Peçanha (que fica até hoje atrás da Quinta da Boa Vista). Depois estudou no Colégio Pio Americano. Desde muito jovem demonstrou seus múltiplos talentos: o desenho, a caricatura e a música. Em 1927, entrou para a Escola Nacional de Belas Artes, onde cursou até o quarto ano, abandonando o curso apesar da tristeza do pai. Trabalhou em vários jornais e revistas como caricaturista, diagramador e paginador, entre eles “O Globo”,” A Noite”, “A Crítica”, “A Hora”, “O Radical”, “A Nação”, “Careta”, “O Cruzeiro”, “Última Hora” e “A Jornada”, este último fundado por Orestes Barbosa. Casado com d. Iracema, passou seus últimos anos acometido por surdez, o que fazia com que ele poucas vezes saísse de casa. Sempre foi considerado, nos meios jornalísticos, como uma grande e admirável figura humana.
Um dos grandes criadores de sucessos carnavalescos das décadas de 1930 e 1940, ficou definitivamente conhecido por seu estilo de parodiar ou citar composições famosas em suas próprias músicas. Muitos de seus sucessos, utilizavam esse recurso: em “Periquitinho verde”, em parceria com Sá Róris, citou “Mamãe eu quero”, em “Nós queremos uma valsa”, há uma citação da “Valsa dos Patinadores”, de Emil Waldteufel, e a marcha “Pombinha branca” é uma paródia da valsa “La Paloma”. Entre suas obras mais famosas está a marcha “Alalaô”, cantada até hoje, em todos os bailes carnavalescos pelas novas gerações, nos dias em que o calor está muito forte. Foi o compositor do primeiro “jingle” do rádio brasileiro.
Em 1927, começou a trabalhar como caricaturista no jornal “O Globo”, do Rio de Janeiro. Na ENBA (Escola Nacional de Belas Artes), onde estudava, conheceu vários amigos com os quais criou um grupo musical o Conjunto da Enba. Entre os integrantes estavam J. Ruy, Barata Ribeiro (pai do humorista Agildo Ribeiro), Jacy Rosa e Mário Henrique Xavier. Tocava pandeiro, e, para “crooner” do grupo, ele chamou o companheiro de boêmia em Vila Isabel, o cantor Luís Barbosa, por quem tinha grande admiração.
Em 1930, compôs sua primeira música, intitulada “Saldo a meu favor”. No ano seguinte, teve sua primeira música gravada, “Para o samba entrar no céu”, em parceria com Almirante e J. Rui e gravado na Victor por Almirante e seu Bando de Tangarás. Começou no rádio em 1932, trabalhando como “speaker” (locutor) no “Programa Casé”, da Rádio Phillips. Antes de redigir o texto em que apresentaria o programa, informou-se com Casé sobre quem eram os anunciantes. Assim escreveu o seguinte texto: “Dei um automóvel Cadillac a ela: não fez efeito; um apartamento dos maiores do Rio: também não fez efeito; no entanto, com duas pílulas de Manon purgativo, o efeito foi rápido e surpreendente”. Casé gostou e pediu-lhe que criasse um anúncio para a Padaria Bragança, um dos anunciantes do programa, que ficava na Rua Voluntários da Pátria, no bairro carioca de Botafogo. Imaginando que o dono fosse português, compôs um fado que começava assim: “Ó padeiro desta rua/ tenha sempre na lembrança/ não me traga outro pão/ que não seja o pão Bragança”. O “Programa Casé” foi um dos grandes sucessos radiofônicos dos anos 1930, e ele, que lá permaneceu seis meses, muito contribuiu para esse êxito. Depois dessa sua participação, criou seu próprio programa, o “Talismã”, que começava meia hora antes do de Casé. Nesse programa, ele criou um personagem, o Antônio Paraíso, um malandro muito inteligente. O programa, no entanto, não teve longa duração. Ainda em 1932, quando trabalhava no jornal “Mundo Sportivo”, participou da organização do primeiro concurso de escolas de samba, patrocinado pelo jornal. Foi ainda nesse ano que compôs seu primeiro sucesso, “Formosa”, em parceria com J. Rui, lançada pela primeira vez por Luís Barbosa no programa “Coisas Nossas” da Rádio Clube do Brasil e gravado na Odeon em dueto por Francisco Alves e Mário Reis e que foi um dos grandes sucessos do carnaval do ano seguinte.
Em 1933, mais três de suas marchas foram gravadas na Odeon por Francisco Alves, “Dois amores” e “Tipo sete”, vencedora do concurso de carnaval daquele ano, parcerias com Alberto Ribeiro e “Maria Rosa”, que também obteve sucesso naquele ano. Na letra dessa marchinha, o compositor cunhou a expressão “mulher fatal”, usada até hoje em nosso vocabulário. Foi a partir dessa música que ele passou a se inspirar em temas operísticos para criar marchinhas carnavalescas. No livro “Nássara”, de Isabel Lustosa, editado pela Relume Dumará, podemos encontrar nas palavras do próprio compositor a seguinte explicação para o recurso que dizia ter aprendido com Lamartine Babo: “Bastava o compositor descobrir uma melodia imortal, ritmá-la carnavalescamente e atirá-la no ouvido do povo. Com letra carnavalesca, é claro. (…) O povo, que estava condenado a só cantar marchinhas de melodias portuguesas, passou a solfejar melodias de Chopin, Mozart, e até Wagner, compareceu algumas vezes no carnaval carioca, sem receber um níquel de direito autoral (“Última Hora”, abril de 1952)”.
Em 1934, teve a marcha “Retiro da saudade”, primeira parceria com Noel Rosa, gravada na Victor em dueto por Carmen Miranda e Francisco Alves. Nesse ano, Carmen Miranda gravou a marcha “Tome mais um chope” e Francisco Alves a marcha “Garota colossal”, uma parceria com Ary Barroso. Por meio do recurso de recorrer a melodias famosas, compôs “Coração ingrato” em 1935, em parceria com Erastóstenes Frazão, que acabou obtendo o primeiro lugar no concurso carnavalesco da Prefeitura naquele ano. No mesmo ano, compôs com Alberto Ribeiro a marcha “Você é quem brilha” e com Francisco Alves a marcha “Muito mais” gravadas por Mário Reis, a primeira na Odeon e a segunda na Victor. Ainda nesse ano, Francisco Alves gravou na Victor a marcha junina “Meu São João”, parceria com Orestes Barbosa e Aracy de Almeida, a marcha “Que baixo”, a segunda parceria com Noel Rosa,
Teve duas composições gravadas pela dupla Joel e Gaúcho em 1936, a marcha “Que Deus te ajude”, com Castro Barbosa e o samba “Vou lhe pedir um favor”, com Cristóvão de Alencar. Com o mesmo parceiro fez a marcha “Cuidado com essa morena!” gravada por Jaime Vogeler. Também em 1936, obteve sucesso com a marcha “A .M.E.I” gravada na Victor por Francisco Alves que lançou também a marcha “Parei com elas”, com Alberto Ribeiro, e o samba “Q que é que você quer mais”, com Roberto Martins.
Em 1937, mais uma de suas composições foi gravada por Francisco Alves, a valsa “Porque você voltou”, parceria com J. Rui. Fez com Rubens Soares a batucada “Batuque na cozinha” gravada pela dupla Joel e Gaúcho. Teve ainda os sambas “Você me paga o que fez” e “Nunca pensei”, este com Rubens Soares e a marcha “Só um novo amor”, com E. Frazão, gravados por Aracy de Almeida na Victor. No ano seguinte, obteve grande sucesso com a marcha “Periquitinho verde”, em parceria com Sá Róris, gravada pela jovem Dircinha Batista na Odeon. Nesse ano, Nuno Roland gravou a marcha “Sem iaiá não vou”, com Roberto Martins; Dircinha Batista a marcha “Na casa do seu Tomás” e o samba “Disse um poeta”, parcerias com J. Cascata; Jararaca a marcha “Flauta de bambu”, com Sá Róris, e Francisco Alves a marcha “Rema, rema (Barqueiro sem voga), com Haroldo Lobo, todos na Odeon e o Coro Victor e o grupo Diabos do Céu a marcha “Beija-flor”, com Alberto Ribeiro. Ainda em 1938, com seu parceiro mais constante, Erastóstenes Frazão, compôs a marcha-rancho “Florisbela”, que venceu o concurso carnavalesco daquele ano e foi gravada por Sílvio Caldas na Victor. No mesmo ano lançou com êxito o samba “Meu consolo é você”, parceria com Roberto Martins, gravado por Orlando Silva na Victor, que é considerado por boa parte da crítica um dos mais belos sambas da história da MPB..
Em 1939, Dircinha Batista gravou na Odeon a marcha “Acredite quem quiser”, com E. Frazão, e Cyro Monteiro na Victor o samba “Que vida é essa”, com Roberto Martins. Nesse ano, a iniciante Emilinha Borba gravou o samba-choro “Faça o mesmo”, com E. Frazão, considerado o primeiro registro solo da cantora.
Em 1940, mais quatro de suas composições foram lançadas por Dircinha Batista, o “Samba de Botafogo” e a marcha “Calma no Brasil”, duas parcerias com E. Frazão e a marcha “O forrobodó” e a batucada “Briga de marido e mulher”, parcerias com Cristóvão de Alencar. Nesse período, outras duas parcerias com E. Frazão foram gravadas por Gilberto Alves, a marcha “Segredo em boca de mulher” e o samba “Um traço qualquer”. Em 1941, o então iniciante Luiz Gonzaga gravou ao acordeom a valsa “Nós queremos uma valsa”, com E. Frazão. Teve nesse ano, duas parcerias com Haroldo Lobo gravadas por Carlos Galhardo a marcha “Aleluia” e o samba “Adeus Araci”. Ainda em 1941, foi lançado um dos seus maiores sucessos, a marcha “Alalaô”, em parceria com Haroldo Lobo e gravada em novembro do ano anterior por Carlos Galhardo, com célebre orquestração de Pixinguinha, que acrscentou três ou quatro enxertos de sua autoria e usou o recurso de modular (para Lá maior) na sessão instrumental, dando-lhe mais brilho, mas retornando ao tom original (Sol maior), mais confortável ao intérprete. O próprio compositor e Carlos Galhardo se surpreenderam no dia da gravação, quando Pixinguinha trouxe o arranjo: “Pixinguinha tinha dividido a melodia em compassos marcantes, saltitantes, brejeiros, originais, vestindo-a com roupagem da alma popular. E eu tive uma sorte danada porque “Alalaô” ficou sendo uma das músicas mais tocadas no carnaval. Das que fiz, foi a única música que me rendeu alguma coisa”. No mesmo ano, Carlos Galhardo ainda lançou “Nós queremos uma valsa”, parceria com Frazão. Foi uma novidade que agradou muito aos foliões e principalmente o Rei Momo de então, o jornalista Morais Cardoso, que era gordo demais e mal podia dançar os sambas e marchinhas mais agitados. Por iniciativa dele, a valsa acabou sendo sua música oficial naquele carnaval. Segundo o autor: “O Morais nunca teve um carnaval tão tranqüilo”.
Em 1942, a marcha “Sabemos lutar”, parceria com E. Frazão, foi gravada por Francisco Alves na Odeon. Nesse ano teve sua primeira parceria com Wilson Batista gravada, o samba “Vou botar no fogo” registrado na Victor por Nilton, Jaime e os jogadores do time de futebol do Flamengo. No ano seguinte, fez com E. Frazão as marchas “O Danúbio azulou!” e “Sai, quinta coluna”, alusivas ao clima de guerra vivido na ocasião e gravadas pela dupla Joel e Gaúcho e o “Samba de Copacabana” lançado por Cyro Monteiro na Victor. Fez também com E. Frazão o samba-canção “Nossas vidas…sempre iguais”, o samba “Duas negativas”, a marcha “Querida Leonor” e a marcha-frevo “Falte tudo” gravadas por Orlando Silva na Odeon. Em 1944, compôs com Rubens Soares a marcha “Sete galinhas” gravada pelo grupo Quatro Ases e Um Coringa, com Haroldo Lobo a marcha “No céu é assim” lançada por Nelson Gonçalves, com “Wilson Batista o samba “É tudo meu” e com Roberto Martins a marcha “De papo cheio” as duas últimas gravadas pelos Anjos do Inferno na Continental. Em 1945, mais uma parceria com E. Frazão foi gravada por Orlando Silva, a marcha “Paz na terra”. Em 1948, fez com J. Batista a marcha “A mulher e a galinha” gravada por Dircinha Batista.
Seu primeiro grande sucesso com Wilson Batista foi “Balzaqueana”, gravada em 1950, com sucesso, por Jorge Goulart na Continental. O título foi tirado do famoso romance de Balzac “A mulher de trinta anos”. A marchinha caiu nas graças dos franceses, e Michel Simon, radialista e adido cultural da embaixada francesa no Brasil, fez para a música uma versão em francês (“Pas de tendron, non, non/ pas de tendron…” ) que foi lançada na França por ocasião das comemorações do centenário do escritor francês. Um exemplar da gravação original está entre as relíquias do escritor, em um museu dedicado a sua obra, a Casa de Balzac, na França. A dupla repetiu o sucesso em 1951, com “Sereia de Copacabana”, e em 1952 com “Mundo de zinco”, também gravados por Jorge Goulart na Continental. No ano seguinte compôs o samba “Chico Viola”, em homenagem a Francisco Alves, recentemente falecido em acidente automobilístico, que foi gravado por Linda Batista. Em 1954, fez com Waldemar de Abreu o samba “Alegria de pobre” gravado por Odete Amaral na Odeon e com Osvaldinho o samba-canção “Desprezo” gravado por Carlos Galhardo na RCA Victor. Em 1956, Célia Vilela gravou na Todamérica o fox-trot “O resto eu faço”, parceria com Wilson Batista e Pixinguinha e sua Banda, gravaram pela Sinter o LP “Carnaval e Nássara”, com seus antigos sucessos. No ano seguinte, o humorista Zé Trindade gravou a “Marcha do capacho”, parceria com Valdemar de Abreu.
No final da década de 1950, desiludido com os esquemas de comercialização do carnaval, diminuiu sua produção. Em 1967, o samba “Mundo de zinco”, com Wilson Batista, foi gravado por Elis Regina e Jair Rodrigues no “Pout pourri de Mangueira”, faixa do LP “Dois na bossa nº3” lançado por eles na gravadora Philips.
Voltou a compor em 1968, lançando “O craque do tamborim”, em parceria com Luís Reis. No mesmo ano prestou depoimento sobre sua vida ao MIS (Museu da Imagem e do Som) do Rio de Janeiro. Em 1972 voltou a trabalhar como desenhista, fazendo 12 capas dos LPs da série “No tempo dos bons tempos”, da Phillips/Fontana. Já havia ilustrado capas de LPs, sendo uma das mais famosas a do também famoso LP “Polêmica”, com caricaturas antológicas de Noel Rosa e de Wilson Batista. Na década de 1970, colaborou no semanário carioca “O Pasquim”. Sua obra como caricaturista foi tema do livro “Nássara desenhista”, de Cássio Loredano editado pela Funarte em 1985.
Na década de 1980, foi homenageado na série Carnavalesca, da Sala Funarte/Sidney Miller, com o espetáculo “Alalaô”, escrito e dirigido por Ricardo Cravo Albin e no qual sua obra foi apresentada por ele mesmo em palco e cantada por Carlos Galhardo e Marília Barbosa. Em 1990 foi homenageado com uma exposição de várias caricaturas suas, feitas por jovens caricaturistas, realizada no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Em 1996 ilustrou o livro infantil “Moça perfumosa, rapaz pimpão”, de Daniela Chindler, que não chegou a ver publicado, pois faleceu antes. Em 2010, por ocasião do centenário de seu nascimento foi tema de longa reportagem no Jornal da ABI intitulada “Os 100 anos de um mestre do desenho não podem passar em branco”. No mesmo ano foi homenageado com uma exposição no Centro Cultural Justiça Federal na qual foram expostas cerca de 100 originais, muitos deles obras inéditas, além de manuscritos e fotos.
AZEVEDO, M. A . de (NIREZ) et al. Discografia brasileira em 78 rpm. Rio de Janeiro: Funarte, 1982.
CARDOSO, Sylvio Tullio. Dicionário Biográfico da música Popular. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1965.
LUSTOSA, Isabel. Nássara. Série Perfis do Rio. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Prefeitura, 1999.
MARCONDES, Marcos Antônio. (ED). Enciclopédia da Música popular brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed. São Paulo: Art Editora/Publifolha, 1999.
SEVERIANO, Jairo e MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo. Volume1. São Paulo: Editora: 34, 1999.
VASCONCELOS, Ari. Panorama da música popular brasileira – volume 2. Rio de Janeiro: Martins, 1965.