
Compositor. Pianista. Regente. Orquestrador. Letrista.
Nasceu na Rua Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro. Filho do economista alemão naturalizado brasileiro Carlos Conrado Guilherme Von Vogeler e de sua segunda esposa, Maria da Conceição Lenes Resende Vogeler, natural de Goiás. Foi batizado na Igreja de SantAna, no dia 18 de outubro de 1888. O pai era um apaixonado pelo Brasil. Detestava que zombassem de seu sotaque, a ponto de estudar profundamente a língua portuguesa e sua prosódia, tornando-se professor de português. Era também músico. Tocava oficlide.
Tinha três irmãos do primeiro casamento do pai com Apolônia Francisca da Costa Vogeler, falecida muito jovem: Albertina, Carlos (de apelido Missionô), bom pianista, e Jorge, desenhista e futuro pai do famoso cantor Jaime Vogeler. Do segundo casamento de seu pai com a bela, segundo familiares, mulata Maria da Conceição, foi o caçula. Antes dele vieram Leontina e Eponina. Além dos irmãos de sangue, teve também um de criação, Jesuíno. Começou a estudar piano com a irmã, Albertina, que dava lições ao outro irmão, Jorge, enquanto o caçula observava. Aos sete anos compôs sua primeira música, “A volta de Júpiter”, que era, segundo Hélio Tys, uma canção cheia de latidos e barulhenta, composta num momento de alegria. Na ocasião, seu cachorrinho Júpiter reapareceu, depois de ter sido expulso de casa. Compôs, logo depois, outra canção que os amigos intitularam “Careca gostoso”. Morou no Catumbi e posteriormente mudou-se para uma grande casa em Todos os Santos, bairro do Rio de Janeiro. Em 1900, passou a estudar no Colégio São Bento. Fez o curso secundário no Colégio Universitário. Em 1906, foi obrigado a abandonar os estudos devido a problemas financeiros. Conseguiu emprego na Estrada de Ferro Central do Brasil, como praticante de conferente, por intermédio de seu irmão Guilherme. Cursou o Conservatório Nacional de Música, tendo completado os estudos possivelmente em 1909. Casou-se aos 30 anos com uma viúva chamada Erastime.
Segundo Tinhorão, era este o perfil de Vogeler: “dono de temperamento bonachão, o pianista e compositor – que por essa época cultivava um belo bigode negro, e tinha o hábito de tocar chupando a bochecha, num tique particular – transformou-se na atração das coristas do teatro musicado”. Ficou também célebre o seu bom coração. Conta-se que, um dia, entregou à empresária Maria Amorim (que estava decidida a se atirar do oitavo andar de um prédio, por conta de suas dívidas) os oito contos de réis que ganhou num concurso internacional de música. Aos 50 anos, foi viver tranqüilamente em uma casa adquirida na Rua Engenhoca 151, na Ilha do Governador. Passou bom tempo nadando e pescando com o barco batizado de “Peru”. Mesmo depois de seu retorno à vida musical, buscava o refúgio do mar, sempre que podia. Em maio de 1944, foi internado no Hospital do Pronto Socorro, na Praça da República, a fim de ser operado de uma úlcera intestinal. Uma complicação obrigou os médicos a submetê-lo a uma segunda intervenção cirúrgica. Embora em estado grave, duas horas antes de falecer, ainda demonstrava seu bom-humor, segundo episódio contado por Hélio Tys em “Talento de Vogeler – compositor carioca” (artigo publicado em “O Dia”, Rio de Janeiro, 18 de outubro de 1964, caderno D, p. 1). No artigo, Tys nos conta que na tarde em que o compositor faleceu, uma banda podia ser ouvida de seu quarto, executando, à entrada do Superior Tribunal Militar, um dobrado. A enfermeira perguntou-lhe: “Incomoda-o, maestro, esta música?” “Não, ele respondeu, ao contrário. O que me irrita é a falta de ouvido do regente. Repare como estão desafinados os instrumentos”. Segundo Tys, antes de falecer o compositor sussurrou no ouvido de um sobrinho a frase: “La comedia è finita”. O compositor faleceu no dia 9 de maio de 1944, aos 56 anos de idade. Foi sepultado no Cemitério de São Francisco Xavier, no Caju. Villa-Lobos compareceu. Na hora em que o caixão desceu à sepultura, o maestro, chorando, exclamou: “Perdi meu braço direito!”.
Participou do teatro musicado intensamente, dando grande contribuição à música popular brasileira dos anos 1920 aos anos 1940. Começou a compor por volta de 1910 para um teatro de amadores organizado pelo engenheiro da EFCB, Manoel da Silva Oliveira, seu colega de trabalho. Chamava-se Teatro Excelsior. Passou a freqüentar o meio musical e a tocar em bailes e festas, principalmente obras de Nazareth e Chiquinha Gonzaga. Em 1917, foi o autor das músicas da comédia “Salada dAmor, de Itatiaia de Matos, que marcou a sua estréia como músico profissional. Em 1919, com Domingos Roque, fez as músicas para a opereta “Sinhá”, de Rafael Gaspar e J. Praxedes. Entre os anos de 1920 e 1924, substituía, eventualmente, Ernesto Nazareth na sala de espera do Cine Odeon, onde o compositor tocava piano antes das sessões.
Em 1921, fez música para as revistas: “Duzentos e cinqüenta contos”, de Carlos Bittencourt e Frederico Cardoso de Menezes; “Água no bico”, de Raul e J. Praxedes; “Rios de dinheiro”, de Pedro Cabral e “O chamariz”, de Cândido Costa, apresentadas no Teatro Carlos Gomes no Rio de Janeiro. Em 1923, fez as músicas da revista “Cruzeiro do sul”, de Paulo Magalhães, apresentada no Teatro República. Em 1925, compôs músicas para a revista “Se a moda pega”, de Carlos Bittencourt e Cardoso de Menezes, apresentada no Teatro São José. No ano seguinte, a revista-féerie “Pão de açúcar”, de Luiz Peixoto e José Segreto, apresentada no Teatro São José, fez grande sucesso com músicas suas. Em 1927, compôs as músicas para mais cinco revistas: “Florzinha”, opereta de Ivete Ribeiro, na qual fez parceria com Bento Moçurunga; “Agüenta a mão”, de Afonso de Carvalho e Otávio Tavares, fazendo parcerias com o maestro Stabile; “Ouro à bessa”, de Djalma Nunes, Jerônimo de Castilho e Lamartine Babo, que também compôs músicas assim como o maestro Stabile, todas apresentadas no Teatro João Caetano. Fez também as músicas para “Circo u-o-cin-ton”, de Luiz Peixoto e Gilberto de Andrade e “As bonecas da avenida”, de Gastão Tojeiro.
Em 1928, teve gravados os maxixes “Cafajeste”, por Francisco Alves e “Flor de maracujá” pela Rio Dance Orquestra, ambos na Odeon. No mesmo ano, fez para a cena de abertura da revista “A verdade ao meio-dia”, do argentino J. G. Traversa, o samba-canção “Linda flor”. Essa melodia acabou recebendo várias letras. Segundo historiadores, como Ary Vasconcelos e José Ramos Tinhorão, constituiu-se no primeiro exemplo do gênero samba-canção. É possível que o autor gostasse e acreditasse na canção, a ponto de procurar a melhor letra para ela. O fato é que recebeu três letras: “Linda flor”, de Cândido Costa, para a peça “A verdade do meio-dia”, “Meiga flor”, de Freire Júnior e a definitiva “Iaiá”, de Luís Peixoto, para a peça “Miss Brasil”, que acabou consagrada na voz de Aracy Cortes com o nome de “Ai, Ioiô”. As três foram gravadas – “Linda flor”, na voz de Vicente Celestino, na Odeon; “Meiga flor”, na voz de Francisco Alves, na Parlophon e “Ai, Ioiô”, na voz de Aracy Cortes, na Parlophon, todas no ano seguinte. A canção recebeu ainda uma quarta letra, cômica, de Nelson de Abreu, lançada no disco “Miss favela”, de novembro de 1930 pela Parlophon. Na Alemanha, “Ai, Ioiô” chegou a ganhar um prêmio.
Ainda em 1929, compõs com Joracy Camargo o samba “Morena, adivinha que eu gosto de ti”, gravado por Francisco Alves e, com Alfredo Albuquerque, a cançoneta “Seu pimenta” e a canção “Um a zero”, gravadas pelo próprio Alfredo Albuquerque. Ainda no mesmo ano, Mário Reis gravou seu samba “É tão bonitinha” e Laís Areda a canção “Jambo cheiroso” e o samba “Feijoada”. Também no mesmo ano, compôs com J. Menra e Lamartine Babo as canções “Bandeirante” e “Sonhos de natal” e as toadas “Mineirinha” e “Meu Ceará”, gravadas por Gastão Formenti na Odeon. A partir de 1930, tornou-se diretor artístico das gravadoras Brunswick e Odeon. Foi nesse período que cometeu um grande equívoco, que passou para a história da música popular brasileira. Lançou, em janeiro de 1930, uma então desconhecida cantora, de nome Carmen Miranda. O disco recebeu o nº 10013 e reunia o samba “Não vá simbora” e o choro “Se o samba é moda”, de Josué de Barros. O acompanhamento era feito pelo Trio Barros. A gravação passou despercebida e ele, não querendo arriscar seu cargo com outra tentativa frustrada, demitiu a novata “por falta de qualidade”. No mês seguinte, Carmen Miranda lançava pela gravadora concorrente, a RCA Victor, a marchinha “Pra você gostar de mim” (“Taí”), de Joubert de Carvalho. A música alcançou enorme sucesso e fez decolar a carreira daquela que se tornaria um grande mito da Música Popular Brasileira. Enquanto foi diretor da Brunswick, fez várias gravações, acompanhando cantores ao piano. Dalton Vogeler, um sobrinho-neto seu, revelou ao crítico e historiador José Ramos Tinhorão que esses acompanhamentos eram muitas vezes feitos de improviso: “ele fazia a introdução num tom qualquer, passando quase que insensivelmente para o tom do cantor, em verdadeiros estudos de harmonia”. Na Odeon acompanhou gravações de Gastão Formenti, Mozart Bicalho e Gusmão Lobo.
Ainda em 1930, Gastão Formenti gravou seus sambas-canção “Sou Ioiô de Iaiá” e “Bamba”. No mesmo ano, Sílvio Vieira gravou suas canções “Canção discreta” e “Meu amô foi simbora” e o samba-canção “Eu tenho fé”, parceria dos dois. Ainda no mesmo ano, fez com Laura Suarez as canções “Velha canção” e “Os olhos de você”, gravadas pela própria Laura na Brunswick. Também em 1930, como diretor da Brunswick, foi responsável pelo lançamento do cantor Sílvio Caldas, que gravou seu samba “Ioiô deste ano”. Em 1931, retornou ao teatro de revista, depois de deixar o cargo na Brunswick. Fez com Ari Kerner músicas para a revista “Olha o Congo”, de Raul Pederneiras e para a revista ” O meu pedaço”, de Raul Pederneiras e do Barão de Itararé. Atuou também como músico em várias peças. Ainda no mesmo ano, Aracy Cortes gravou seu samba-canção “Dentinho de ouro”, parceria com Horácio de Campos, Gastão Formenti a canção “Na minha casa”, parceria com Luiz Peixoto e Laura Suarez, a canção “Romance”. Ainda na Brunswick acompanhou ao piano gravações de Gastão Formenti, Sílvio Vieira e Sílvio Caldas, entre outros. Em 1932, Gastão Formenti gravou na Victor a canção “Na minha casa”, parceria com Luiz Peixoto, e o romance “Este amor”. No mesmo ano, compôs com Noel Rosa a “Rumba da meia-noite” e com Arlindo Marques Júnior a marcha “Seu João”, gravadas por Dina Marques e Nenéo das Neves na Columbia. Também em 1932, compôs as músicas para a peça teatral “Canção brasileira”, de Luis Iglésias e Miguel Santos, que tinha como protagonistas o casal “samba” e “canção” vividos então pelo cantor Vicente Celestino e pela atriz e cantora Gilda de Abreu que acabariam por se casar em pleno palco. No ano seguinte, compõs com Jararaca a canção “Céu do Brasil”, gravada na Victor por Augusto Calheiros. No mesmo ano, conheceu seu maior sucesso teatral na revista “A canção brasileira”, de Miguel Santos e Luís Iglézias que teve mais de 300 apresentações no Teatro Recreio. Fez ainda as músicas para as revistas “Micróbio do amor”, de Paulo Orlando e Duque e “A cantora do Rádio”, de Miguel Santos. Em 1935, escreveu com Sá Pereira e José Francisco de Freitas as músicas para a revista “Galinha morta”, dos Irmãos Quintilhiano. Em 1937, Gastão Formenti gravou na Victor a canção “Teu olhar” e o lundu “Alma do sertão”, esta última, uma parceria com Edmundo Maia. Em 1938, fez música para a revista “Romance dos bairros”, de Luis Iglézias e Miguel Santos.
Em 1940, musicou com Sofonias Dornelas a opereta “Império do amor”. Em 1942, musicou a burleta “Sabiá da favela”, de Paulo Orlando e Freire Júnior. Em julho de 1943, recebeu o convite do maestro Villa-Lobos para auxiliá-lo no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico. Nessa época, sua canção “Minha terra” foi entoada por 600 escolares no estádio Governador Bley. Deixou diversas operetas inéditas, entre elas: “Gigante papa-gente”, “Magia negra”, “Senhorita” e “Branca de neve”. Em 1946, sua música abriu a série de programas apresentados por Almirante na Rádio Tupi do Rio de Janeiro, intitulada “História das orquestras e músicos do Brasil”. Cinco anos após sua morte, recebeu homenagem da Prefeitura do Rio de Janeiro, que deu o nome de Maestro Henrique Vogeler a uma rua no bairro de Brás de Pina. Em 1964, sua biografia abriu a série de reportagens do jornalista José Lino Grünewald sobre compositores cariocas. Em 2005, o musical “Canção brasileira”, de Luis Iglesias e Miguel Santos, com músicas suas foi remontado com direção do ator Paulo Betti com os atores Mariana Betti no papel da “canção” e Wladimir Pinheiro no papel do “samba”.
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