
As mais antigas referências à palavra semba, inexistente nos antigos vocabulários do quimbundo e do congolês (Duarte Lopes, 1591; Padre Cardoso, 1624; Padre Degheel, 1651; Padre Vetralla, 1659; Padre Cannecatim, 1805), só aparecem no ano de 1880, nos escritos de Alfredo Sarmento (“Os Sertões d’África”) e de Alfredo Troni (“Nga Mutúri = Senhora Viúva”). Tanto Sarmento quanto Troni são portugueses. O primeiro, representante da chamada “literatura colonial”, durante pouco tempo apenas percorreu as partes litorâneas do continente negro, chamadas por Frobenius de África Européia. Troni, entretanto, representante das chamadas “literaturas africanas de expressão portuguesa”, embora nascido em Coimbra em 1845, radicou-se em Luanda de 1873 a 1904, data de sua morte ocorrida nessa mesma cidade. Viveu 31 anos em Angola. Alfredo de Sarmento, no seu livro de viagens publicado em 1880, escreveu: o batuque “consiste num círculo formado pelos dançadores, indo para o meio um preto ou preta que, depois de executar vários passos, vai dar uma umbigada, a que chamam semba, na pessoa que escolhe, a qual vai para o meio do círculo, substituí-lo”. Alfredo Troni, na novela publicada também em 1880, atribui implicitamente o mesmo significado de umbigada à palavra semba. Descrevendo um batuque em Luanda, em casa de Nga Mutúri, diz Troni: “Foi um batuque falado. À meia-noite bateram à porta, e entrou o Serra, que tinha chegado naquele momento de Casengo, no Cunga. Nga Mutúri ficou muito contente e correspondeu-lhe a duas sembas que ele lhe deu.” Sarmento e Troni tinham enfoques diametralmente opostos sobre as coisas da África. Para o primeiro, o negro africano “é um homem na forma, mas os instintos são de fera”. Troni, bem ao contrário, revela um conhecimento concreto da sociedade luandense, numa linguagem depurada e ajustada ao meio. Nos textos apresentados acima, bem como nos respectivos contextos – primeiros textos conhecidos em que aparece a palavra semba -, não há qualquer elemento que permita concluir que a palavra samba tenha por origem a palavra semba. Além da impossibilidade técnica da transformação de um “e” nasal tônico, entre um fonema constritivo e outro oclusivo, transformar-se num “a” nasal também tônico e também colocado entre os mesmos fonemas constritivo e oclusivo, há ainda a impossibilidade psicológico-cultural de se deslocar o contato dos corpos dos dançarinos da região da genitália para a região do umbigo. A umbigada é uma metáfora do ato sexual. Deslocar a descrição dessa metáfora da genitália para o umbigo é claramente um processo derivado do ascetismo característico das religiões cristãs a que pertenciam os observadores. A palavra semba só foi usada a partir de 1800, sempre incluída no mesmo contexto em que há muito mais tempo era encontrada a palavra samba. Em torno de 1880, época em que se realizou a partilha da África pelas potências européias, entre as quais predominavam na região de Angola e do Congo as francófonas (França e Bélgica), a língua francesa estava amplamente difundida. Alfredo de Sarmento encontrou até, em localidade não muito afastada do litoral, um nativo que cantou para ele a Marselhesa, o que lhe causou profunda admiração. Devidamente considerado todo esse conjunto de circunstâncias, não seria viável imaginar que aconteceu com semba o mesmo fenômeno ocorrido com cangerê? Segundo Mário de Andrade “o francês Stephen Chauvet escreve Kengerê (Musique Negre, 1929, p.65), nome que interpretado à francesa dá exatamente Cangerê”. (“Dicionário Musical Brasileiro”, p. 91). A aceitar essa hipótese, semba seria apenas a pronúncia portuguesa da grafia que representava em francês os fonemas sãba, como na palavra “soutien”, que pronunciamos sutiã. (“Aurélio”)