Cantora.
Terceira filha do casal Raimundo, nascido no Ceará e Adelina, nascida na Bahia. Carmélia nasceu no bairro carioca de Bangu numa quarta-feira de cinzas. Ainda bem pequena, seus pais mudaram-se para a localidade de Areal, em Petrópolis, onde foi criada. Seu pai, funcionário do escritório do Departamento de Estradas de Rodagem era muito festeiro, tendo formado conjuntos de baile e organizado blocos carnavalescos e festas juninas. Costumava adormecer embalada pelas cantigas nordestinas cantadas pelo pai. Com 17 anos voltou ao Rio para estudar indo morar na casa de parentes. Por essa época, começou a interessar-se por música, encantando-se de ouvir no rádio as músicas cantadas por Carmen Miranda, da qual tornou-se fã, acompanhando seus programas na Rádio Tupi e recortando suas fotografias de revistas. Recebeu muito incentivo do irmão mais velho, Manoel, que também gostava de cantar e achava que a irmã cantava bem. Durante o período de ginásio, tomou parte em diversos programas de calouros, tendo sido aprovada em todos eles, inclusive, no mais temido de todos, o de Ary Barroso, onde o assistente Macalé fazia soar o gongo eliminando seguidamente os concorrentes. Convidada por Manoel da Nóbrega, outro grande incentivador, participou de seu programa de calouros na Rádio Ipanema. Fez parte do programa “Estrada do Jacó”, comandado por Ary Barroso, onde ele apresentava seus melhores calouros. Terminado o curso ginasial, optou por seguir a carreira artística. Foi casada por 54 anos com o cantor Jimmy Lester, num relacionamento pautado pela harmonia e compreensão, palavras que gostava de repetir, nos quinze anos em que permaneceu viúva, até sua morte. A partir de 2010, recolheu-se ao Retiro dos Artistas, onde passou a viver. Faleceu aos 89 anos, no Hospital das Clínicas, em Jacarepaguá, Rio de Janeiro, de falência múltipla dos órgãos, após vinte dias de internação devido a problemas cardíacos.
Sua carreira artística teve início nos anos 1940, quando foi contratada por Barbosa Júnior para apresentar-se com cachê fixo no programa “Picolino”, cantando músicas do repertório de Carmen Miranda. Em meados dos anos 1940, obteve chance no conhecido programa “Casé”, substituindo uma cantora que havia faltado. Cantou músicas de Carmen Miranda, que nesta época havia viajado definitivamente para os Estados Unidos. Ouvida por César Ladeira, diretor da Rádio Mayrink Veiga, é contratada por essa rádio, que buscava uma substituta para a estrela Carmen Miranda. Ganhou um programa semanal, recebendo 800 mil-réis por mês, uma verdadeira fortuna para a época. Em 1941, foi contratada como crooner pelo Copacabana Palace, recebendo 100 mil-réis por dia, apresentando no programa “Ritmos da Panair”, apresentado ao vivo por Murilo Neri, sendo transmitido para todo o Brasil pela Rádio Nacional. Nesse mesmo ano, foi considerada pela crítica especializada do Rio de Janeiro a melhor crooner. Por essa época, conheceu no Copacabana Palace, o paulista de Franca, José Andrade Nascimento Ramos, que apresentava-se cantando músicas americanas, com o nome artístico de Jimmy Lester, e com quem se casou em apenas três meses. Sua carreira ganhou espaço nesse momento, sendo freqüentemente convidada para apresentar-se em outros locais, entre os quais, o programa do “Chacrinha”, na Rádio Fluminense. Participou no coral de várias gravações de outros artistas, entre os quais na gravação de “Aurora”, feita por Joel e Gaúcho. Participou, também, de inúmeras gravações de Benedito Lacerda na RCA Victor, sempre participando do coro.
Em 1943, gravou seu primeiro disco, o qual teve que financiar com 400 mil-réis de suas economias. Contou com a ajuda do amigo Benedito Lacerda, que acompanhou a gravação com os músicos de seu regional, que nada cobraram pelo trabalho. Participaram do coro inúmeros artistas, que depois se tornariam famosos, Elizeth Cardoso, Cyro Monteiro e Nélson Gonçalves. Nesse disco pioneiro foram registrados de Assis Valente, a batucada “Quem dorme no ponto é chofer” e de Horondino Silva e Popeye do Pandeiro, o samba “Deixei de sofrer”. Apesar do sucesso obtido com a gravação, teve que afastar-se um tempo dos discos, pois sendo novata, criara involuntariamente uma situação constrangedora, já que naquele momento de guerra, muitos artistas consagrados não conseguiram gravar. Preferiu, então, excursionar pelo Brasil com o marido. Durante quatro anos apresentou-se em diversas cidades brasileiras. Retornou ao Rio de Janeiro em 1948, retomando seu lugar na Rádio Mayrink Veiga.
Em 1949, gravou com Ivon Curi a toada “Me leva”, de Hervé Cordovil e Rochinha, com orquestração e regência do maestro Radamés Gnattali, que tornou-se seu primeiro grande sucesso e a rancheira “Gauchita”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. No mesmo ano, gravou com o Quarteto de Bronze, o samba “Diga que sim”, de Roberto Martins e Ari Monteiro, e o choro “Tic-tac do meu relógio”, de Dunga. Ainda em 1949, gravou de José Maria de Abreu e Alberto Ribeiro, a marcha “Mimoso jacaré” e de Roberto Martins, o samba “Coração magoado”. No mesmo ano, gravou de Lauro Maia e Humberto Teixeira, o baião “Trem o lá lá” e de Ari Kerner, o balanceio “Trepa no coqueiro”, com a orquestra de Severino Araújo, um de seus grandes sucessos. Em 1950, gravou de Hervé Cordovil e Mário Vieira, o baião “Sabiá na gaiola”, que estourou como outro grande sucesso, de Luís Bandeira, o cateretê “Dança do pinote” e o samba “Coração magoado”, com a Orquestra Tabajara de Severino Araújo. No mesmo ano, passou a atuar na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Em 1951, gravou, de Capiba o frevo-canção “É frevo meu bem”, que teve grande êxito em Recife, começando, a partir de então, a ter nos anos seguintes grandes sucessos com frevos. No mesmo ano, gravou de Salvador Miceli e Luiz Antônio, a batucada “Maria pouca roupa”; de Humberto Teixeira, o baião “O baião em Paris”, e, de Luiz Bandeira e Ernâni Seve, o samba “Samba de emergência”, entre outras. No mesmo ano, ela e o marido Jimmy Lester, em viagem ao Nordeste, descobrem o acordeonista Sivuca, atuando na Rádio Comércio do Recife e o levam para o Rio de Janeiro. Gravou na mesma época, com Jimmy Lester, os baiões “Adeus Maria Fulô”, de Humberto Teixeira e Sivuca, e “Saudade é de matar”, de Hervé Cordovil e Manezinho Araújo. Com Sivuca gravou o pot-pourri “No mundo do baião”, com baiões de diferentes autores.
Em 1952, gravou a marcha baião “Dança da mulesta”, de Humberto Teixeira e Felícia Godoy. No mesmo ano, gravou de Humberto Teixeira, o baião “Eu sou o baião”. Ainda em 1952, gravou com o Trio Melodia, dois pot-pourris, um de sambas e outro de baiões. Gravou com Sivuca ao acordeon os baiões “Maria Joana”, de Luís Bandeira, e “O vôo do mangangá”, de Humberto Teixeira e Felícia Godoy. Na mesma época, reforçou o direcionamento de sua carreira em direção aos ritmos regionais, embora continuasse a gravar sambas. Começa, também, a ingressar no cinema cantando números avulsos e ganha o título de Rainha do baião, integrando uma verdadeira corte, sendo Luiz Gonzaga, o Rei, Luiz Vieira, o príncipe e Claudette Soares, a princesa, cantando repertório de Carmélia, já conhecida como a Rainha do Baião. Recebeu inúmeros convites para apresentar-se em diversos lugares, inclusive na Argentina, onde viu lançado seu grande sucesso “Sabiá na gaiola”. Gravou de Humberto Teixeira e Lauro Maia, o balanceio “O balanceio tem açúcar” e o baião “Baião vai, baião vem”, de Hervé Cordovil. Em 1953, gravou de Humberto Teixeira e Felícia Godoy, o samba “Um verdadeiro amor”, e, de Hervé Cordovil, a marcha-rancho “Que bela rosa”. No mesmo ano, gravou as polcas “A viola do Zé”, de José Meneses e Luiz Bittencourt. Ainda em 1953, gravou com o Trio Melodia a chula “Pau de arara” de Luiz Bittencourt e José Meneses, e a clássica toada “Tristeza do Jeca”, de Angelino de Oliveira. Em 1954, gravou de Capiba, o frevo-canção “Vamos pra casa de Noca?”, em disco que trazia na outra face, a Orquestra Tabajara de Severino Araújo com o frevo “Camisa velha”, de Herman Barbosa. No mesmo ano, gravou as marchas “Carnaval em Caxias”, de Humberto Teixeira e Felícia Godoy, e “Marcha dos barbadinhos”, de Roberto Martins. Também gravou com Sivuca os pot-pourris “No mundo do baião” III e IV, com diversos compositores.
De 1950 a 1954, manteve-se na gravadora Continental, na Rádio Nacional e no topo das paradas como a Rainha do Baião. Depois de apresentar-se com enorme sucesso na Argentina, viaja com a caravana de Humberto Teixeira indo apresentar-se na Alemanha, onde fez sucesso, sendo convidada a gravar um LP pela Telefunken. O mesmo acontece em outros países onde se apresenta. Em Portugal, seu repertório passou a ser utilizado por ranchos regionais. Na então União Soviética, fez um show para 150 mil pessoas. Em 1955, gravou o samba “Falando de amor”, de Edu Rocha, João de Oliveira e Pernambuco, a marcha “Disco voador” de Hervé Cordovil, e os baiões “Voando prá Paris”, de Humberto Teixeira, e “Pau-de-arara”, de Guio de Morais . Em 1956, gravou os baiões “Baião de Santa Luzia”, de Luiz Bandeira, e “Vapô de Carangola”, de Manezinho Araújo e Fernando Lobo. No mesmo ano, já de viagem marcada para a Europa gravou de Luiz Bandeira o frevo “Quarta-feira ingrata” que se tornou o hino do carnaval pernambucano.
Em 1957, gravou os frevos-canção “É de fazer chorar”, de Luiz Bandeira, e “Nem que chova canivete”, de Capiba. Em 1959, gravou os sambas “Maldade”, de Valdemar Gomes, e “Recado”, de Djalma Ferreira e Luiz Antônio, e os baiões “Serenata dos gatos” e “Carreteiro”, ambos de Antônio Almeida. Gravou, também, o clássico samba “Gente da noite”, do compositor gaúcho Túlio Piva. Por essa época, o casal Carmélia Alves e Jimmy Lester pouco tempo ficou no Brasil, fazendo tournês internacionais nas três Améicas e na Europa. Em 1961, gravou os sambas “Reza Por Nosso Amor”, de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, “Não Posso Mais”, de Haroldo Lobo, Milton de Oliveira e Claudionor Santos, “Quem Chorou Fui Eu”, de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, e “Fala Mangueira”, de Mirabeau e Milton de Oliveira, para o LP “Eis: Haroldo Lobo e Milton de Oliveira”, um tributo à dupla de compositores Haroldo Lobo e Milton de Oliveira com sambas nas vozes de diferentes intérpretes. Em 1962, gravou pela Mocambo os sambas “Tem que ter mulata”, de Túlio Piva, e o clássico “Chiclete com banana”, de Almira e Gordurinha. No mesmo ano realizou com enorme sucesso uma série de shows em boates chilenas durante a Copa do Mundo. Em 1963, gravou o frevo-canção “É de Maroca”, de Capiba, e o samba “O malhador”, de Donga, Pixinguinha e Valfrido Silva. Durante a Jovem Guarda, chegou a apresentar-se com o grupo vocal Golden Boys, no programa Silvio Santos na televisão.
Em 1969, gravou com o sambista paulista Geraldo Filme o LP “Sambas enredo das Escolas de samba de São Paulo – Carmélia Alves e Geraldo Filme”, pela gravadora Chantecler, com os sambas enredo “São Paulo Antigo (E S Lavapés)”, de Doca, ” Marquesa de Santos (E S Acadêmicos do Peruche)”, de Sebastião Soares, Odair Ferreira e João Dionisio, ” Ouro Branco (S C Morro da Casa Verde)”, de Talismã e Paulinho Silva, ” História da Casa Verde (E S Unidos do Peruche)”, de Narciso Lobo e Geraldo Filme, ” Brasília Capital da Esperança (E S Folha Azul dos Marujos)”, de Sebastião Soares, Odair Ferreira e João Dionisio, ” Progresso Industrial (E Primeira de Santo Estevão)”, de Doca, ” Pedreira Unida”, de Hervé Cordovil, ” História do Aleijadinho (Cordão Carnavalesco Vai-vai)”, de Lourival Leite de Oliveira, ” Quatro Histórias de Amor (E S Morro de Vila Maria)”, de Xangô e Bob Júnior, ” Biografia do Samba (E S Mocidade Camisa Verde)”, de Talismã e Tabú, ” Tamandaré (E S Estrela Brilhante de Vila Rica)”, de Doca, João das Candongas e Miguel Campos, e ” Viajando Através do Brasil (E S Imperio do Cambuci)”, de Julio Alves e Alberto Alves.
Em 1974, gravou pela RGE o LP “Ritmos do Brasil”, onde interpretou uma variedade de ritmos musicais brasileiros, entre os quais, o baião “Paraíba feminina”, de Hervé Cordovil, o carimbó “Eu vou girar”, de B. Lobo e Agnaldo Alencar, o arrasta-pé “Chora viola, chora”, de Venâncio e Corumba, e o maxixe “Feitiço da Bahia”, de Nelson Sampaio. Em 1976, a Continental lançou pela série “Ídolos MPB”, o LP “Carmélia Alves”, fazendo um histórico da carreira da cantora, com a apresentação de 12 composições, que foram sucesso em sua voz, entre as quais, o balanceio “Trepa no coqueiro”, de Ari Kerner, o samba “Coração magoado”, de Roberto Martins, os baiões “Sabiá na gaiola”, de Hervé Cordovil e Mário Vieira, e “Adeus, morena, adeus”, de Manezinho Araújo e Hervé Cordovil, e a toada baião “Essa noite serenô”, de Hervé Cordovil, do filme “Meu destino é pecar”.
Em 1977, após 15 anos sem se apresentar para o público carioca, fez antológico show ao lado de Luiz Gonzaga no Teatro João Caetano reabrindo a série “Seis e Meia”. Na ocasião interpretou “Qui nem jiló”, “Trepa no coqueiro”, “Sabiá lá na gaiola” e “Cabeça inchada”, além dos duetos com Gonzaga em “Reis do baião”, “Lorota boa” e “Forró do Mané Vito”. Na década de 1990, integrou o conjunto “Cantoras do rádio” ao lado de Nora Ney, Zezé Gonzaga, Rosita Gonzales, Ellen de Lima e Violeta Cavalcanti. Em 1993 teve relançado em CD o seu show realizado no teatro João Caetano ao lado de Luiz Gonzaga.
Em 1998, com a morte de Jimmy Lester, entrou em depressão, permanecendo isolada em sua residência de Teresópolis, mas em dois anos já estava de volta às lides, participando de vários shows em São Paulo, inclusive, no Projeto “O Botequim do Cabral” ao lado do crítico Sérgio Cabral.
Em 1999, lançou pelo selo CPC-UMES o CD “Carmélia Alves abraça Jackson do Pandeiro e Gordurinha” no qual interpretou clássicos como “Chiclete com banana”, de Gordurinha e José Gomes, “Um a um”, de Edgard Ferreira e “Sebastiana”, de Rosil Cavalcanti. Esse disco contou com a participação de Inezita Barroso, Luiz Vieira e Elymar Santos. O lançamento do CD aconteceu através de uma série de shows por todo o Brasil.
Em 2001, apresentou-se no Teatro de Arena ao lado das cantoras Ellen de Lima, Violeta Cavalcanti e Carminha Mascarenhas, o show “Cantoras do rádio -Estão voltando as flores”, com apresentação, roteiro e direção de R. C. Albin e que foi gravado em CD pela Som Livre. O espetáculo que teve excelente aceitação, atingindo um público de mais de dez mil pessoas, que aplaudiam de pé, tornou presente diversas memórias da era do rádio, revivendo, por exemplo, logo no início, o prefixo do programa de César de Alencar, apresentado, nos anos 50 na Rádio Nacional.
Em 2002, foi lançado o CD “Estão voltando as flores”, com Violeta Cavalcanti, Carminha Mascarenhas e Ellen de Lima, onde ela canta, entre outras, as músicas “Ninguém me ama”, “Feitiço da Vila” e “Kalu”. Como programação do lançamento do CD, o mesmo espetáculo voltou à cena no Teatro Rival BR em agosto de 2002, com grande sucesso de crítica e público.
Em 2004, apresentou, em temporada no Teatro Ipanema, (RJ), o espetáculo “Tra-lá-lá- Lalá é cem”,com direção, roteiro e apresentação de R. C. Albin. O espetáculo fez parte das comemorações do centenário do nascimento do compositor Lamartine Babo. Neste show, Carmélia dividiu o palco com Ellen de Lima, Carminha Mascarenhas e O jovem cantor Márcio Gomes, interpretando canções consagradas, em coro e em solo, do renomado compositor . Ainda no mesmo ano, o mesmo espetáculo ganhou temporada no palco do Teatro João Caetano, no projeto 6 e meia, obtendo entusiasmo da platéia. Em 2008, atuou ao lado de Ellen de Lima, Carminha Mascarenhas e Violeta Cavalcanti, no documentário “Cantoras do Rádio – Estão votando as flores”, dirigido por Gil Baroni e Marcos Avellar, a partir de roteiro de Ricardo Cravo Albin.
(c/Sivuca)
(c/o Trio Melodia)
(c/Severino Araújo e Orquestra Tabajara)
ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular Brasileira – Criação e Supervisão Geral Ricardo Cravo Albin. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural Cravo Albin e Editora Paracatu, 2006.
AMARAL, Euclides. Alguns Aspectos da MPB. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2008. 2ª ed. Esteio Editora, 2010. 3ª ed. EAS Editora, 2014.
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CARDOSO, Sylvio Tullio. Dicionário Biográfico da música Popular. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1965.
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SEVERIANO, jairo e MELLO, zuza Homem de. A canção no tempo. Vol. 1. São Paulo: Editora 34, 1997.
A Rainha do Baião está de volta a partir de 2001. Claro que me refiro a Carmélia Alves, que ganhou o título na década de ouro do baião, quando a corte era integrada pelo grande Luiz Gonzaga, o rei, e Claudette Soares, a princesinha. Pois bem, a rainha Carmélia Alves está lançando – com shows em todo o Brasil – seu disco gravado pelo selo paulista CPC da Umes, produzido pela habitual competência de Marcus Vinícius. O CD é todo dedicado a Jackson do Pandeiro e Gordurinha e conta com participações de gente também ilustre, como Inezita Barroso e Luiz Vieira, além de Elymar Santos, que encerra o disco com Carmélia no maravilhoso “Súplica cearense”, um dos mais pungentes hinos nordestinos, escrito com grande força poética por Gordurinha.
Mas onde terá nascido Carmélia, em Pernambuco ou no Ceará, já que levou os ritmos do Norte/Nordeste do país a tamanha conseqüência? Aqui mesmo no Rio, para ser preciso em Bangu, onde ouvia os repentistas de cordel na casa dos pais, em plena década de 30. A menina espevitada do subúrbio logo se faria cantora, entrando para o rádio pela porta mais democrática, os programas de calouros da Rádio Nacional. Num abrir e fechar de olhos foi escalada para cantar na boate do Copacabana Palace, de onde o locutor Murilo Nery transmitia — via Nacional — o célebre “Ritmos da Panair”, que ia ao ar para todo o país depois da meia-noite, ao vivo.
A partir daí, Carmélia passou a ser considerada uma cantora com C maiúsculo no esfuziante meio radiofônico e noturno do Rio. Cantava de tudo, mas o baião só entraria mesmo em sua vida quando, em 1949, gravou ao lado de Ivon Curi “Me leva”, de Hervê Cordovil. Logo em seguida, Carmélia criaria delícias como “Trepa no coqueiro” (Ari Kerner, 1950), “Sabiá na gaiola” (Hervê Cordovil, 1950) e “Cabeça inchada” (Hervê Cordovil, 1951), que fizeram furor no Brasil. E a coroaram com o cobiçadíssimo título de Rainha do Baião, que era o gênero musical mais veiculado nos anos 50. Que, aliás, só declinaria quando a bossa nova explodiu, a partir do comecinho dos anos 60.
Recentemente fui testemunha de nobre gesto da nossa rainha. Carmélia, generosa e solidária como ser humano, promoveu uma noite no Canecão para arrecadar fundos para seus amigos Jorge Goulart e Nora Ney, que enfrentam graves problemas de saúde, além dos financeiros. Pois bem, quando Elymar Santos chamou o casal ao palco e o Canecão tributou uma emocionante consagração a Nora e Goulart, eu próprio tive que amparar Carmélia nos bastidores, que, debulhada em lágrimas, repetia emocionada: “Obrigada, meu Deus, por dar este presente a esses dois grandes cantores.” A cena, assistida por dezenas de pessoas, enterneceu a todos. E engrandeceu Carmélia.
Ricardo Cravo Albin