Cantor. Compositor.
Foi o quinto de oito irmãos, dos quais apenas três sobreviveram à infância pobre. Os pais eram agricultores pobres e sem terra. Por volta dos seis anos de idade foi apelidado de “Pé de xote”, pois vivia pulando e dançando. Um de seus avós fora trazido de Angola como escravo e posteriormente fugiu. Chegou a perder a vaga no Grupo Escolar Oscar Galvão para dar lugar ao filho de um coletor de impostos. Auxiliava nas despesas da casa, vendendo balas, doces e bolos que a mãe fazia. Com 12 anos mudou-se com a família para São Luís, onde trabalhou vendendo laranjas nas ruas. Nesse período participou do Noite Linda, um grupo de bumba-meu-boi, como fazedor de versos, o chamado “amo”. De 14 para 15 anos fugiu de casa, indo de trem para Teresina, onde conseguiu emprego como ajudante de caminhão. Fazia viagens entre Fortaleza e Teresina. Um dia viajou até Salvador e resolveu ficar por lá, por estar mais perto do Rio de Janeiro, para onde tencionava ir. Mais tarde foi para Minas Gerais, onde trabalhou como garimpeiro na cidade de Teófilo Otoni, onde obteve dinheiro para a sonhada viagem à então capital da República. Foi para o Rio de Janeiro de carona em caminhão e arranjou emprego de pedreiro em Copacabana, numa obra na Rua Barão de Ipanema. Trabalhava e dormia na obra, visitando periodicamente as rádios, principalmente a Nacional, à procura de artistas que gravassem suas composições. Mostrava suas músicas a muitos artistas, inclusive à cantora Marlene e a Tom Jobim, que naquela época tocava piano num inferninho em Copacabana.
A Rua Sul, no bairro Rosa dos Ventos, em Nova Iguaçu, passou a se chamar Rua João do Vale, uma homenagem ao compositor e cantor que viveu naquela localidade por um bom tempo. Segundo relatos, inclusive, lá em Rosa dos Ventos recebia diversos amigos, entre os quais Chico Buarque.
Em 1953, teve a primeira composição gravada, o baião “Madalena”, lançado por Zé Gonzaga e que fez muito sucesso no Nordeste. Por essa época, conheceu Luiz Vieira na Rádio Tupi, que gostou de seus versos e ajudou a desenvolver suas músicas, tendo convencido, no mesmo ano, a cantora Marlene a gravar o baião “Estrela miúda”, parceria dos dois. Como o dinheiro recebido pelas primeiras gravações chegava a 200 mil-réis contra os 5 mil-réis que ganhava como pedreiro, abandonou a construção civil e resolveu dedicar-se à carreira artística. Surgiram outras gravações de composições suas. Em 1954, participou como figurante do filme “Mão sangrenta”, dirigido por Carlos Hugo Christensen. Nessa época fez amizade com o diretor Roberto Farias, para o qual faria posteriormente trilha sonora de alguns filmes, entre os quais “Mundo da lua”, de 1958.
Ainda em 1954, Araci Costa gravou a toada “Rio Guará”, com Luiz Vieira, Índio do Cavaquinho, pela Columbia, lançou o samba “Sem Amor”, com Monsueto, e Aldair Soares o baião “Canela Fina”, com Sílvio Trancoso. Em 1955, Luiz Vieira gravou o baião “Lenço da moça”, parceria dos dois, e Aldair Soares, pela Columbia, os baiões “Machucado”, com José Cândido e Marques Neto, “Aroeira”, com Alventino Cavalcanti e José Cândido, e “Cabelo De Boneca”, com Ernesto Pires e José Cândido. Em 1956, Dolores Duran gravou “Na asa do vento”, parceria com Luiz Vieira, que seria regravada por Caetano Veloso em 1975 no LP “Jóia”, e Luiz Bandeira, na Sinter, o “Forró do Cafundó”, com Luiz Bandeira. No mesmo ano, Luiz Vieira gravou os baiões “Forró do Furtuoso” e “Maria Filó (O Danado do Trem)”, parcerias dos dois, o Trio Marayá, no LP “Ouvindo o Trio Marayá”, da gravadora Sinter lançou os baiões “Maria Filó (O Danado do Trem)”, com Luiz Vieira, e “Pé do Lajeiro”, com José Cândido e Paulo Bangu, e Luiz Wanderley, o baião “O Segredo Da Dança”, com Vicente Longo Netto e Onaldo Araújo. Ainda em 1956, conheceu grande sucesso com o baião “O Canto da Ema”, com Alventino Cavalcanti e Aires Viana, lançado por Jackson do Pandeiro na gravadora Copacabana. Em 1957, Marlene gravou o samba “Minha candeia”, com Luiz Vieira, e o trio Vocalistas Tropicais, o samba “Não Vou Sofrer”, com José Batista e Raul Moreno. No mesmo ano, Ivon Curi gravou “Pisa na fulô”, xote de parceria com Silveira Júnior e Ernesto Pires, que foi um dos discos mais vendidos da época. A mesma composição seria ainda gravada por Marinês e sua Gente e por Zé Gonzaga e seu Conjunto, entre outros. Também no mesmo ano, Aldair Soares lançou pela Continental os baiões “Chofer De Caminhão”, com João Costa Neto, e “Pé do Lajeiro”, com José Cândido e Paulo Bangu. Ainda em 1957, sua composição “Peba na pimenta”, em parceria com José Batista e Adelino Rivera, integrou a trilha sonora do filme “Rico ri à toa”, dirigido por Roberto Faria. Na ocasião, a música foi interpretada por Marinês, acompanhada de Abdias dos Oito Baixos. O filme foi estrelado por Zé Trindade e teve participações de atores como Silvinha Chiozo, Violeta Ferraz, Oswaldo Louzada e Zezé Macedo. Também nesse ano, teve quatro composições gravadas pela cantora Marinês no LP “Vamos xaxar com Marinês e Sua Gente”, da gravadora Sinter: “Peba Na Pimenta”, com José Batista e Adelino Rivera, “Quero Ver Xaxar”, com Antônio Correia e Silveira Júnior, “Uricuri (Segredo Do Sertanejo)”, com José Cândido, e ” Pisa Na Fulô”, com Ernesto Pires e Silveira Júnior. Em 1958, Jair Alves lançou pela RCA Victor o baião “As Morenas Do Grotão”, com José Cândido, Luiz Wanderley pela Mocambo, o “Coco do F”, com Luiz Vieira, e Zé Gonzaga no LP “Danças e ritmos do Nordeste – Zé Gonzaga e Seu Conjunto, da gravadora Copacabana, o baião “Cada Um Sabe de Si”, com J. Ferreira e Silveira Júnior. No mesmo ano, a cantora Marinês, no LP “Aquarela nordestina”, da gravadora Sinter registrou os baiões “Maria Aurora”, com Silveira Júnior, “Pisa Na Fulô”, com Ernesto Pires e Silveira Júnior, “O Arraiá do Tibiri”, com Silveira Júnior, “O Menino do Pirulito”, com Adelino Rivera, e “Uricuri (Segredo Do Sertanejo)”, com José Cândido. Em 1959, Luiz Wanderley gravou na Chantecler o baião “Matuto Transviado”, com Luiz Wanderley.
Em 1960, “Os Óio de Anabela”, com Julinho, foi lançado por Marinês no LP “Marinês e sua Gente”, da RCA Victor. No mesmo ano, o instrumentista Julinho do Acordeom registrou o xote “Cantigueira Fulorô”, com Julinho do Acordeom, no LP “Nordeste alegre – Julinho do Acordeom e Seus Candangos”, do selo RCA Camden. Em 1962, teve mais cinco composições gravadas pela cantora Marinês, no LP “Outra vez Marinês”, da gravadora: RCA Victor: “Crochê”, com J. Ferreira, “Voz Geral”, com Ari Monteiro, “Baião de Viola”, com Flora Mattos, “Xote da Pipira”, com José Batista, e “Gavião”, com Oscar Moss. Há, ainda o baião “Tomada de Mossoró”, que não está em seu nome e sim no de Ari Monteiro e José Batista, dois notórios compradores de músicas. Nesse período fez parceria não oficial com Luiz Gonzaga, pois pertenciam a editoras diferentes, e assim as composições da dupla, “Sertanejo do Norte”, “De Teresina a São Luís”, “Pra onde tu vai, baião?” e “Fogo no Paraná” apareceram como sendo parceria com Helena Gonzaga, esposa de Luiz Gonzaga. Ainda em 1962, Luiz Gonzaga, no LP “Ô véio macho”, da RCA Victor, lançou “De Teresina A São Luís”. Em 1963, teve oito composições gravadas por Marinês, no LP “Coisas do norte”, da RCA Victor: “Balancero da Usina”, com Abdias Filho, “Coisas do Norte”, com Rosil Cavalcanti, “Sanharó” e “Sá Dona”, com Luis Guimarães, “Macaco Véio” e “Xote Melubico” , com J. B. de Aquino, “Deixei Minha Terra”, com Sebastião Rodrigues, e “Quatro Fia Fême”, com Ari Monteiro. No mesmo ano, apresentou-se em show no Sindicato dos Bancários, no Rio de Janeiro, onde foi assistido entre outros, pelo poeta Ferreira Gullar. Ainda em 1963, foi levado pelo compositor e sambista Zé Kéti para se apresentar no bar Zicartola, na Rua da Carioca, comandado pelo compositor da Mangueira, Cartola, e sua mulher, D. Zica, onde se reuniam compositores, que cantavam e apresentavam suas músicas. A convite de Sérgio Cabral passou a se apresentar no Zicartola toda sexta-feira. Por essa época começou a surgir a idéia de fazer o show “Opinião”. Recebeu convite de Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha, para fazer a parte nordestina, com Zé Kéti comandando a parte de samba. A estreia do show, com direção de Augusto Boal, aconteceu em 4 de dezembro de 1964, primeiramente com ele, Zé Keti e Nara Leão e posteriormente com Maria Bethânia, que eletrizou as platéias, interpretando “Carcará”, maior sucesso da carreira de sua carreira e verdadeiro hino contra a ditadura militar da época. O show foi apresentado ao longo de 1965 e 1966.
Em 1964, no LP “Sanfona do povo”, da RCA Victor, Luiz Gonzaga gravou os baiões ” Não Foi Surpresa”, com João Silva, e “Fogo do Paraná”, com Helena Gonzaga.
Em 1965, lançou pela gravadora Philips o LP “O poeta do povo”, com 12 composições de sua autoria pela primeira vez registradas em sua voz, incluindo o baião “Minha história”, uma autobiografia, além de “A Voz do Povo”, com Luiz Vieira, “Carcará”, com José Cândido, “Pra Mim Não”, com Marília Bernardes, “Peba Na Pimenta”, com José Batista e Adelino Rivera, “A Lavadeira e o Lavrador”, com Ari Monteiro, “Pisa Na Fulô”, com Ernesto Pires e Silveira Júnior, “O Jangadeiro”, com Dulce Nunes, “Fogo no Paraná”, com Helena Gonzaga, “Ouricuri (Segredos do Sertanejo)”, com José Cândido, ” O Bom Filho à Casa Torna”, com Eraldo Monteiro, e “Sina de Caboclo”, com J. B. de Aquino. No mesmo ano, o baião “Despedida de Amargar”, com Luis Guimarães, foi gravado por Marinês, no LP “Meu benzim”, gravadora: RCA Victor. Ainda em 1965, o samba “A Voz do Povo”, com Luiz Vieira, recebeu regravaçoes de Lana Bittencourt, no LP “Lana no 1800”, da Philips, e de Alaíde Costa. No mesmo ano o Trio Mossoró gravou pela Copacabana o baião “Quem Foi Vaqueiro “, com Luis Guimarães, que deu título ao LP que incluiu ainda o registro de “Carcará”. Também no mesmo período foi lançado o LP gravado ao vivo com as músicas do show Opinião e no qual constam suas composições “Peba Na Pimenta”, “Pisa Na Fulô”, “Carcará” e “Sina de Caboclo”. Ainda em 1965, Marinês, até aquele momento sua maior intérprete, gravou o xote “Despedida de Amargar”, com Luis Guimarães, para o LP “Meu benzim”, da RCA Victor.
Em 1966, estrelou ao lado de Nélson Cavaquinho e Moreira da Silva o show “A voz do povo”. Em 1969, fez a trilha sonora do filme “Meu nome é Lampião”, direção de Mizael Silveira. Em 1967, lançou pela Philips um compacto duplo com as composições “Eu Chego Lá”, com Abel Silva, ” Sanharó”, com Luis Guimarães, “Eu Vim Praí”, com Manoel Euzébio, e “Viva Meu Baião”, com Vezo Filho.
Em 1970, Tim Maia gravou e fez bastante sucesso com “Coronel Antônio Bento”, parceria com Luiz Vanderley.
Em 1972, Ivon Curi gravou em compacto simples o xote “É De Dois, Dois”, com Jesus Santana. Em 1973, o Terra Trio e Maria Bethânia gravaram o baião “Cariri”, incluído no LP “Nova bossa nova”, da gravadora MPS Records da Alemanha. Em 1975, apresentou ao lado dePaulinho Guimarães no Teatro de Arena o espetáculo “Se eu tivesse o meu mundo”. Em 1974 Gilberto Gil gravou no LP “Expresso 2222” a música “O canto da ema”, numa interpretação marcante. Em 1975, participou de nova montagem do show “Opinião”, com Zé Kéti e Marília Medalha, com direção de Bibi Ferreira. No mesmo ano, foi aos Estados Unidos a convite do professor Earl W. Thomaz, da Universidade de Vanderbilt, em Nashville, para falar a professores de Português a respeito das expressões sertanejas que usava em suas músicas. Fez tanto sucesso que foi convidado a voltar, Foi apontado como referencial de literatura e arte popular brasileiras e recebeu da Universidade norte americana o título de Mestre em Cultura Popular. Em 1976 apresentou o show “E agora João?”. Em 1977, Oswaldinho do Acordeon, no LP “Forró Pop”, do selo Som/Copacabana, gravou o baião Catingueira Fulorô”, com Julinho. Em 1978, passou a apresentar o “Forró forrado”, que por dez anos marcou época na música popular brasileira, sempre com casa lotada e com inúmeros convidados levados por ele, entre os quais, Chico Buarque, Fagner, Mercedes Sosa, Elba Ramalho, e Clara Nunes. Entre 1979 e 1980, chegou a percorrer 40 cidades, realizando shows ao lado de Zé Ramalho. Em 1979, “A Voz do Povo” foi gravada por Ivan Lins no LP “A noite”, da EMI-Odeon. Ainda em 1979, realizou no Teatro Artur Azevedo, em São Luiz o histórico show “Se eu tivesse meu mundo”, sendo ovacionado pelo público que cantou com ele todos os seus sucessos. Em 1980, participou ao lado de Chico Buarque e outros artistas, do Projeto Calunga, que realizou inúmeras apresentações em Angola. Em 1981, Chico Buarque organizou o disco “João do Vale convida”, com a participação de Nara Leão, Tom Jobim, Gonzaguinha e Zé Ramalho, entre outros, cujo lançamento ocorreu no Forró Forrado. Nesse LP foram feitos seu últimos registros cantando pois não voltaria a gravar outro disco. Cantou sozinho as músicas “Na Asa do Vento”, ” Morena do Grotão” e “Minha História”. Nas outras faixas cantou com convidados especiais, com Tom Jobim, “Pé do Lajeiro”, com Amelinha, “Estrela Miúda”, com Fagner, “Bom Vaqueiro”, com Jackson do Pandeiro, “O Canto da Ema”, com Chico Buarque, ” Carcará”, com Zé Ramalho, “Morceguinho (O Rei da Natureza)”, com Clara Nunes, ” Oricuri (Segredo do Sertanejo)”, com Gonzaguinha, “Fogo no Paraná”, com Nara Leão, “Pipira”, e, com Alceu Valença, “Pisa Na Fulô”. No mesmo ano, foi convidado por Chico Buarque para participar de uma excursão de duas semanas à Cuba. Juntos foram ainda os artistas Clara Nunes, Paulo César Pinheiro, João Bosco, Djavan, MPB 4, Carlinhos Vergueiro, Olivia Byington, Kleiton e Kledir e Nara Leão. Por essa época, seu filho Riva do Vale organizou o evento Sambaião, misturando música nordestina e samba. Apresentou-se com Clementina de Jesus, com ela cantando xotes e ele cantando sambas. Entre 1984 e 1987, apresentou-se ao lado de Ze Kéti, Julinho do Acordeom, Os Suburbanos e Xangô da Mangueira no projeto Rio Boa Praça, produzido e dirigido pela atriz e cantora Vanja Orico. Em 1985, participou com Carlinhos Vergueiro do show inaugural do Projeto Pixinguinha, seis e meia na Sala Adoniran Barbosa em São Paulo. Em 1986, participou ao lado de Maria Bethânia, Zé Kéti, Suzana de Moraes e Marília Medalha no Teatro Carlos Gomes do espetáculo de rememoração da re montagem do show “Opinião”.
Em 1991, apesar das dificuldades na fala, decorrência do derrame sofrido, gravou depoimento para o Museu da Imagem e do Som. Em 1992, foi homenageado com um show no Teatro da Praia Grande em São Luiz. Em 1994, Chico Buarque voltou a produzir disco de João do Vale, intitulado “João Batista do Vale”, que recebeu no ano seguinte o Prêmio Sharp de Melhor Disco Regional. O LP contou com a participação de diversos artistas interpretando músicas de sua autoria, o próprio Chico Buarque, que interpretou “Minha história”, Fagner, “Na asa do vento”, Alceu Valença, “De Terezina a São Luiz”, Paulinho da Viola, “A voz do povo”, Alcione, “Pisa Na Fulô”, Edu Lobo, “Carcará”, Miúcha, “Pipira”, Zé Ramalho, “O Canto da Ema”, Ivon Curi, “Forró do Beliscão”, Maria Bethânia, “Estrela Miúda”, João Bosco, “As Morenas Do Grotão”, Marinês, “Peba Na Pimenta”, Quinteto Violado, “Uricuri (Segredo Do Sertanejo)”, Geraldo Azevedo, “Matuto Transviado”, Luiz Vieira, “Maria Filó (O Danado do Trem)”, e Ednardo , “O Bom Filho à Casa Torna”. No mesmo ano foi homenageado pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro com a medalha Pedro Ernesto.
Em 2000, foi lançada pela Editora Lumiar a sua biografia, de autoria do escritor e crítico musical Marcio Paschoel e intitulada “Pisa na fulô, mas não maltrata o carcará”. Em 2004, foi homenageado pela Prefeitura de Nova Iguaçu que criou o selo Nova Iguaçu Discos e produziu o CD “Carcarás da Cidade – Um tributo a João do Vale” no qual 15 composições do artista maranhense que morou por mais de 20 anos na cidade, foram interpretados por artistas locais, entre as quias, “Avisa minha nega”, por Jairo Bráulio; “O canto da ema”, por Ilton Manhães; “Uricuri (Segredo do sertanejo)”, por Carine Mascarenhas; “Carcará”, pelo Grupo Elemento e “Peba na pimenta”, por Heitor Neguinho. No mesmo ano, o xote “Amar Quem Eu Já Amei”, com Libório, foi gravado em dueto por Zé Ramalho e Ivete Sangalo no CD “Duetos – Zé Ramalho”, da BMG Brasil.
Em 2006, por ocasião do décimo aniversário de sua morte, foi homenageado com o musical “João do Vale, o poeta do povo”, apresentado em temporada no teatro Glauce Rocha, no Rio de Janeiro, com texto e direção de Maria Helena Kuhner. O espetáculo mostrou enredo baseado na biografia do compositor escrita por Márcio Paschoal e contou com os atores Deuclideo Gouvêa, Rubens de Araújo e Marcê Porena. Após a temporada no Glauce Rocha, o espetáculo rumou para o Teatro Sesi, de Nova Iguaçu (RJ), cidade em que morou o compositor. Em seguida, teve duas apresentações especiais, em dias seguidos, no Teatro Baden Powel, em Copacabana, no Rio de Janeiro, com casa lotada.
O sucesso do musical “João do Vale, o poeta do Povo” gerou a formação do grupo “Os Carcarás”, que teve seu núcleo montado pelos músicos que nele tocaram, com especial dedicação a interpretação de obras do compositor maranhense. Ainda em 2006, o grupo apresentou o show conceitural, “Na Asa do Vento”, mostrando diversas obras do repertório do compositor, entre as quais, clássicos como “Carcará”, “Pisa na fulô”, “Coronel Antônio Bento”, “Na asa do vento” e “Canto da Ema”. A banda, além da tradicional utilização do triângulo e da zabumba – acrescenta, em sua performance do espetáculo “Na asa do vento”, variados instrumentos, como o violino, a flauta transversa, a flauta doce sopranino, o pífano, o violão de 12 e 6 cordas, a viola caipira, a gaita de boca, o bumbo leguero, o tambô de crioula e o pandeirão – toda essa gama sonora, valorizada ainda mais pelos arranjos originais. No espetáculo, sua música foi vestida com uma nova roupagem, trazendo características do movimento armorial nordestino com pinceladas de música de câmera. O musical, apresentado no Clube de Engenharia, situado à Avenida Rio Branco, no centro do Rio de Janeiro, teve roteiro, direção musical e arranjos, assinados por Marcos Aureh e contou com a apresentação do pesquisador Sérgio Cabral. Ainda em 2006, recebeu homenagem de seu conterrâneo, o cantor e compositor Tião Carvalho, através do CD “Tião canta João”, lançado pela Atração. No repertório do álbum, constaram ritmos que permearam a carreira dos dois artistas, entre eles, o samba, xote, baião, bumba-meu-boi e tambor de crioula, com releituras das composições “Todos Cantam a Sua Terra”, “De Teresina A São Luís”, com a participação especial de Zeca Baleiro, ecitação incidental de “O Trenzinho Caipira”, de Villa-Lobos, “Baião de Viola”, “Peba Na Pimenta”, “Maria Filó (O Danado do Trem)”, “Sanharó”, “Bom Vaqueiro”, “Matuto Transviado”, “Oricuri (Segredo do Sertanejo)”, “A Voz do Povo”, que contou com a participação do grupo Divina Batucada, “Forró do Beliscão”, “Carcará”, “Os Óio de Anabela”, com participação do Trio Virgulino, e “Eu Chego Lá”. No mesmo ano, o baião “Carcará”, na voz de Maria Bethânia, foi incluído na trilha sonora do filme “O sol: caminhando contra o vento”. Em 2008, a cantora Elba Ramalho regravou o xote “Estrela miúda”, no DVD “Raízes e antenas”. Em 2010, “Caracará”, na interpretação de Zé Ramalho fez parte da trilha sonora do filme “O bem amado”. No mesmo ano, a cantora Cássia Eller, no CD “Viloões”, regravou o baião “Coroné Antônio Bento”.
Em 2018, foi homenageado em São Luiz, com o espetáculo “João do Vale – O musical: Um gênio improvável”, com patrocínio do governo do estado do Maranhão.
Deixou mais de 300 composições gravadas por diversos artistas, entre os quais Marinês, Fagner, Zé Ramalho, Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nara Leão, Maria Bethânia, Tim Maia, Ivon Curi, Alaíde Costa e Tião Carvalho. Recebeu o epíteto de “O poeta do povo”.
ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular Brasileira – Criação e Supervisão Geral Ricardo Cravo Albin. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural Cravo Albin e Editora Paracatu, 2006.
AMARAL, Euclides. Alguns Aspectos da MPB. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2008. 2ª ed. Esteio Editora, 2010. 3ª ed. EAS Editora, 2014.
AZEVEDO, M. A . de (NIREZ) et al. Discografia brasileira em 78 rpm. Rio de Janeiro: Funarte, 1982.
MARCONDES, Marcos Antônio. (ED). Enciclopédia da Música popular brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed. São Paulo: Art Editora/Publifolha, 1999.
PASCHOAL, Marcio. Pisa na fulô, mas não maltrata o carcará. Rio de Janeiro: Lumiar, 2000.
Quando Cirilo e Leovegilda do Vale, camponeses de Pedreiras, sertão do Maranhão, surpreenderam o filho João, de cinco anos, cantando os temas do Boi Bumbá, estavam ainda longe de suspeitar que aquele menino se tornaria um dos maiores nomes da música popular nordestina. Ponho-me a imaginar um país que desse aos seus cidadãos iguais oportunidades ou um mínimo de chance de educação. Analfabeto, negro, pobre e sertanejo, João do Vale sofreu na pele toda a sorte (melhor seria dizer azar) de mazelas e preconceitos. Mas não suficientes para deter sua prodigiosa veia artística e o dom divino da melhor poesia. Edu Lobo chamava simplesmente de puro talento. Chico Buarque foi seu admirador e depois protetor. Toda uma geração de artistas nordestinos que viria a seguir beberia da sua fonte, como Fagner, Alceu, Geraldinho e Zé Ramalho, ou os pós-modernos Chico César, Zeca Baleiro, Lenine, Carlos Malta, entre outros. O maranhense João do Vale chegou ao Rio em 1950, com 17 anos, para trabalhar como ajudante de obras e, nos raros momentos de folga, rabiscava suas poesias. Trabalhando numa obra em Copacabana, todas as noites, depois do trabalho, batia ponto nas rádios Nacional e Tupi. Com o destino dando uma mãozinha, foi apresentado a Luiz Vieira, que prometeu dar uma olhada nos seus versos. O sucesso da parceria foi imediato. Disposto a apresentar suas próprias canções, João começou então a aparecer no bar carioca ZiCartola, onde conheceu Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, que o convidou para fazer parte do lendário show “Opinião”, ao lado de Zé Kéti e Nara Leão. A partir daí, gravou seu LP “A Voz do povo” e teve mais dois discos produzidos por Chico Buarque, além das famosas canjas no Forró Forrado, no Catete. Em conseqüência de um derrame cerebral e suas complicações, em dezembro de 1996, morria o poeta do povo, deixando como principal legado um exemplo de vida simples, seu jeito anárquico, irreverente e sua gargalhada irresistível. Um cantador genuíno e brasileiro que representou o grito contido das massas contra todo o tipo de injustiça social. E de quebra, ainda se transformou num dos maiores nomes da música nordestina de todos os tempos.
Márcio Paschoal