
Comppositor. Instrumentista.
Na infância e adolescência, influenciado pela irmã, estudou bandolim, violão e piano. Por volta de 1914, transferiu-se para o Rio de Janeiro. Costumava frequentar os bairros cariocas da Lapa, Glória, Largo do Machado, bebendo com amigos nos cafés Lamas, Central ou Suísso, redutos de intelectuais e jornalistas, que madrugavam nas redações. Nos bares da Lapa era conhecido como Canhoto (pela forma de tocar violão). Seu estilo era muito elogiado por Sinhô e Pixinguinha, parceiros de boêmia.
Aproximou-se do meio intelectual carioca e se tornou amigo íntimo de Villa-Lobos, Di Cavalcante, Sérgio Buarque de Holanda e Manuel Bandeira. Em meados da década de 1930, com a ajuda do amigo Carlos Drumond de Andrade, foi nomeado pelo ministro Gustavo Capanema para um posto na Delegacia do Ministério da Fazenda, em Londres. Anos depois, nos Estados Unidos, conheceu a poeta Virgínia Peckan, por quem se apaixonou. No início dos anos 1950, casaram-se no Mosteiro de São Bento. Da união nasceu Mariana.
No Rio de Janeiro, suas composições costumavam ser apresentadas para um grupo seleto de artistas e intelectuais na casa do poeta Augusto Frederico Schmidt, geralmente executadas pelo pianista Mário Neves. Mesmo tendo composto uma obra de caráter “erudito”, deixou temas que se popularizaram, justamente por serem inspirados nas raízes brasileiras. Sua música mais famosa é “Azulão”, em parceria com o poeta Manuel Bandeira, com quem também assinaria “Modinha”, igualmente muito solicitada em concertos. Ambas foram gravadas pela cantora Maria Lúcia Godoy em seu primeiro elepê, “Poemas de Manoel Bandeira musicados por…”, de 1968, editado pelo Museu da Imagem e do Som e produzido por Ricardo Cravo Albin, que, aliás, também escreveria um longo artigo sobre Ovalle na segunda metade dos anos 1970, publicado no suplemento literário do jornal “Estado de São Paulo”. Para Mário de Andrade, a sensibilidade de Ovalle era excessiva e rápida demais, o que o atrapalhava “tanto na poesia como até na música em que tenho a certeza que não chegará a criar coisa nenhuma de durável”. No entanto, o escritor também afirmava que “quem é mesmo uma maravilha é o Ovalle. Que sujeito bom e sobretudo que sujeito extraordinário… Se eu pudesse escolher um tipo pra eu ser eu queria ser o Ovalle”. Mas o prognóstico de Mário de Andrade não se confirmou diante do sucesso de “Azulão”, por exemplo, além da observação de Manuel Bandeira de que seu poema “Berimbau” ganhara ao ser musicado por Ovalle o “seu verdadeiro acento de assombração amazônica”. Nas décadas de 1920 e 1930, a casa do maestro Villa-Lobos se tornou um ponto de referência para a classe artística carioca. Lá, chorões e sambistas se encontravam para compor, conversar e beber. Segundo Manuel Bandeira, “Ovalle começou rapazola, sendo um simples tocador de viola e boêmio notívago. E desse chão tão humilde subiu à música erudita (mas sempre enraizado no pathos popular), ao poema em inglês e ao devanear místico, este ortodoxamente católico, mas com ressaibos de judaísmo e macumba.” (Freitag, Léa Vinocur. Há 30 anos morria Jayme Ovalle. Folha de S. Paulo, 07.09.1985). Nessa época, Ovalle trocou o violão pelo órgão. Grande parte de sua obra nunca chegou a ser apresentada formalmente em concerto. Compôs suas músicas no exterior e publicou-as por conta própria pela Casa Arthur Napoleão. Foi membro fundador da Academia Brasileira de Música. Ovalle utilizou temas religiosos e folclóricos para compor “Berimbau”, “Três pontos de santo”, “Chariô”, “Aruanda” e “Estrela-do-mar”.”Azulão” lhe trouxe grande notoriedade. O poema de Manuel Bandeira serviu-lhe como tema. Em 1960, em carta a Vasco Mariz, o poeta confidenciou que seus versos é que se inspiram na melodia composta por Ovalle e não ao contrário, como se pensava (Mariz, Vasco. “Vida musical”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997, p. 66). Bidu Sayão divulgou a canção nos Estados Unidos e na Europa, alcançando enorme popularidade. Escreveu três livros de poemas: “The foolish bird”(em inglês), “Santo sujo” e “Poemas”, até hoje não publicados. Com o poeta Augusto Frederico Schmidt elaborou um curioso sistema de classificação de tipos humanos: os parás, os dantas, os mozarlescos, os kernianos e os onésimos. Os parás seriam os extrovertidos, ágeis, que visam o sucesso, os que chegam do Norte e vencem na vida. Os dantas seriam puros, desprendidos, amantes da verdade e teriam em Cristo o representante perfeito. Os mozarlescos seriam sentimentais, como o pintor Cícero Dias com suas luas em lágrimas e estrelas sorridentes. Os kernianos seriam arrebatados e impulsivos, como o escritor e diplomata Ribeiro Couto. E os onésimos seriam os céticos como Machado de Assis. Nas palavras de Homero Homem, Ovalle era “o carro-chefe do imprevisto humano”. Para a escritora e pesquisadora Elvia Bezerra, foi o amigo que melhor conheceu o cotidiano de Manuel Bandeira na Rua do Curvelo, em Santa Teresa. Era ele que acordava diariamente o poeta com o primeiro telefonema do dia, contando seus infindáveis casos amorosos. Após sua morte, Bandeira escreveu o poema “Ovalle” cujos versos dizem: “… Vi com prazer/ Que um dia afinal seremos vizinhos/ Conversaremos longamente/ De sepultura a sepultura/ No silêncio das madrugadas/ Quando o orvalho pingar sem ruído/ E o luar for uma coisa só”. Em 1984, as modinhas “Azulão” e “Modinha”, ambas com Manoel Bandeira, foram gravadas pelo cantor José Tobias no LP “Rapsódia brasileira” no qual foi acompanhado pela Camerata Carioca e Octeto Brasilis, com arranjos e regência de Radamés Gnattali.
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