
O Carnaval foi, sem dúvida, a mais popular, a “festa por excelência” da cidade do Rio de Janeiro e também de outras grandes capitais brasileiras como Recife, Salvador etc. Limitava-se a princípio ao entrudo, festa popular de tradição portuguesa, que se desenvolveu nas ilhas africanas de Cabo Verde e da Madeira como diversão bastante rústica que precedia a quaresma. No entrudo não havia música nem dança. Como elemento principal do festejo destacavam-se os limões-de-cheiro, pequenos objetos com a forma e o tamanho de uma laranja, feitos de cera fina, com água suja e outras impurezas dentro. Apesar de intensamente reprimido, o entrudo tinha acolhida não apenas entre as classes populares. Diz-se que D. Pedro I e o filho D. Pedro II foram adeptos dos limões-de-cheiro. O entrudo caiu em declínio no início do século XX, a partir das transformações introduzidas pelo prefeito Pereira Passos, cedendo lugar ao confete, à serpentina e ao lança-perfume. Na década de 1840, os bailes carnavalescos no Hotel Itália e, posteriormente, no Teatro São Januário, representaram uma alternativa para que as classes abastadas permanecessem na cidade e usufruíssem do festejo. No Rio de Janeiro, em meados do século XIX, criaram-se os grandes clubes carnavalescos conhecidos como grandes sociedades. Nascidos em meio à classe média e à intelectualidade carioca, possuíam sede própria, estatutos e funcionavam de maneira muito semelhante a um clube. A cada ano surgia uma nova sociedade, como a União Veneziana, a Bohemia, Estudantes e os Títeres. As mais importantes sociedades foram “Os Tenentes do Diabo”, fundada em 1855 com o nome de Zuavos Carnavalescos, os “Democráticos Carnavalescos”, que surgiram em 1867, e o “Clube dos Fenianos”, fundado em 1869. As sociedades apresentavam carros alegóricos e uma comissão de frente ricamente trajada, montada a cavalos. Por volta de 1872, surgem os ranchos carnavalescos, que se diferenciavam das grandes sociedades pela origem marcadamente popular. Chiquinha Gonzaga, em 1899, compôs a pedido dos foliões do cordão Rosa de Ouro a célebre marcha “Ó abre alas”, que foi a primeira música feita no Brasil especialmente para animar o Carnaval. A marcha adaptou-se tão bem a essa função, que chegou a consagrar-se num modelo denominado marcha-rancho. A marcha de carnaval, cujo peculiar padrão rítmico manteve-se praticamente inalterado desde sua criação, foi vulgarizada na década de 1920 por compositores da classe média urbana, dentre os quais Eduardo Souto, Freire Júnior e José Francisco de Freitas. Esta resultava principalmente da influência de marchas portuguesas divulgadas no Brasil por companhias de teatro musicado, como a famosa “A baratinha”, do português Mário João Rabelo, sucesso do carnaval de 1918. Embora Sinhô tenha entrado para a história da música popular como o “Rei do samba”, também contribuiu para a fixação do gênero com a marcha “Sai da raia”, composta em 1922, além da marcha “Pé de anjo” que, em 1919, lançou o cantor Francisco Alves, entre outras. Em 1930, Ary Barroso compõe a marcha “Dá nela”, vencedora do concurso de músicas para o Carnaval, destacando-se ainda neste ano a conhecida “Pra você gostar de mim” (Taí), grande sucesso de Joubert de Carvalho, feita especialmente para Carmem Miranda. No correr da década, surgem novos sucessos, como “A.E.I.O.U”, parceria de Lamartine Babo e Noel Rosa, e “O teu cabelo não nega”, uma das grandes marchas de todos os tempos, composta pelos Irmãos Valença e Lamartine Babo, um dos maiores mestres do gênero, ao lado de João de Barro, o Braguinha, Haroldo Lobo, João Roberto Kelly, entre tantos outros. Quando o baiano Hilário Jovino Ferreira chegou ao Rio de Janeiro, já encontrou em funcionamento um rancho, o “Dois de Ouro”, ao qual aderiu. Pouco depois, Hilário fundou e organizou o “Rei de Ouros”, tornando-se o organizador de uma manifestação carnavalesca – com estrutura característica que iria perdurar por quase um século. Era tradição dos ranchos visitar pessoas importantes, de maneira que estes não saíam sem passar na casa da Tia Ciata e de outras tias (assim eram chamadas as baianas mais velhas, que exerciam certa liderança na comunidade). O rancho era um préstito carnavalesco que usava marchas e maxixes como música, tocadas por uma orquestra de sopro e cordas. Dessas orquestras saiu, por exemplo, o conjunto os “Oito Batutas”. Devemos notar que esses baianos pertenciam a uma camada da classe média. A Tia Ciata possuía uma pequena empresa com 10 ou 15 pessoas que vendiam os doces feitos por ela, e os pais de João da Baiana tinham até uma quitanda. Os baianos tiveram uma grande influência nos ranchos, até a fundação do “Ameno Resedá” – o “rancho que virou escola”, em 1908. Possuindo uma organização grandiosa com fantasias ricas, um coro de qualidade, uma orquestra bem estruturada, esse rancho introduziu no Carnaval a novidade do enredo, que até então não existia: na apresentação desses cortejos um participante vinha fantasiado de Sócrates, outro de Czar da Rússia etc. Ligados a esses ranchos, havia músicos como Pixinguinha, que pertencia às “Filhas da Jardineira”, e Ernesto Nazareth, vinculado ao “Ameno Resedá”. Os ranchos entraram em declínio paralelamente à ascensão das escolas de samba. Esse nome, aliás, surgiu quando um grupo de foliões, que se reunia nas imediações da Praça Onze, resolveu tomar de empréstimo o nome da Escola Normal que ficava nas proximidades, fundando assim a escola de samba Deixa Falar, que por sinal desfilava com os ranchos. Jota Efegê chegou mesmo a dizer que a Deixa Falar nunca foi escola de samba. Os critérios de diferenciação estabelecem-se fundamentalmente pela classe social a que estavam associados: se os ranchos eram produto da pequena burguesia, as escolas de samba eram compostas pelo “lumpem” proletariado, ou seja, por operários, biscateiros sem ofício definido. Não encontraremos nenhum grande instrumentista vinculado às escolas de samba; em sua origem, as escolas compunham-se basicamente de negros iletrados que tocavam instrumentos de percussão como cuíca, agogô, atabaque, instrumental proveniente da macumba. Para se ter idéia da diferença de categorias, basta lembrar que a mensalidade dos ranchos custava aproximadamente 5 mil réis, ao passo que as escolas de samba cobravam 500 réis (10 vezes menos), e muito poucos eram os que podiam pagar até mesmo essa módica quantia.