
Violonista. Compositor.
Nasceu na pequena cidade do litoral de Prainha perto de Santos no Estado de São Paulo. Sua família era grande e musical. Seu pai tinha a profissão de ferroviário e era um apaixonado seresteiro. Interessou-se pelo violão desde a infância, aprendendo as primeiras noções musicais sob orientação de sua mãe, pianista amadora. Foi, porém, atraído pelo violão de sua irmã Maria, que lhe foi ensinando o instrumento secretamente, na idade de nove anos, transcrevendo os trechos de piano.
Já na adolescência tocou em serestas assim como seu pai. Com o irmão mudou-se para São Paulo, aos 12 anos. Aos 15 anos de idade, lutou na Revolução de 1932, em São Paulo. Enquanto recuperava-se de uma ferida de guerra, conheceu no hospital o violonista Garoto (Aníbal Augusto Sardinha), que estava em visita ao hospital. Casou-se com Maria “Natalia” Miguelina Ferreira Ribeiro, uma bailarina do Porto, Portugal, a quem conheceu no Cassino Balneário da Urca, em 1944. Por essa época, passou a viver nos Estados Unidos, onde se tornou conhecido como violonista da orquestra de Stan Kenton, gravando muitos discos até pouco antes de sua morte. Ao todo, ganhou nada menos do que seis Grammy, considerado o Oscar da música americana.
Um dos violonistas brasileiros mais conhecidos nos Estados Unidos, país para onde migrou, na década de 1940. Destacou-se ainda por ter introduzido o violão brasileiro, com todas as suas divercidades como o samba, choro e baião e uma mistura de vários tipos de música folclórica do Nordeste brasileiro no mundo do jazz norte-americano. Foi o criador do que ele chamou ” jazz de samba” , uma combinação de jazz com elementos de samba. Em 1936 mudou para o Rio de Janeiro e foi trabalhar na Rádio Mayrink Veiga, onde permaneceu por 11 anos, atuando ao lado de artistas como Garoto, Heitor Villa-Lobos, Radamés Gnattali, Carmen Miranda, e Pixinguinha. Além do trabalho na rádio, tocou em clubes e conduziu seu próprio grupo durante mais de cinco anos no Cassino da Urca. Em 1938 gravou seu primeiro disco, tocando guitarra, acompanhado por Gastão Bueno Lobo na guitarra havaiana, interpretando de sua autoria a valsa “Saudade que passa” e o choro “Inspiração”. No mesmo ano teve o samba “O último samba”, gravado por Roberto Paiva. Em 1939 teve os sambas “Mulato antimetropolitano” e “Você nasceu pra ser grãfina”, gravados com pela cantora Carmen Miranda. No mesmo ano, acompanhou com Garoto a gravação de Ary Barroso do samba jongo “Na baixa do sapateiro” e da cena carioca “Boneca de pixe”. Na mesma época seu samba canção “Pedro Viola”, gravado por Aracy de Almeida, foi um dos destaques. Com Garoto dirigiu um conjunto regional que participou de diversas gravações na Odeon, acompanhando entre outros, Carmen Costa,Jararaca, Dorival Caymmi e Alvarenga e Ranchinho. Em 1940, Leopoldo Stokowski solicitou a Villa-Lobos que selecionasse e reunisse os mais representativos artistas de Música Popular Brasileira, para gravação de músicas destinadas ao Congresso Pan-Americano de Folclore. Villa-Lobos incluiu no grupo escolhido a nata dos verdadeiros criadores nacionais de música: Pixinguinha, Cartola, Donga, João da Baiana e, ao lado destes, estava o violonista. As gravações realizaram-se na noite de 7 para 8 de agosto de 1940, a bordo do navio Uruguai atracado no Armazém 4. Foram registradas 40 músicas, e entre essas apenas 16 chegaram ao disco, reproduzidas nos Estados Unidos em dois álbuns de quatro fonogramas cada um, sob o título “Columbia presents Native Brazilian music Leopold Stokowski”. Ainda no mesmo ano, gravou ao violão o cateretê “De papo pro á”, de Joubert de Carvalho e Olegário Mariano e a valsa “Saudades de Matão”, de Jorge Galatti. Em 1941 compôs com Jararaca a marcha “Que chero bom”, gravada por Cinara Rios na Victor. No mesmo ano foi trabalhar no Cassino Copacabana, Com Garoto fez numerosas gravações e composições de valsas, a primeira, “Ainda te lembras de mim”. Organizou e criou samba original, choro, foxtrote, samba-jongo, folk-songs, como também canções humorísticas. Em 1942, passou a atuar no Cassino do Balneário da Urca e compôs com Junquilho Lourival uma das músicas de destaque do ano, a canção patriótica “Meu caboclo”, gravada por Orlando Silva. Com o fechamento dos cassinos brasileiros, numa época em que era considerado um dos melhores violonistas do país, partiu para os Estados Unidos, onde tocou em orquestras, filmes, shows, consolidando uma respeitável carreira solo. Segundo seu depoimento: ” A viagem de avião do Rio para Nova Iorque levou 38 horas, com muitas paradas, e mais 12 horas para a Califórnia”. Estabeleceu-se em Hollywood, onde recebeu oferta para tocar no filme de Danny Kaye, “Nasce uma estrela”, no qual Benny Goodman, Tommy Dorsey, Ella Fitzgerald, Louis Armstrong e Nat King Cole também haviam trabalhado. Pouco depois, passou a integrar a orquestra de Stan Kenton. Na orquestra, introduziu a tradição de violão espanhol dentro do jazz e as gravações deste tempo cedo se fixaram como padrão para violonistas de jazz. Com a orquestra, gravou sua primeira música, “Lament”, pela etiqueta Capitol. Em 1943 compôs com Alvarenga e Ranchinho a rancheira “Malvada minha”, gravada pela dupla na Odeon. Em 1946 teve gravados os samba “Carinho proibido”, parceria com Romeu Geraldo de Almeida e “Perfume da terra”, com Dias da Cruz, pela cantora Heleninha Costa. Com seu conjunto acompanhou na Continental algumas gravações de Heleninha Costa e Silvio Caldas. Em 1947ao violão, acompanhado de seu conjunto os choros “Buliçoso”, um clássico do gênero e “Pandeiro manhoso”, ambos de sua autoria. Em 1949, gravou seu primeiro disco solo nos Estados Unidos, “Concert creation for guitar”. A este seguiram-se a série de três LPs “Brazilance”, gravados na World Pacific, e, em 1951, o LP “Sueños”(Dreams), onde registrou a canção “Sonho”. Em 1952, debaixo do título ” The Laurindo Almeida Quartet”, fez dois registros históricos para a World Pacific Jazz. Em 1953, gravou, com o saxofonista Bud Shank, uma série de discos que foram posteriormente reeditados em 1962. Em 1956, gravou na Capitol o LP “Guitar music of Latin America” e, no ano seguinte, o LP “Impressões do Brasil”, onde registrou suas composições “Pôr-do-sol em Copacabana” e “Serenata”. Ainda em 1956, tocou alaúde na música título Da super-produção norte americana, o filme “Os dez mandamentos”, de Cecil B. de Mille. Por volta de 1962, a popularidade da Bossa Nova nos Estados Unidos determinou novo impulso à sua carreira. Entre os anos de 1963-1964, participou do Modern Jazz Quartet, grupo com o qual realizou excursão à Europa e gravou um repertório eclético que incluía desde o “Samba de uma nota só”, Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça ao “Concerto de Aranjuez”, do compositor erudito Joaquin Rodrigo . Em 1964, recebeu o Prêmio Grammy pelo disco “Guitar from Ipanema”. Além de integrar o Modern Jazz Quartet nos anos 1960, participou do LA 4 na década seguinte. Em 1967, esteve no Brasil, onde se apresentou na Sala Cecília Meirelles, no Rio de Janeiro, e como convidado do II FIC, promovido pela TV Globo. Participou da trilha sonora de cerca de 800 filmes, tendo se consolidado como arranjador, orquestrador e compositor. Além de deixar várias obras para violão, teve músicas gravadas por artistas como Orlando Silva, Carmen Miranda, Aracy de Almeida, entre outros. Fez ainda trilhas sonoras para diversas séries de filmes norte-americanos de televisão, entre os quais “O fugitivo”. Ao longo de sua carreira, ganhou seis Prêmios Grammy, além de uma série de outros prêmios da indústria fonográfica e cinematográfica. Em 1972, tocou bandolim na música título do filme “O poderoso chefão”. Em 1979, lançou nos Estados Unidos o disco “First Concert for Guitar orchestra”, no qual gravou um concerto de sua autoria e o Concerto nº 4 de Radamés Gnattali, a ele dedicado, acompanhado pela Orquestra de Câmara de Los Angeles. Nos anos de 1980 se apresentava com um trio com baixos e tambores (Robert Magnusson e Jim Plank / Chuck Flores). O trio de violão dele, Guitarjam (com Larry Coryell e Sharon Isbin), tocou para “Wolf Trap”, no Carnegie Hall em 1988. Na década de 1990, apresentou-se no Brasil no Free Jazz Festival. Em 1992, participou pela última vez da trilha sonora de um filme tocando na gravação do tema do filme “Os imperdoáveis”. Praticamente esquecido em seu país de origem, com mais de 40 discos gravados no exterior, permaneceu em atividade até o fim da vida, finalizando seu último CD, “Naked Sea”, com Danny Welton, duas semanas antes de sua morte. É o único músico brasileiro a figurar na Enciclopédia do Jazz.
AZEVEDO, M. A . de (NIREZ) et al. Discografia brasileira em 78 rpm. Rio de Janeiro: Funarte, 1982.
MARCONDES, Marcos Antônio. (ED). Enciclopédia da Música popular brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed. São Paulo: Art Editora/Publifolha, 1999.
Muita gente boa – ou melhor, nem tão boa assim – considera um exagero dizer-se que este país não tem memória. Eu digo e insisto: não tem mesmo! Querem uma prova provada, com certidão, testemunhas e tudo? O desconhecimento e silêncio que este país impôs a Laurindo de Almeida, um dos maiores compositores, músicos e personalidades brasileiras em toda segunda metade do século XX.
A memória de Laurindo é tão valiosa, que Tom Jobim, na última vez que o vi (em almoço que duraria mais de três horas na Plataforma), abriu a conversa falando do Laurindo, nem me lembro a pretexto de que: “ – O Brasil não gosta mesmo de quem faz sucesso lá fora. O Laurindo é respeitadíssimo pela nata da música americana, e aqui, “babau”. Eu mostrei há pouco o “Guitar from Ipanema “(LP gravado em Nova York, que lhe valeu o Grammy em 1964) a um jovem músico que me perguntou que Laurindo era esse…” Laurindo, aliás, morreria meses depois do Tom (26/7/95), só que em Los Angeles, onde morava e era considerado um músico do primeiro time. Afinal, havia composto para mais de 800 trilhas de filmes em Hollywood.
Laurindo de Almeida havia chegado à América quarenta anos antes, quando se fecharam os cassinos cariocas em 1945. Mas já no decênio de 1935 – 45, ele construiria sólida reputação no Rio, a ponto de ter participado (1940) das célebres gravações feitas por Stokowski com Pixinguinha, Donga, Cartola e outros cobras. Além de ter músicas suas gravadas pelo Olimpo: Carmem Miranda, Orlando Silva e Aracy de Almeida.
Nos Estados unidos, Laurindo começou por cima, como guitarrista titular da orquestra Stan Kenton, o que não era pouco, dando-lhe fama e prestígio. A ponto de formar seu próprio trio, com o qual gravaria discos importantes, ao lado de nomes como o saxofonista Bud Schank ou o Modern Jazz Quartet, do pianista John Lewis, com quem excursionaria à Europa em 1963 e 1964. Não foi à toa que o crítico Leonard Feather o incluiu em sua Enciclopédia do Jazz – de resto, o único brasileiro.
Estive em 1964 com Laurindo no inverno gelado de Nova York. Com ele percorri o melhor roteiro de jazz da cidade, onde a bossa-nova de João Gilberto e Tom já estava na crista da onda. Ouvia quase todas as noites – e deles me fiz amigo, por conta do Laurindo – o baixista Charlie Mingus e o citado John Lewis, que devotavam ao brasileiro um respeito comovedor. Portanto, ninguém me contou que o nosso guitarrista era reverenciado pelo jazz: eu próprio comprovei isso.
Como comprovei, aqui mesmo no Rio, seu sucesso no FIC (1967), convidado do Marzagão e Eumir Deodato. Muito maior, de resto, junto às personalidades internacionais do Festival que aos músicos brasileiros. Lembro-me que, durante o FIC, o Laurindo foi convidado a fazer um concerto na Sala Cecília Meirelles. Pois bem, a nata dos figurões internacionais foi ouvi-lo. Músicos, cantores e compositores brasileiros? Contavam-se nos dedos de uma mão, e nem assim todos.
A frase cortante de Tom Jobim, portanto, sempre procedeu, em gênero, número e grau.
Ricardo Cravo Albin