Compositor. Poeta. Escritor. Teatrólogo. Ator. Radialista. Natural do Rio de Janeiro, nasceu na Rua do Resende, nº 150, no bairro da Lapa. Filho único do maestro Antônio Lago e de Francisca Maria Vicencia Croccia Lago, conhecida na intimidade como Chiquinha, filha de uma imigrante da região da Calábria (Itália), d. Maria. Seus avôs, tanto o materno, Giuseppe Croccia, quanto o paterno, José Lago, eram músicos. Seu avô materno teve grande influência na sua trajetória artística. Costumava levá-lo pelas ruas da cidade e às reuniões da maçonaria, fato que irá influenciar de forma definitiva as idéias do neto na juventude. Freqüentava, também com o avô, os chopes da Lapa, onde ficou conhecendo a vida cultural da época.
O ambiente musical sempre o seduziu, e muitas vezes se encontrava com seu pai em seus locais de trabalho, principalmente nas salas de espera dos cinemas da época, como o Cine Odeon. Apesar de viver da música, o pai nunca o incentivou a seguir a vida artística da mesma maneira que ele, pois sabia as dificuldades que enfrentaria: uma vida de altos e baixos. Queriam, sim, ele e sua mãe, que seguisse um caminho mais requintado: a boa música. Estudou piano desde os 7 anos com Lucília Villa-Lobos, pois os pais o queriam concertista. Porém, aos 13 anos, depois de assistir a um concerto de Arthur Rubinstein no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, decidiu abandonar o projeto de ser pianista. Concluiu que teria de abdicar de muita coisa para atingir o nível daquele intérprete. A partir daí passaria a inclinar-se para o samba e para a vida boêmia. Declararia certa vez: “A Lapa foi o chão de todos os meus passos. Na busca de caminhos e no encontro de atalhos… Conheci-a em muitas realidades e em diversos tempos”.
Estudou no Colégio Pedro II entre os anos de 1923 e 1926 onde participou, como líder, de uma greve e concluiu o ginasial no Curso Superior Preparatório. Com 15 anos publicou o primeiro poema, “Revelação”, na revista “Fon fon”. Formou-se em Direito em 1933, por insistência familiar, mas só exerceu a profissão durante três meses. Chegou a trabalhar como funcionário da Seção de Estatísticas Socias e Culturais do Departamento de Estatísticas do Rio de Janeiro, de 1938 a 1940. Nesse ano foi nomeado membro do Conselho do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mas não tomou posse. Sua trajetória de vida sempre foi traçada pela intensa militância política. Fez parte dos quadros do Partido Comunista Brasileiro por 50 anos como o Companheiro Pádua, fato que lhe rendeu represálias nos tempos da ditadura Vargas e da ditadura militar, incluindo algumas prisões.
Casou-se em 1947 com Zeli, filha do dirigente comunista Henrique Cordeiro, com quem teve cinco filhos: Mariozinho, Graça; Vanda; Antônio Henrique e Kakalo.
Em 1964, foi um dos primeiros nomes a encabeçar a famosa lista de inimigos do regime militar, sendo até cassado, com outros companheiros, de suas funções na Rádio Nacional. Em 1998, atuou como âncora dos programas eleitorais do candidato do PT Luís Inácio Lula da Silva á presidência da República.
Faleceu em casa conforme seu pedido, aos 90 anos, de falência múltipla dos órgãos. Para seu velório foi aberto o palco do Teatro João Caetano onde vivera importantes momentos como ator. Até o fim da vida manteve intensa atividade política e mesmo doente chegou a se engajar na campanha presidencial apoiando o então candidato Luís Inácio Lula da Silva do PT, partido ao qual havia se ligado desde 1989.
Em dificuldades financeiras devido ao baixo valor de sua aposentadoria especial, teve ajuda dos amigos e admiradores que organizaram o “Movimento Viva Mário Lago” para uxiliar os filhos no custeio das despesas hospitalares. .
Ainda cursando a faculdade de Direito, começou a escrever, em parceria com Álvaro Pinto, duas revistas para o teatro: “Figa de Guiné” e “Grande estréia”. Em 1935, teve sua primeira composição gravada a marcha “Menina eu sei de uma coisa”, com Custódio Mesquita, inspirada numa socialaite que estaria atuando como garota de programa no Hotel Glória. A música foi gravada por Mário Reis. Pouco mais de um mês depois, a marcha “Podia ser melhor”, também com Custódio Mesquita, foi lançada na Odeon por Aurora Miranda. Escreveu com Custódio Mesquita a peça “Sambista da Cinelândia”, que foi encenada na Casa de Caboclo, de Duque, em 1936. Era a primeira vez que a temática do samba aparecia em uma revista de costumes. Para a peça, compôs alguns números musicais com Custódio Mesquita entre os quais o samba “Sambista da Cinelândia”, gravado por Carmen Miranda. Nesse ano, teve a marcha “É noite”, em parceria com Custódio Mesquita, gravada Aurora Miranda pela Odeon. Em 1937, estreou no Teatro Recreio a revista “Rumo ao Catete”, em parceria com Custódio Mesquita. Um dos números musicais da peça, o fox “Nada além”, tornou-se sucesso nacional na voz de Orlando Silva, que a gravou em 1938 pela Victor. Nesse ano, seu samba “Covardia”, com Ataulfo Alves, foi gravado por Nuno Roland na Odeon. Também na Odeon, Almirante gravou o samba “Você pensa”, com Roberto Martins, e na Victor, Sílvio Caldas lançou o samba “Na mão direita”, com Nássara.
Em 1939, Francisco Alves gravou o samba “Que tem você”, com Roberto Martins; Almirante a marcha “O que é que me acontecia”, com Benedito Lacerda, e o samba “Não quero chorar”, com Roberto Martins, na Odeon. Nesse ano, fez sucesso com o fox “Dá-me tuas mãos”, com Roberto Martins, gravado por Orlando Silva que registrou também a valsa “Número um”, com Benedito Lacerda. Ainda nesse ano, o fox “Dá-me tuas mãos” foi regravado por Laurindo de Almeida e Garoto.
Em 1940, teve o fox-trot “O homem mais feliz do mundo” e a valsa “Devolve” gravadas por Carlos Galhardo , sendo que a valsa “Devolve” tornou-se outro sucesso.
Em 1941, sua marcha de carnaval “Aurora” fez grande sucesso com a dupla Joel e Gaúcho que a gravou na Columbia. Essa marcha havia sido composta um ano antes, em parceria com Roberto Roberti. Carmen Miranda a incluiu em seu repertório, divulgando-a nos Estados Unidos, onde teve 17 gravações. A marcha fez tanto sucesso, que recebeu letra em inglês, com versão gravada pelas Andrew Sisters também em 1941 em número incluído no filme “Segure o Fantasma”, da dupla Abbot & Costello. Nesse ano, Orlando Silva gravou o choro “Mentirosa”, com Custódio Mesquita; Carlos Galhardo a valsa “Não quero saber”, e Francisco Alves a marcha-rancho “Numa noite assim”; com Alberto Ribeiro; os Anjos do Inferno o samba “Ela mandou me avisar”, com Rubens Soares; Rosina Pagã o choro “Tabuleiro de ilusão”, com Roberto Martins; Isaura Garcia o choro “Chega de tanto amor”; Arnaldo Amaral a marcha “Eu quero ver é a pé”, com Roberto Roberti, e Carlolina Cardoso de Menezes regravou ao piano a marcha “Aurora”, em ritmo de fox.
Em 1942, lançou um de seus maiores sucessos, o samba “Ai que saudades da Amélia”, composta em parceria com Ataulfo Alves. Para divulgá-lo, recorreu a uma dupla famosa de disc-jóqueis da época – Júlio Lousada e Xavier – que em 24 horas tornaram a música um sucesso em toda a cidade do Rio de Janeiro. Gravado pelo próprio Ataulfo Alves e suas pastoras na Odeon, esse samba acabou criando uma neologismo da língua portuguesa: amélia, que figura como verbete do dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, significando mulher paciente, submissa, escravizada. A personagem que inspirou o samba existiu e foi lavadeira da família de Aracy de Almeida. A idéia do samba surgiu em uma brincadeira do irmão de Aracy, o Almeidinha, que costumava dizer: “Qual nada. Amélia é que era mulher de verdade…”. O samba foi aclamado vencedor do carnaval de 1942, no campo do Fluminense, juntamente com outro samba, “Praça Onze”, de Herivelto Martins e Grande Otelo. Foi também em 1942 que estreou como ator no teatro na peça “O Sábio”, da Companhia de Joraci Camargo. Nesse ano, seu fox “Mais um minuto apenas”, com Newton Teixeira, foi gravado na Victor por João Petra de Barros. Teve ainda a valsa “A mulher que eu tanto adoro”, parceria com o russo Georges Moran gravada por Carlos Galhardo, também na Victor.
Em 1943, Déo gravou na Columbia o samba “Talvez digam que é vaidade”, com Nássara. Em dezembro desse ano, teve o samba “Atire a primeira pedra”, com
Ataulfo Alves, lançada por Orlando Silva para o carnaval do ano seguinte, quando obteria grande sucesso. Este samba foi cantado por Emilinha Borba no filme “Tristezas não pagam dívidas” e, segundo o autor, o responsável pelo único pileque da vida de Ataulfo Alves. Ao chegar no Café Nice depois de constatar o sucesso do samba, encontrou o parceiro meio alto, que foi logo lhe dizendo: “Parceiro, estamos outra vez na boca do povo…”. Em 1944, começou a trabalhar como radialista na Rádio Pan-Americana de São Paulo. Em 1945, seu samba “Cuidado com o andor”, com Marino Pinto, foi gravado pelo grupo Anjos do Inferno. Nesse ano, ingressou na Rádio Nacional do Rio de Janeiro nela permanecendo por três anos.
Em 1946, obteve êxito com o samba-canção “Fracasso”, gravado por Francisco Alves. Ainda nesse ano, Luiz Gonzaga gravou apenas de forma instrumental as valsas “Devolve” e “Não quero saber”. Teve também o samba “Para que mais felicidade”, com Ataulfo Alves, gravado por Ataulfo Alves e Suas Pastoras; o samba “Não me olhe assim”, com Erasmo Silva, lançado por Nelson Gonçalves; o samba “Deixa falar”, com Roberto Martins, gravado por Linda Batista, e o fox-trot “Incerteza”, por Carlos Galhardo, todos na Victor. E os sambas “E ela não voltou” e “Destino traçado”, com Erasmo Silva, além do fox “Ave Maria” gravados na Continental po Sílvio Caldas. No ano seguinte, novo êxito, com o samba “Gilda”, em parceria com Erasmo Silva, gravado por Sílvio Caldas. Em 1948, passou a atuar na Rádio Mayrink Veiga e no ano seguinte, na Rádio Bandeirantes de São Paulo.
Em 1950, o samba “Um gesto…uma frase”, com Roberto Martins, foi gravado por Carlos Galhardo e o samba “Que mulher infernal”, com José Batista, pelos Anjos do Inferno. Nesse ano, retornou para a Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Foi também responsável por muitos programas e novelas, tais como “Lendas do Mundo”, “Romance Kolynos” e a novela “Presídio de mulheres”. Em 1951, foi o produtor do programa “Dr. Infezulino”. Em outro programa produzido por ele, “Largo da Harmonia”, criou um personagem muito popular na época, o Jacó de uma palavra só.
Ainda em 1951, teve o samba “Todo mundo me condena”, gravado por Fernando Barreto na Odeon. Nesse ano, uma inédita parceria sua com o pai Antônio Lago, então já falecido, o samba “Não tenha pena morena”, foi gravada por Jorge Goulart na Continental. No ano seguinte, seu samba “Covarde”, com Valdemar de Abreu, o Dunga, foi gravado na Continental por Ruy Rey e Sua Orquestra, e o samba “Adeus orgia”, com Roberto Martins, foi lançado na mesma gravadora por Carmélia Alves.
Em 1953, novo sucesso com “É tão gostoso seu moço”, um samba-choro em parceria com Chocolate, gravado por Nora Ney. Fez nesse ano com Getúlio Macedo a valsa “Tanta mentira” gravada por Carlos Galhardo. Embora seu repertório se constituísse principalmente de sambas, marchas e fox-canção, não deixou de entrar na moda do baião e em 1953 compôs com Chocolate o baião “Bobagem gostosa”, gravado por Ivon Curi na RCA Victor. Ainda nesse ano, atuou no filme “Balança, mas não cai”, de Paulo Vanderlei. No ano seguinte teve êxito com o samba-canção “Rua sem sol”, em parceria com Henrique Gandelman, tema principal do filme homônimo dirigido por Alex Viany, gravado por Ângela Maria. Ainda em 1954, fez com Chocolate o samba-canção “Eu sei que você não presta”, gravado por Vera Lúcia na Odeon, além do também samba-canção “Coitado dele” gravado por Jorge Goulart na Continental. Também nesse ano, o samba “Ai que saudades da Amélia”, foi regravado ao piano por Carolina Cardoso de Menezes. Nesse ano, começou a atuar na TV no programa “Câmera-Um”, da TV Rio.
Em 1955, teve a “Canção pra broto se espreguiçar” gravada por Dircinha Batista. No ano seguinte, Cauby Peixoto regravou com sucesso o fox “Nada além”. Em 1958, teve a música “Obrigado por tudo” , com Bruno Marnet, gravada por Carlos Galhardo no LP “Carrossel de melodias”, da RCA Victor. Uma de suas últimas composições foi o samba “Três sorrisos”, com Chocolate, gravado por Peri Ribeiro em 1962.
Foi contratado em 1966, como ator, pela TV Globo, onde atuou em dezenas de novelas: “Cuca legal”, “Pecado capital”, “O casarão”, “Brilhante”, entre outras. Sua estréia como ator de telenovelas foi em “O sheik de Agadir”. Em 1967, participou do filme “Terra em transe”, de Glauber Rocha. Em 1973, sua valsa “Será” foi regravada por Carlos Galhardo no LP “E o destino desfolhou” lançado pela Odeon. Nesse ano, participou do filme “São Bernardo”, de Leon Hiszman. Em 1974, teve o samba-canção “Fracasso” gravado pela cantora Núbia Lafayette, em LP da CBS. Em 1975 publicou “Chico Nunes de Alagoas”, obra de pesquisa folclórica pela Editora Civilização Brasileira. Publicou, em 1976, o livro “Na rolança do tempo”, pela Editora Civilização Brasileira e, no ano seguinte, “Bagaço de beira-estrada”, pela mesma editora. Em 1978, gravou o LP “Retrato”, lançado pela gravadora Continental com 16 músicas, entre as quais “Gilda” e “Leva meu coração”, com contracapa do radialista Paulo Tapajós.
Em 1986 publicou o livro “Meia porção de sarapatel” pela Editora Rebento. Em 1991, recebeu homenagem pelos seus 80 anos, quando a família publicou “Segredos de família”. Nesse ano, sua obra foi revisitada no disco “Nada além” lançado pela Som Livre com uma mescla de antigas e novas composições suas nas vozes de Gal Costa; Paulinho da Viola; Alcione; Nelson Gonçalves; Zeca Pagodinho; D. Ivone Lara; Elton Medeiros; Mestre Marçal; Ney Matogrosso; Eduardo Dussek; Raphael Rabello e Sandra de Sá, entre outros. Em 1997, apresentou algumas composições inéditas no espetáculo “Causos e canções de Mário Lago”. Nesse ano, teve publicada sua biografia, “Mário Lago – boêmia e política”, escrita por Mônica Veloso, pela Editora Fundação Getúlio Vargas. No mesmo ano o compositor Gilberto Gil o homenageou com a música “O mar e o lago”, cuja letra foi escrita em 1985. Ainda em 1997, seu filho Mário Lago Filho, dirigiu o espetáculo “Causos e canções de Mário Lago”, no Teatro Café Pequeno, no Rio de Janeiro, onde o próprio pai apresentava suas histórias, com músicas cantadas por Chamom. O espetáculo foi montado em várias cidades brasileiras.
Em 2001, seu livro de memórias “Reminiscências do sol quadrado”, originalmente publicado pela editora Civilização Brasileira, foi relançado. Nele, o compositor e ator conta como foram os três meses que passou na cadeia após o golpe de 1964. Em janeiro de 2002, recebeu em sua casa a Medalha do Mérito Legislativo, homenagem da Câmara dos Deputados pelos seus 90 anos completados em novembro de 2001. Poucos dias depois, em entrevista ao Jornal do Brasil, afirmou ter feito um acordo com o tempo:”Nem ele me persegue nem eu fujo dele”, disse. Ainda em 2002, anunciou estar escrevendo um novo livro de memórias: “Meus tempos de moleque” do qual chegou a redigir 200 páginas. Seu último trabalho foi uma participação especial na novela “O clone”, da TV Globo.Também nesse ano, o selo Revivendo lançou em sua homenagem o CD “Mário Lago 90″, com 21 consagradas composições suas nas vozes de Orlando Silva, Carmen Miranda, Francisco Alves, Sílvio Caldas, Luiz Barbosa, Aurora Miranda e outros. Estão presentes no disco clássicos como Ai que saudades da Amélia”, com Ataulfo Alves; “Aurora”, com Roberto Roberti; “Número um”, com Benedito Lacerda; “Se essa rua fosse minha”, com Roberto Martins; “Seja feliz!…”, com Custódio Mesquita; “Sambista da Cinelândia” e “Mentirosa”, com Custódio Mesquita, além de “Fracasso”, “Devolve”; “Pensa um minuto em mim” e “Como é que ficou o céu”, apenas de sua autoria.
Teve músicas registradas por grandes intérpretes da música popular brasileira, tais como Lúcio Alves, Peri Ribeiro, Elizeth Cardoso, Carmélia Alves, Jorge Goulart, Gilberto Alves, Nélson Gonçalves, Linda Batista e muitos outros que gravaram cerca de 140 de suas composições. Como ator atuou em mais de 100 filmes, novelas e minisséries. Sobre ele assim escreveu a pesquisadora Mônica Velloso e autora do livro sobre o compositor: “Mário é uma síntese da história da mídia neste século. Começou no teatro de revista, fez rádio, cinema e depois ingressou na TV.” Numa de suas entrevistas disse: “Mantenho-me jovem porque sou comunista. O comunismo sempre foi a juventude do mundo”. Em 2006, foi homenageado no espetáculo “Ai, que saudade do Lago! – Um olhar sobre a vida e a obra de Mário Lago”, com texto de Marcos França e direção de Joana Lebreiro, e com as participações dos atores Marcos França, Claudia Ventura e Alexandre. O musical apresentado no Centro Cultural dos Correios no Rio de Janeiro recriou a vida e a obra do compositor revisitando seu legado musical. Em 2011, foi lançado pelo selo Discobertas em convênio com o ICCA – Instituto Cultural Cravo Albin a caixa “100 anos de música popular brasileira” com a reedição em 4 CDs duplos dos oito LPs lançados com as gravações dos programas realizados pelo radialista e produtor Ricardo Cravo Albin na Rádio MEC em 1974 e 1975. No volume 3 estão incluídos seus sambas “Atire a primeira pedra”, com Ataulfo Alves, na interpretação de Zezé Gonzaga e As Gatas; e “Ai que saudades da Amélia”, com Ataulfo Alves na interpretação de Gilberto Milfont e As Gatas. Ainda em 2011, por ocasião do centenário de seu nascimento recebeu inúmeras homenagens, tais como o lançamento do site “Mário Lago 100 anos – O homem do século XX”, e programas especiais sobre sua vida e obra como “Painel da manhã” apresentado por Jorge Ramos na Rádio Roquete Pinto, e que contou com as participações especiais do radialista Gerdal Renner dos Santos, do pesquisador Paulo Luna, e do poeta e agitador cultural Jorge Salomão. No mesmo ano, foi promovido pela Casa de Rui Barbosa e pelo Museu da Imagem e do Som um seminário reunindo nomes como a pesquisadora Mônica Veloso, que na ocasião lançou o livro “Mário Lago: boemia e política”, o ator Gracindo Jr. E o jornalista Sérgio Cabral, além de um show de “causos e canções” apresentado por seu filho Mariozinho Lago e Chamom, com a interpretação de obras como “Nada além”, “Ai, que saudades da Amélia” e “Atire a primeira pedra”, entre outras. Em 2012, foi homenageado pelo bloco Cordão do Boitatá que cantou suas músicas no show apresentado no domingo de carnaval na Praça Quinze. No mesmo, foi homenageado com a exposição “Eu Lago sou – Mário Lago, um homem do século XX”, no Arquivo Nacional, Praça da República, Centro do Rio de Janeiro. Na ocasião foi feita uma roda de samba com a interpretação de composições suas como “Nada além”, com Custódio Mesquita, “Covardia”, com Ataulfo Alves, e “Mulher infernal”, essa última feita por ele para a mulher. No mesmo espetáculo, Monarco deu uma canja cantando “Atire a primeira pedra”, com Ataulfo Alves, e “Devolve”. Em 2015, os sambas e “Ai que saudades da Amélia” e “Atire a Primeira Pedra”, com Ataulfo Alves, fizeram parte do espetáculo “Ataulfo Alves: O Bom Crioulo”, de Enéas Carlos Pereira e Edu Salemi, que homenageou o compositor Ataulfo Alves. Em 2016, teve vários poemas musicados por Dori Caymmi para o CD “Foram Quatro Tiradentes na Conjuração Baiana”, lançado pela Acari Records, abordando a Conjuração Baiana.
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Tempos atrás enfrentei uma dessas chuvinhas persistentes que tiram toda vontade de sair de casa só para ir abraçar Mário Lago, que recebia o troféu Eletrobrás no Teatro Rival. Era uma manhã cinza, em que o Rio parecia naufragar em tristezas e ângulos escuros, deixando os cariocas órfãos de bom-humor e de vontade de cantar.
Pois foi chegar ao Teatro para tudo mudar. Lá estava Mário Lago esgrimindo sua imbatível verve e cantando suas músicas, através da voz do cantor Chamon. E ainda por cima entrevistado por Villas-Boas Corrêa, cujo molho é temperado com cultura, paixão e delicada ironia.
Mário, na flor dos 87 anos, me recebeu no camarim mesmo antes de o show começar. Ali estava o velho amigo, cercado pelos filhos, por repórteres e pelo Villas-Boas.
“ – Meu bom Lago, quero escrever umas notas sobre você. Quais são as novas”?
“ – Meu caro, um velho como eu só tem de novo os achaques. Hoje, um ataca aqui, amanhã, outro acolá. Quanto ao resto – eu, que não mudo nunca de opinião – você sabe melhor do que eu. Portanto, nenhuma novidade”.
Mário estava coberto de razão, ao menos no que se refere as suas opiniões. Porque no meio artístico ninguém (a não ser Oscar Niemeyer, é claro) exercitou um padrão de coerência tão digno quanto ele. Ou seja, foi comunista desde 1932. E até hoje ainda é. Seguidor de Luiz Carlos Prestes desde então, contribuiria para a subsistência do velho líder até sua morte na década de 90 – doações que jamais ele tornou públicas.
Mas não é do Mario ativista político que quero falar aqui, apesar de ter sido – como era mesmo de se esperar – o primeiro radialista cassado em 1964, na antiga Rádio Nacional, que na época significava pouco mais que a Rede Globo de hoje.
O fato é que Mário Lago deixou marcas em todas as áreas a que se dedicou. E foram muitas e tantas que ninguém entendia como um jovem advogado de futuro poderia dedicar-se a “bobaginhas” como escrever para rádio e teatro – a primeira peça foi em 1933, “Flores à cunha”, uma sátira ao político gaúcho Flores da Cunha. Ou produzir versos para a canção popular – a primeira “Menina, eu sei duma coisa” (1936) com Custódio Mesquita, cantada por Mário Reis. Ou ainda ser compositor de música como “Devolve” e “Será” – valsas com música e letras suas, na voz de Carlos Galhardo.
Pouco? Não para Mário Lago, que ainda escrevia e interpretava muitíssimo para o rádio. E sempre foi ator de teatro, cinema e televisão, encarnando personagens marcantes.
Eu sou fã de carteirinha do Mário. E costumo fazer um teste com amigos para saber qual Mário Lago é melhor, se o da parceria com Custódio (“Enquanto houver saudade”, “Nada além”), ou com Roberto Martins (“Dá-me tuas mãos”), ou com Ataulfo Alves (“Amélia”, “Atire a primeira pedra”) ou sozinho (“Fracasso, “Devolve” ou “Será”). E, acreditem, jamais chegamos a uma conclusão unânime. Prova, já se vê, do talento do poeta e compositor. Se querem saber de minha opinião pessoal, lá vai: parceria Mário e Custódio Mesquita e não abro. Ou será que existe alguém neste país que não se babe com os primeiros acordes dessa sedução imbatível que é “Nada além”?
Perguntei, tempos atrás, pelo telefone, ao Mário quantas músicas novas há no baú.
“ – É meu nego, tá tudo no baú mesmo, você sabe, eu gosto é de ser gigolô de música. Isto é, eu faço e quero que ela viaje e me traga dinheiro. Agora, não. Autores, como eu, passamos de gigolô para ser mulher de malandro, já que temos que gastar rios de dinheiro para trabalhá-la e para isso, e para aquilo”.
Pensei e pensei no que ouvi do Mário Lago para concluir com os meus botões: “ – O Lago está certo, mais uma vez. Como sempre esteve.
Ricardo Cravo Albin