
Cantora. Nascida no sertãso pernambucano, seu pai, filho de índios Ariús, era seresteiro e a mãe foi cantora de igreja. A família mudou-se para Campina Grande. Lá tomou os primeiros contatos com a música do “Rei do baão”, Luiz Gonzaga, pelos auto-falantes da cidade. Aos 10 anos de idade começou a participar de programas de calouros, tendo chegado a competir num deles, com o também ainda menino Genival Lacerda. Foi casada com o sanfoneiro e produtor Abdias, com quem se casou aos 14 anos. Em seus últimos anos, fixou residência em João Pessoa, Paraíba.
Depois de premiada com um sabonete numa retreta de rua, espécie de concurso de calouros ao ar livre, no bairro da Liberdade, onde morava, resolveu inscrever-se num programa de calouros na rádio local e, para fugir da vigilância dos pais, acrescentou o Maria ao seu nome. Ao ser anunciada no concurso, o locutor acabou por chamá-la de Marinês, e ela, gostando, adotou o nome artístico. Em 1949 formou com o marido Abdias o Casal da Alegria. Em seguida, o casal juntou-se ao zabumbeiro Cacau e formou um trio. Esse trio, no começo dos anos 50, passou a atuar como a Patrulha de Choque do Rei do Baião, especializada em realizar apresentacões nas praças das cidades onde Luiz Gonzaga iria tocar, interpretando músicas do seu repertório, anunciando sua chegada nas cidades do interior do Nordeste, num trabalho feito espontaneamente. Seu encontro com o Rei do Baião deu-se na cidade de Propriá, em Sergipe, apresentados pelo prefeito da cidade, Pedro Chaves. Na mesma noite do dia em que se conheceram, fizeram um show juntos.
Com o apoio de Luiz Gonzaga, que lhe ensinou o xaxado, a carreira de Marinês ganhou impulso, sendo então batizada de “A Rainha do Xaxado”.
Gravou seu primeiro disco em 1956, lançado no ano seguinte pela Sinter, apresentando-se como Marinês e sua Gente. Gravou na ocasião, a quadrilha “Quadrilha é bom”, de Zé Dantas e o xaxado “Quero ver xaxar”, de João do Vale, Antonio Correia e Leopoldo Silveira Junior. Em 1957, gravou dois grandes sucessos, os xotes “Peba na pimenta”, de João do Vale, José Batista e Adelino Rivera e “Pisa na fulô”, de João do Vale, Ernesto Pires e Silveira Jr., que foram posteriormente regravados por inúmeros artistas. No mesmo ano, lançou o xaxado “Xaxado da Paraíba”, de Reinaldo Costa e Juvenal Lopes e o xote “O arraiá do Tibiri”, de João do Vale e Silveira Jr. Ainda nessa época, a convite de Luiz Gonzaga, foram para o Rio de Janeiro, onde se apresentaram no programa “Caleidoscópio”, na Rádio Tupi. Ainda nesse ano, participou do filme “Rico ri à toa”, dirigido por Roberto Faria, interpretando a música “Peba na pimenta”, de João do Vale, José Batista e Adelino Rivera, acompanhada por Abdias dos oito baixos na sanfona. Na cena, além de cantar, também dançou xaxado, ritmo do qual ficou conhecida como rainha. O filme foi estrelado por Zé Trindade e teve participações de atores como Silvinha Chiozo, Violeta Ferraz, Oswaldo Louzada e Zezé Macedo. Em 1958, gravou, de Rosil Cavalcânti, os baiões “Aquarela nordestina” e “Saudade de Campina Grande”. Gravou ainda, de Gordurinha e Wilson de Morais, o baião “Perigo de morte”. No mesmo ano participou do filme “Rico ri à toa”, de Roberto Faria. Em 1959, gravou de Antônio Barros e Silveira Jr. o baião “Velho ditado” e o xote “Marieta”. Em 1960, gravou da mesma dupla o baião “Mais um pau-de-arara” e o xote “Balanço da saudade”. No mesmo ano, transferiu-se para a RCA Victor, onde lançou, de Reinaldo Costa e Juvenal Lopes, o xote “Viúva nova” e, de Onildo Almeida, o xaxado “História de Lampeão”. Gravou ainda, de Zé Dantas e Joaquim Lima, a polca “Chegou São João”. No mesmo ano recebeu o troféu Euterpe, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, como a melhor cantora regional. Em 1961, gravou os cocos “Gírias do Norte”, de Jacinto Silva e Onildo Almeida e “Cadê o Peba”, de Zé Dantas. No mesmo ano, gravou a moda de roda “Marinheiro”, de motivo popular com arranjos de Onildo Almeida e o coco de roda “No terreiro da Usina”, de Zé Dantas. Gravou ainda o LP “Outra vez Marinês”, que lhe rendeu um segundo troféu Euterpe, além de ter obtido o prêmio de melhor vendagem. Em 1962, gravou, de Onildo Almeida, as modas de roda “Siriri, sirirá” e “Meu beija-flor”. No mesmo ano, gravou de João do Vale e José Batista o xote “Xote de Pirira” e de João do Vale e Oscar Moss o coco “Gavião”. Em 1963, gravou as modas de roda “Balanceio da usina”, de Abdias Filho e João do Vale, e “Pisei no liro”, de Juvenal Lopes. No mesmo ano, gravou, de João do Vale e B. de Aquino, o xote “Xote melubico” e o baião “Macaco véio”. Em 1984 apresentou-se em diversos shows em teatros da periferia do Rio de Janeiro dentro do projeto Pixinguinha, além de fazer participações especiais em discos do conjunto The Fevers e de Zé Ramalho. Em 1986, lançou o LP “Marinês e sua Gente – Tô chegando”, com a participação especial de Gilberto Gil, Luiz Gonzaga, Dominguinhos e Jorge de Altinho. Com Luiz Gonzaga, interpretou “Tá virando emprego”, de Luiz Gonzaga e João Silva; com Dominguinhos, “Agarradinho”, de Michael Sullivan e Paulo Massadas; com Gilberto Gil, “Doida por uma folia”, do próprio Gil e “Quatro cravos”, de Jarbas Mariz e Cátia de França, e com Jorge de Altinho, “Jeito manhoso”, de Nando Cordel. Em 1987, gravou pela RCA Victor o LP “Balaio de paixão”, interpretando, entre outras, as composições “Tô doida pra provar do teu amor”, de Nando Cordel, “Fulô da goiabeira”, de Anastácia e Liane, “Novinho no leite”, de Nando Cordel e “Feitiço”, de Jorge de Altinho. Em 1988 estreou na Continental com o disco “Feito com amor”, onde regravou sucessos dedicados à festas juninas. Recebeu discos de ouro com “A dama do Nordeste” e “Bate coração”. Gravou diversas músicas consideradas apimentadas e que mexeram com a moral da época, como “Peba na pimenta” e “Pisa na fulô”, de João do Vale, “Cadarço de sapato”, “Xote da Pipira” e “Viúva nova”, entre outras. Devido a essas gravações, chegou a ter problemas com os meios católicos do país, tendo ocorrido casos de padres que durante as missas pediam aos fiéis para não comprarem seus discos, como foi o caso de “Peba na pimenta”.
Com a separação do marido e produtor Abdias, ficou alguns anos sem gravar; ainda sim, lançou cerca de 30 discos, entre 78 rpm, LPs e CDs. Dentre os seus LPs, estão “Nordeste valente”, “Balaiando” e “Cantando pra valer”. Em 1995, lançou o CD “Marinês cidadã do mundo”. Ainda nos anos 1990, participou do disco de forró lançado por Raimundo Fagner. Em 1998, com produção da cantora Elba Ramalho, lançou pela BMG o CD “Marinês e sua Gente”, contando com a participação de importantes nomes da Música Popular Brasileira contemporânea, quase todos do Nordeste. Uma das faixas de destaque é o dueto com Alceu Valença em “Pelas ruas que andei”, do cantor e compositor pernambucano. O disco foi uma homenagem de Elba e outros artistas àquela que considerada mestra. No mesmo ano, a Copacabana/EMI lançou uma coletânea de seus sucessos remasterizados na série “Raízes Nordestinas”.
Foi a primeira mulher a formar um grupo de forró. Em 2000 teve CD lançado pela BMG dentro da série “Eu só quero um forró”, no qual contou com as participações especiais de Gilberto Gil na música “Quatro cravos” e Alceu Valença em “Pelas ruas que andei”. Em 2003 lançou o CD “Cantando com o coração”, produzido por seu filho Marcos Farias, que divide com a cantora a direção, além de também fazer os arranjos de acordeons, baixo, zabumba, paneiro e triângulo. O disco conta também com a participação da nora de Marinês, Sheilami, na seleção do repertório e no backvocal, e do outro filho da “rainha do xaxado”, Celso Othon, fazendo jus ao nome com que gosta de ser refrenciada: “Marinês e sua gente”. Vale citar, do repertório, entre outras, “Eu vi sim” de Dominguinhos e Anastácia, ” Forró Verdadeiro” , “Tareco e Mariola”, de Petrúcio Amorim e “Te dou um doce” de Nano Cordel.
Em 2004, fez apresentações no Rio de Janeiro com o grupo Marinês e sua Gente destacando-se a apresentação no Centro de Tradições Nordestinas de São Cristóvão, onde teve acompanhamento de “sua gente” e também do caqntor e rabequeiro Beto Brito.
Em 2005, lançou o disco-homenagem “Marinês canta a Paraíba”, produzido por Noaldo Ribeiro, com patrocínio do governo do Estado, onde a cantora iniciou a carreira artística. O CD que tem a participação da Orquestra Sinfônica da Paraíba em cinco músicas: “Saudade de Campina Grande”; “Aquarela nordestina”; “Meu Cariri”; Sublime torrão” e “Campina, minha campina”, vem acompanhado de um livreto de 52 páginas e de um CD com imagens e depoimentos de Paulinho da Viola, Tetê Espíndola e do então ministro-cantor Gilberto Gil. Deixando mais de 40 discos gravados e tendo sido precursora dos grandes movimentos do forró, inclusive na formação da formação de grupos do gênero, sofreu um acidente vascular cerebral no dia 5 de maio de 2007, vindo a falecer dez dias depois. Seu corpo foi sepultado em Campina Grande, onde a cantora iniciou a carreira. Sua morte causou consternação no universo do forró, tendo o Ministro da Cultura Gilberto Gil divulgado nota lamentando o fato: “O Brasil perdeu hoje sua rainha do forró, a primeira grande cantora nordestina que aparece nos anos 50, inaugurando um ciclo de ouro da voz feminina na música do nordeste”.
AZEVEDO, M. A . de (NIREZ) et al. Discografia brasileira em 78 rpm. Rio de Janeiro: Funarte, 1982.
Marinês merece – e sempre mereceu – todas as homenagens que nossos ouvidos, às vezes por demais urbanizados, se negam a prestar ao nordeste e a seu povo. Ainda sobre essa coisa abominável, que é o preconceito contra o simples, o puro, o visceral, a raiz, assaltou-me inda agorinha uma conversa lapidar com o sábio Luiz da Câmara Cascudo. Dele ouvi, numa das últimas visitas que lhe fiz em Natal, mais ou menos o seguinte:
“ – Mas, mestre, e esses críticos que ridicularizam a música de raiz, dizendo que raiz é mandioca crua, que só dá dor de barriga, se comida?”
“ – Não se avexe, não, meu filho. Esses pobres diabos não sabem nada de nada, ao propor frases idiotas para maus propósitos. E de mais a mais, comer macaxeira só faz bem e dá sustança, tanto quanto a música de raiz. Não esqueça que é ela que sustenta e molda o caráter nacional. Negá-la é negarem-se os pilotis do Brasil, para ficar só com o forro. Muitas vezes de material tão ruim, que qualquer ventinho mais afoito leva lá pros cafundós.”
Na semana seguinte, já no Rio, visitei outro brasileiro monumental, Luiz Gonzaga. Contei-lhe da conversa com Cascudo, que de imediato o comoveu. E enquanto Gonzaga desembaçava os óculos suados pela emoção incontida, fez-me um pedido surpreendente:
“ – Pois o senhor saiba que eu preciso de seu apoio para uma macaxeira de lei, pura raiz, que se chama Marinês, a quem estou convidando para uma turnê comigo pelo país todo.”
Os olhos, ou melhor, um dos olhos sadios do grande artista, o outro era quase cego, brilhou com intensidade enquanto discorria sobre Marinês. Pedi para ouvir alguns de seus LPs e lá fiquei todo um belo final de tarde na Ilha do Governador – Gonzaga morava num casarão perto da praia – apenas a ouvir Marinês e a testemunhar o encantamento do Rei do Baião pela futura Rainha do Forró.
Comecei a amar Marinês. Uma voz encorpada e cálida, uma presença exuberante e um repertório que só inclui as vísceras do nordeste sempre fizeram dela uma figura muito especial e vigorosa dentro da MPB.
Marines, na verdade, andou sumida um tempão pela falta de respeito aos valores permanentes, que prefere incensar bobagens passageiras como as garotas que cantam (cantam?) essa “pornô-music”, a “bunda-music” chinfrim e desqualificada.
Por isso tudo, saúdo daqui esses anos todos de permanência, respaldados em dignidade e correção. Marinês, além do que, é também rara porque quase solitária no seu matriarcado como cantora. O que quer dizer isso? Quer dizer duas coisas: primeiro, que Marinês, mesmo esquecida pelo volúvel eixo Rio – São Paulo, jamais deixou de fazer sucesso no nordeste inteiro, como única mulher envergando as ferramentas de gigantes do porte de Gonzaga e Jackson do Pandeiro.
E, finalmente, porque Marinês nunca cantou outra música que não fosse o forró, o xote, o baião, o coco. Ou seja, toda a visceralidade da força do nordeste. Sem concessão.
Ricardo Cravo Albin