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Nome Artístico
Darius Milhaud
Data de nascimento
4/9/1892
Local de nascimento
Aix-em-Provence, França
Data de morte
22/7/1974
Local de morte
Genebra, Suíça
Dados biográficos

Escritor.

Estudou com Widor, Gédalge e Dukas no Conservatório de Paris.

Dados artísticos

Integrou com Taileferre (1892-1983), Honegger (1892-1955), Poulenc (1899-1963), Auric (1899-1955) e Durey (1888-1971) o famoso Grupo dos Seis, dedicado a suprimir o elemento remanescente de Romanismo e Impressionismo na música francesa. O poeta Jean Cocteau resumiu (Le cof et lArlequin) o programa do Grupo dos Seis nos seguintes termos: “Basta de nuvens, de vagas de aquários de ondinas e de perfumes da noite; precisamos é de uma música na terra, uma música de todos os dias.”

A palavra de ordem de Milhaud naquele momento crítico de superação de tonalidade é a politonalidade, isto é, a superação da polaridade da tônica pela superposição de várias tônicas em atrito. Aquela “música na terra” de que falou Cocteau, foi violentamente atirada à face do autor de “Le boeuf sur le toie” no dia 1 de fevereiro de 1917, um sábado de carnaval, ocasião em que o jovem músico frances chegou ao Brasil, como adido cultural da legação da França, chefiada pelo poeta Paul Claudel. O espetáculo dos cordões e blocos carnavalescos cantando o “Pelo telefone” e outras canções na Avenida Rio Branco deixou Milhaud em estado de alumbramento: “meu contato com o folclore brasileiro foi brutal”; “O carnaval sopra um vento de loucura sobre a cidade”. Além desse impacto, Milhaud encontrou no Brasil uma elite musical refinada, perfeitamente bem, infoemada sobretudo a respeito da música francesa, a tal ponto que chegou a firmar ter sido essa elite carioca que o levou a ter “conhecimento mais efetivo da obra de Satie”.

O jovem adido cultural frequentou o que havia de mais representativo na música erudita brasileira, chegando mesmo a terminar e fazer ouvir num concerto o Trio nº 4 de Glauco Velasquez, deixado incompleto pelo autor, que morreu prematuramente em 1913. O que entusiasmou, entretanto, o músico frances foi o que ele chamou de folclore brasileiro: “os ritmos dessa música popular me intrigavam e me fascinavam. Comprei uma porção de maxixes e de tangos, e me esforcei para tocá-los com suas síncopes, que passam de uma mão para a outra. Meus esforços foram recompensados e pude exprimir e analisar esse quase nada tão tipicamente brasileiro”. No seu compreensível entusiasmo, Milhaud lamenta “que todos os trabalhos de compositores brasileiros desde as obras sinfônicas ou de música de câmara de Nepomuceno e Oswald até as sonatas impressionistas ou as obras orquestrais de Villa Lobos (um jovem de temperamento robusto, cheio de ousadias) seja um reflexo das diferentes fases que se sucederam na Europa de Brahms a Debussy e que o elemento nacional não se exprima de maneira mais viva e mais original.

A influência do folclore brasileiro tão rico de ritmos e de uma linha melódica tão particular, fez-se sentir raramente nas obras dos compositores cariocas. Quando um tema popular ou o ritmo de uma dança é utilizado numa obra musical, esse elemento indígena é deformado, porque o autor o vê através dos olhos de Wagner ou de Saint – Saens, se ele tem sessenta anos, ou dos de Debussy, se tem apenas trinta. Seria desejável que os músicos brasileiros compreendessem a importância dos compositores de tangos, de maxixes, de sambas e de cateretês como Tupinambá ou o genial Nazareth. A riqueza ritmica, a fantasia indefinidamente renovada, a verve, a vivacidade, a invenção melódica de uma imaginação prodigiosa, que se encontram em cada obra desses dois mestres, fazem deles a glória e a preciosidade da arte brasileira”. Quando voltou à Europa, depois de uma certa permanência no Brasil, Milhaud confessou que “os dois anos passados no Rio de Janeiro realçaram em mim toda minha latinidade natural, e isto até o paroxismo. Esta viagem foi uma grande mudança que teve influência considerável sobre meu desenvolvimento, sobre minha evolução posterior”. Uma parte da obra do compositor francês revela ostensivamente essa influência. “Saudades do Brasil”, uma suíte de maxixes, não contém citações folclóricas, mas usa o baixo característico do gênero, explorando a simultaneidade tonal (maior | menor); cada uma das 12 pequenas peças recebe o nome de um bairro do Rio de Janeiro: Copacabana, “LHomme et son désir” utiliza-se do tema do “Meu boi morreu”. “Le boeuf sur le toit”, a mais importante das obras de Milhaud influenciadas pela música popular brasileira, inclui a citação de mais de 30 temas melódicos nossos, alinhavados por um motivo recorrente do samba de José Boiadeiro, o “Boi no telhado”. Esses cantos populares ligam-se, da mais simples maneira, a duas, três e uma vez mesmo a quatro tonalidades. O autor utiliza em cada registro tonal as mais triviais cadências de tônica, dominante e subdominante, colocadas estas, porém, em consonância com cadeias de acordes num segundo nível tonal, dando surgimento a uma harmonia das mais dissonantes e de caráter acentuadamente moderno. O próprio Milhaud respondeu a representantes de uma crítica vesga, que vislumbravam em “Le boeuf sur le toit”, um exemplo de plágio e de abuso de dissonâncias, afirmando que considerava a crítica “absolutamente inútil e até nociva”. Costumava citar uma tirada de Sibelius: “Às vezes você encontrará nas cidades a estátua de um compositor. A de um crítico jamais.” Quanto às acusações de plágio, dizia: ” Não inventei nada. É um procedimento velho como a música, e sem remontar até os polifonistas da Renascença que não se privavam de assim proceder, veja Bach que retoma obras inteiras de Vivaldi para fazer o Bach. Veja, hoje, Stravinski indo procurar em Pergolèse e Tchaikovski do que fazer o Stravinski. Mas, ainda aí, como para o folclore é preciso utilizar esses temas emprestados apenas para deles fazer uma música nova e pessoal.”

No caso particular de “Le boeuf sur le toit” o uso das citações era, na verdade, insubstituível, uma vez que o motivo principal era destacar a “linha melódica de uma imaginação prodigiosa”. A importância maior dessas obras de Milhaud para a música popular brasileira consiste no fato de serem elas as únicas de grande vulto internacional a levar a produção dos nossos chorões ao âmbito da grande música sinfônica do mundo, a exemplo do que fizeram depois compositores brasileiros como Villa-Lobos e Radamés Gnattali. Os estudos sobre o jazz nunca deixaram de mencionar “A criação do mundo”, uma obra de Milhaud cuja pesquisa consistia em introduzir fórmulas de jazz em uma obra de música de câmara, imitando as orquestras dos teatros negros da Broadway”.

Os trabalhos sobre a nossa música, seguindo esse exemplo, não podem omitir a contribuição de um dos maiores vultos da música francesa do século XX para o conhecimento e a difusão do nosso choro.